- Dessa vez, não é o caso. Você sabe que a minha visão não anda lá muito boa. - Ponho em xeque - Devem ter sido todos esses anos me entupindo de absinto. Agora, para onde eu olho, vejo essas ondas amarelas em frenesi que parecem estar pintadas na minha retina como uma moldura viva. Talvez por isso as estrelas estejam tão grandes.
- Ou talvez seja o efeito colateral da tinta que você põe na boca. - Alega Oliver.
-Mas... Como você... ? - Gaguejo - Não tinha ninguém olhando.
- Sua língua está amarela, Vincent. E não é a primeira vez. - Diz de forma passiva, esfregando as mãos, uma de suas manias. Solto um enorme bocejo. - Você não dormiu ainda não é? - Sacudo a cabeça.
- Eu estava aguentando o máximo que podia, queria terminar a pintura. Mas estou exausto. - Seco os olhos lacrimejantes. - Acho que agora vou dormir, meu amigo. - Me despeço cordialmente juntando meus materiais.
Os degraus estão sendo difíceis de encarar, parece que só agora sinto o impacto da noite acordado, meus olhos já estavam sentindo desde antes, mas esses degraus estão me fazendo sentir o desgaste do corpo inteiro. Sinto alívio ao ver minha cama. Me coloco para dormir, encolhido. O colchão afunda, mas sou eu que fico imerso. Fundo. Escuro. Mas tem uma luz.
Eu estou diante de um imenso trono que está num plano mais alto que o meu. Os meus pés estão firmes sobre um chão translúcido e em todos os cantos e direções há céu. Há um exército de estrelas envolvendo o lugar, produzindo luz e som. A sala está dividida por um muro também translúcido e eu estou do outro lado dele, longe do trono. Não consigo ver quem está sentado nele, pois a luz emitida por essa pessoa a cobre por inteiro. Mas consigo perceber um braço se erguendo esticado até a altura do ombro. Então, a luz branca se direciona em reta até atingir a superfície do muro. O raio de luz atravessa, mas já não é o mesmo e já não está mais seguindo a direção da reta. Através do muro surge um raio de luz vermelha veloz, refratada para baixo, que corre até chegar bem próximo dos meus pés e, em uma sequência de cânone, surgem mais seis cores, o violeta sendo o último. Uma ponte de arco-íris é formada em minha frente. Eu fico maravilhado com o espetáculo de cores, além do fato de parecer que eu estou flutuando no céu sem que haja vista de casas ou campos. É um céu livre de nuvens e profundo como a noite.
A pessoa no trono fala palavras que eu não consigo compreender, mas a cada palavra uma estrela brilha mais forte, como se ele as estivesse chamando pelo nome e elas brilhassem em resposta. Posso ouvir claramente mesmo com o muro entre nós. E agora percebo que tem mais alguém comigo nesse lado da parede de vidro, alguém que não estava aqui antes. Ele tem aspectos parecidos com a de um homem, mas não acho que seja humano. Ele está trajado com vestes longas e brancas, e por elas parecem escorrer ondas douradas. Seus cabelos são tão cumpridos quanto suas vestes impedindo que seu rosto seja visto, e também tão negros que parecem se fundir ao espaço ao fundo.
- Você gosta das cores, não é mesmo? - Diz o ser obscuro ao meu lado com um timbre de voz ímpar, completamente melodioso. Não consigo dizer nada e também não sei para onde olhar. Mas, timidamente, faço que sim com a cabeça oscilando os olhos sobre toda a extensão dele sem saber onde pousa-los.
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Man Of Sorrow
Historical FictionEste não é um conto sobre um gênio louco. Este conto é sobre um homem de dores, um ser humano sensível, excomungado pela igreja e impelido de servir, que encontra na arte uma forma de encontro com a verdade em meio ao seu caos.