5. O câncer gay

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As férias passaram voando, Octávio depois daquele dia pensou que o irmão ia contar todo o ocorrido para o pai deles, no entanto, o irmão parecia andar muito ocupado ultimamente, vivia saindo com o bando dele, e na maioria das vezes, quando chegava em casa o pai já estava dormindo.

Talita e Enzo moravam na mesma casa, junto com outros universitários. Sempre que dava, eles visitavam Octávio na casa dele. Depois que as aulas começaram Talita teve menos tempo de ficar com eles, pois tinha que trabalhar num salão para manter a casa. Octávio e Enzo então se tornaram mais próximos, no entanto, Octávio nunca tocou no assunto sexualidade com o amigo, nem muito menos falou de sua breve historia com o Leroy.

Falar do assunto "sexo" era um tabu, falar do assunto "gay" então era pior ainda. Muitas pessoas ignoravam o que estava acontecendo, alguns temiam ter alguém com essa conduta em suas famílias. Muitos não assumidos mantinham relacionamentos escondidos, os que tinham coragem de se assumir, muitas vezes, estavam vivendo nas ruas ou trabalhando duro e ganhando pouco. A grande Parada do Orgulho Gay que ocorreu em anos atrás foi um grande marco na vida de muitos gays da cidade. As pessoas estavam finalmente conhecendo uma realidade antes escondida e velada. No entanto, a disseminação do vírus HIV pela comunidade, tornara muito mais difícil qualquer envolvimento com a palavra "gay". Octávio sabia disso, por isso evitava tocar no assunto com Enzo, ele não queria ver o primo da sua melhor amiga passar por isso. E ele tinha consciência de que Talita só havia revelado isso a ele por causa da confiança que ela tem para com ele.

Uma gota de suor desceu pela sua testa passou pelo nariz e parou dentro de sua boca aberta, ofegava, tentava respirar fundo, o mormaço que vinha do chão secava sua boca que implorava por água. Ele estava atrasado por isso à pressa, o seu corpo sofria ainda mais com o calor que fazia naquela tarde.

Havia marcado de encontrar com Enzo as 14:00 em um botequim três quadras antes da faculdade. O gosto salgado do suor fazia seu corpo suplicar ainda mais por uma água doce e gelada. Que a hora não espera ninguém, todo mundo sabe, mas naquele dia ele tinha discutido com Anthony que começara desde então a querer proibi-lo de sair de casa, além de impedi-lo de ter proximidade com Enzo. Faltando uma quadra para chegar e ele avista Enzo parado na calçada do botequim. "Talvez ele cansou de esperar" pensou ele, Não dava pra saber ao certo. Ele então apressa os passos, já quase correndo.

— Enzo, desculpa. Eu tive um imprevisto. — diz ele ofegante assim que chega onde Enzo estava de pé parado.

— Tudo bem, eu cheguei há pouco tempo. Vim aqui fora ver se você já estava vindo. — diz ele com os olhos mais fechados que aberto por causa do sol. — Mas vamos entrar.

O botequim era bem simples, muitos alunos da faculdade iam lá para lanchar, conversar, ou até mesmo assistir tv.

— Vão querer alguma coisa? — Pergunta o garçom quando os dois sentaram-se à mesa.

— Você vai querer comer alguma coisa? — Pergunta Enzo para Octavio.

— Não, não estou com fome — Diz ele a Enzo. — quero uma água, por favor — em seguida diz ao garçom.

Ele bebeu a água com a mesma vontade que se come um hambúrguer.

— Você tem falado com Talita esses dias? — Perguntou Enzo

— Não, Por quê? Aconteceu alguma coisa?

— Não... É melhor que ela fale... Ela está sem tempo, mas não se preocupe, não é nada de mais.

— Serio que não vai contar! — Diz ele franzindo o cenho.

— Sim, muito sério. — Afirma Enzo, e em seguida muda de assunto — Eu falei com ela sobre o chato do seu irmão, não sei qual o problema dele comigo.

— Ele tem problemas é esse o problema... Mas cuidado com ele e aquele bando dele — Alertou Octávio.

— Talita me disse a mesma coisa.

— Se a pessoa mostrar muitos trejeitos perto dele ele já acha que a pessoa é... Sabe! — Octávio percebeu naquela mesma hora que não devia ter falado aquilo, mesmo sendo a verdade, já que Enzo mostrava muitos trejeitos e suas roupas, seu cabelo pra cima, sempre bem cuidado, seu jeito mais delicado, preenchiam quase todos os estereótipos de um Queer. Para Octávio isso não era um problema, mas ele sabia que para o irmão dele era.

— Sei. — respondeu Enzo, meio sem jeito.

O som que vinha da Tv começara a aumentar de frequência. Ambos agora voltam seus olhares à entrevista com um deputado que estava sendo transmitido.

—... Senhor Deputado, Você acha que o governo deveria se posicionar nesse caso, tratando-se de um câncer?

— O governo está ajudando como pode, mas não a muito que possamos fazer por essas pessoas.

— Você não acha que pessoas gays merecem ter direitos?

— Talvez se eles não mantivessem as praticas que tem esse câncer nunca tivesse existido, nós temos que defender a lei, e ela garante a união de homem com uma mulher somente...

O local não estava cheio, havia cerca de cinco pessoas pelas mesas do botequim, e todos assistiam a tv naquele momento, raramente se falava em tv aberta sobre o assunto, geralmente mostravam a situação da doença em outros países. Octávio e Enzo mantiveram-se calados, não acreditavam no que viam e ouviam. Octávio se sentia mal, ele não entendia o porquê, mas as palavras do deputado cortavam seu peito como laminas afiada, por alguma razão, ele se lembrou de Leroy, daquele estranho ultimo dia do ano, pensou que talvez ele tivesse sentido sim algo naquele dia, era difícil admitir.

— ...Deputado, o que o senhor tem a dizer sobre os rumores de que o câncer gay pode virar uma epidemia, como tem acontecido em outras cidades?

— Não podemos permitir que esse câncer se espalhe em nossa cidade, há boatos que ele só se torna ativo nos homossexuais, provavelmente uma maldição jogada por Deus para acabar com essa prática abominável. Nós temos que defender as leis de Deus e a moral do nosso povo. Se Deus diz que é errado, quem somos nós pra dizer o oposto. Eu irei defender a família e as pessoas de bem dessa cidade, para essas outras pessoas eu só posso desejar a misericórdia Deus...

Depois dessas palavras Enzo percebeu que não suportaria ouvi mais nenhuma palavra daquela entrevista. Ele olhou para o relógio e notificou Octávio que precisava ir, pois estava atrasado para aula. Ele sai com pressa pela porta. Octávio por alguns minutos se fecha em seus pensamentos: Claro que ele deve ter ficado chateado. Acho que deveria ir falar com ele. Assim que ele volta a ouvi o que acontecia em sua volta, ele chama o garçom, paga a água que pediu e segue atrás de Enzo.

Chegando à faculdade ele adentra o prédio de jornalismo e avista Enzo subir as escadas, ele então decide segui-lo, logo percebe que ele havia mentido sobre a aula, pois seguiu para a cobertura do prédio. Enzo chega ao ultimo andar e sobe mais uma escada que dava em uma ultima porta, ao qual, levava ao topo do prédio. Octávio também tivera que fazer todo esse percurso para chegar lá.

Octávio abre calmamente a porta, e observa Enzo parado sentido o ar tapear seu rosto. Ele decide então se pronunciar da forma mais sutil possível.

— Oi — Disse ele em um tom bem baixo.

— Oi... O que você tá fazendo aqui? — Pergunta Enzo, após se virar e perceber que Octávio o havia seguido.

— Eu queria que você me ajudasse em História da Comunicação, mas não sabia como perguntar. — Octávio diz a primeira coisa que pode pensar.

— Você mente muito mal, sabia?

— E você também, Sabia? — os dois dão um breve sorriso. —... Mas eu só queria me desculpar caso tenha dito algo que, talvez, te magoou. Não foi à intenção.

— Não se preocupe você não disse nada de ruim.

— Você sabe que isso é perigoso né? — alerta Octávio

— O quê?

— Como o quê! Ficar aqui em cima... Você pode cair sabia?

— Uma queda daqui de acordo com meus cálculos eu posso ter um traumatismo grave na cabeça, com afundamento de crânio, quebrar quase todos os meus ossos e uma morte instantânea. Praticamente sem dor, pois desmaiaria no percurso. O ruim mesmo é saber que ninguém se importaria.

— Nunca mais diga uma coisa dessas. Eu me importaria, Talita se importaria. E eu sei que você sabe disso.

— Diz isso porque não sabe tudo sobre de mim. Por que eu vim pra cá. Você não sabe como me sinto.

— Na verdade, eu sei, mais até do que você imagina. E Talita me disse tudo - Diz Octávio se aproximando mais dele — sabe o que mais, eu não me importo com nada isso.

Ele olha nos olhos de Enzo e lhe dá um abraço. Com os olhos cheios de lagrimas Enzo diz:

— Você sabe que não teria coragem de estragar essa minha carinha linda né?

— Eu sei

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