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           Setembro abriu caminho para outubro, o melhor mês do ano na zona norte de Nova Iorque, onde ele e Marian tinham morado até sua aposentadoria, e na opinião de Lloyd (IMHO, como se dizia no Facebook), o melhor mês aqui embaixo na costa oeste da Flórida. O pior do calor havia passado, mas os dias ainda eram mornos e as noites frias de janeiro e fevereiro ainda estavam no próximo calendário. A maioria das pessoas que migravam do gélido norte para as áreas mais aquecidas ao sul do estado também estavam no próximo calendário, e ao invés de abrir e fechar cinquenta vezes por dia, as pontes levadiças de Oscar apenas impediam o tráfego por uma dúzia ou vinte vezes. E havia muito menos tráfego a ser impedido.

           A peixaria de Cayman Key foi aberta após deu hiato de três meses, e cachorros eram permitidos no assim chamado Pátio dos Filhotes. Lloyd levou Laurie até lá com frequência, os dois caminhando vagarosamente pelo Caminho das Seis Milhas ao lado do canal. Lloyd levantava o cachorro sobre os locais onde o calçadão estava coberto de mato; ela trotava facilmente por baixo da palmeira que Lloyd teve que lutar para ultrapassar, de cabeça baixa e braço esticado para empurrar para trás as moitas mais espessas, sempre com medo de algum rato de árvore cair em seu cabelo, apesar de nenhum ter caído nunca. Quando eles chegavam ao restaurante, ela calmamente se sentava sobre seu sapato, sob raios de sol, sendo ocasionalmente recompensada por seus bons modos com um pedaço de batata frita do cesto de fritas e peixe de Lloyd. Todas as garçonetes se derretiam por ela, curvando-se para afagar seu pêlo cinza esfumado.

           Bernadette, a anfitriã, era particularmente apaixonada por ela. "Esse rosto", ela sempre dizia, como se isso explicasse tudo. Ela se ajoelhava ao lado de Laurie, o que proporcionava a Lloyd uma excelente e sempre apreciável visão de seu decote. "Oooh, esse rosto!"

          Laurie aceitava essa atenção, mas não parecia cobiçá-la. Ela simplesmente se sentava, olhando de relance para sua nova admiradora antes de voltar sua atenção para Lloyd. Parte dessa atenção pode ter algo a ver com as batatas fritas, mas não toda; ela o olhava de modo tão estudioso como quando ele estava assistindo TV. Até que, isso sim, ela adormecia.

           Ela rapidamente foi educada a fazer suas necessidades no local correto, e apesar das previsões de Don, ela não mastigou a mobília. Ela mastigava, sim, seus brinquedos, que foram multiplicados de três para seis para uma dúzia. Ele encontrou um antigo caixote para guardá-los. Laurie ia para esse caixote de manhã, colocava suas patas dianteiras na borda e examinava seu conteúdo como um comprador na Publix avaliando os produtos. Finalmente ela selecionava um, levava até algum canto e mastigava até ficar com tédio dele. Então ela retornava para o caixote e selecionava outro. Ao final do dia, eles estariam espalhados por todo quarto, sala de estar e cozinha. A última tarefa doméstica de Lloyd antes de ir para cama era recolhê-los e retorná-los para o caixote. Não por causa da desordem, mas porque o cachorro parecia ter tanta satisfação em inspecionar a cada manhã seu espólio acumulado.

           Beth telefonava com frequência, perguntando sobre seus hábitos alimentares, lembrando-o de aniversários de casamentos e aniversários de antigos amigos e parentes mais velhos, mantendo-o atualizado sobre quem bateu as botas. Ela sempre encerrava as ligações perguntando se Laurie ainda estava em período de experiência. Lloyd disse que sim até um dia em meados de outubro. Eles tinham acabado de voltar da peixaria e Laurie estava dormindo de costas no meio da sala de estar, com as patas esticadas em direção aos quatro pontos principais da bússola. A brisa do ar condicionado estava embaraçando seus pêlos na região da barriga e Lloyd percebeu que ela era linda. Não era um sentimento, era um fato da natureza. Ele sentiu o mesmo sobre as estrelas quando a levou para fora para a última urina da noite.

           "Não, eu acho que já passamos do estágio experimental. Mas se ela viver mais do que eu, Bethinha, você ou vai pegá-la de volta - e que se foda a alergia do Jim - ou você vai achar um bom lar para ela."

           "Registrado, Pato de Plástico." Isso de Pato de Plástico era algo que ela havia pegado de alguma música dançante nos anos 70 e que manteve desde então. Era outra coisa sobre Beth que Lloyd considerava simultaneamente amável e irritante pra caramba. "Estou tão contente que está dando certo." Ela baixou a voz. "Na verdade, eu não achei que iria dar."

          "Então por que você a trouxe?"

          "Foi um tiro no escuro. Eu sabia que você precisava de algo que desse mais trabalho que um peixinho dourado. Ela já aprendeu a latir?"

          "É mais como um yark. Ela faz isso quando o correio chega, ou UPS, ou se Don vem pra tomar uma cerveja. Sempre só dois latidos. Yark-yark e pronto. Quando você vai vir por aqui?"

          "Eu fui na última vez. É a sua vez de descer pra cá."

          "Eu vou ter que levar a Laurie. Não vou deixar ela aqui com Don e Evelyn Pitcher de jeito nenhum." Olhando para seu filhote dormindo, ele percebeu que não deixaria ela com ninguém de jeito nenhum. Até pequenas saídas para o supermercado o deixavam apreensivo sobre como ela estava e ele ficava sempre aliviado ao vê-la esperando na porta quando ele chegava em casa.

          "Então traz. Eu ia amar ver o quanto ela cresceu."

          "E a alergia de Jim?"

          "Que se foda a alergia dele", ela disse e desligou, rindo.

Laurie - Stephen King (Tradução)Where stories live. Discover now