Samantha

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Oi

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 -As madames já acabaram de discutir? - Eu disse me colocando de pé.

Era quase perto do horário em que meus pais começavam a me xingar por ainda não estar em casa e ainda não estávamos nem perto do fim daquela discussão. Eu sabia disso porque não era nem a sétima vez que nós discutíamos aquele assunto só naquela semana e se não havíamos conseguido chegar em um consenso em nenhuma das seis primeiras vezes, também não iríamos agora.

Nós estávamos sentados na sala de música do colégio onde nós normalmente fazíamos as nossas reuniões e íamos pra ensaiar. Felipe e MB estavam sentados em uma discussão vívida no sofá, Guto estava jogado em um dos pufes casualmente tentando controlar a situação e a discussão - e falhando e eu estava sentada sobre uma das mesas, usando o meu telefone porque só cometi o erro de entrar naquela discussão apenas uma vez.

Eu sabia que era um assunto importante, mas o problema é que não sabíamos lidar com ele. É claro que precisávamos de uma capa para o nosso primeiro cd, todo mundo concordava nesse ponto, mas daí pra frente nem sequer uma palavra conseguia ser dita sem que um gritasse com o outro.

E isso tudo era devido ao individuo na capa do jornal que estava sobre uma das mesas. A manchete dizia: "mais um prédio marcado pela pichação de expressão do Fantasma" - e a pior parte da matéria nem era o nome horrível que deram para o indivíduo. Todo mundo sabe que na cidade de São Paulo todo mundo grafita praticamente, que todo mundo pincha e que não é tão difícil chegar em lugares que só parecem impossíveis de escalar. Mas todo mundo estava muito preocupado com esse pichador em específico.

Dentro de dois meses o cara havia conseguido pichar os prédios mais altos da cidade e também os mais importantes - ele fez questão de deixar claro que odiava o capitalismo - e a polícia por mais que se empenhasse era incapaz de pegar o cara. O problema maior não eram as pichações, quando alguém picha um muro o dono passa por cima e fica tudo bem, mas ele fazia coisas que as pessoas queriam fotografar e postar por aí. E elas fizeram isso. Antes que alguém conseguisse apagar o que ele havia feito, já havia fotos em todos os lugares, explicações para os desenhos e as frases e tudo que se imaginar. Em questão de semanas, ele virou um ícone mesmo que ninguém nunca visse o seu rosto.

-Isso é importante, Samantha.

-Então, levem o assunto a sério e parem de agir feito criança.

-Não tem nem porque haver discussão, a minha ideia é excelente. - MB disse.

Ninguém nunca havia visto o tal Fantasma - sinceramente, jornalistas, nunca batizem seus filhos com a mesma fonte de inspiração - mas nós sabíamos que alguém muito próximo de nós tinha uma conexão muito grande com ele. Sabíamos que Heloísa Gutierrez não só sabia quem ele era como já havia trocado mais do que algumas palavras com ele, na verdade, havia trocado fluídos corporais.

E era aí que a história ficava um pouco mais complicada.

Nós todos concordamos - até mesmo eu - que o cara sabia o que estava fazendo e que seus desenhos eram lindos, mas Felipe discordava que chegar na Lica para pedir o telefone do cara seria uma boa ideia. Não seria uma boa ideia para Felipe porque a verdade era que estava se mordendo de ciúmes da Lica - superar não é um hábito - mas não seria uma má ideia para MB porque ele não só não tinha problema nenhum com o relacionamento da Lica com o garoto misterioso e também porque ele tinha a proximidade necessária com a Lica.

Não era uma ideia nem boa nem ruim para o Guto, então, tudo o que ele fazia era assistir a discussão. E não era uma ideia boa para mim porque eu não tinha a proximidade necessária para que eu pedisse o telefone para a Lica - e isso não era um problema - mas eu havia percebido também que mesmo que eu tivesse, não era agradável para mim ter que pedir o telefone de um cara para ela. E quando chegava na parte da discussão em que me perguntavam o porquê disso, eu planejava a minha saída.

A Garota Do Vagão | LIMANTHAOnde histórias criam vida. Descubra agora