Prólogo

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Pode conter gatilhos!!

Boa leitura!!

★★★

Ventava forte naquela noite de novembro. As folhas das árvores faziam um barulho alto, mas reconfortante para alguém que não queria nada além de paz e tranquilidade.

Guilherme fechou as janelas da cabana que ficava perto da praia, em um lugar quase que deserto, exceto por uma vizinha que morava há três quilômetros de distância dali.

Finalmente ele podia tirar as tão esperadas férias, depois de quase três anos diretos de trabalho, dando seu sangue, suor e lágrimas pela empresa que mal o valorizava. Talvez não a empresa, seu chefe.

Guilherme Fernandes era um arquiteto e tanto. O melhor da Anderson Siqueira Construtora. O problema era que não era valorizado, o que dificultava bastante seu trabalho.

Tinha um ódio secreto – nem tão secreto assim – por seu chefe e filho do homem que se dizia amigo de seu falecido pai, Artur Magalhães. O dito cujo era um mauricinho de marca maior e fazia questão de ter atitudes extremamente infantis, apenas para tirá-lo do sério. Era ridículo. Porém a verdade era que, na maioria das vezes, seu chefe conseguia o que queria. Ele conseguia tirar a paz de Guilherme com a mesma facilidade que se respira. Se fosse um emprego, com certeza ele seria o melhor de todos.

Ao longe era possível ouvir o som das ondas quebrando no mar. Era a melhor coisa que poderia ter naqueles minutos de paz, já que sua amada mãe ligava há cada dez minutos para saber como ele estava e contar as mesmas "novidades" de sempre.

Encheu uma caneca grande azul – sua favorita – com café bem quente, recém passado, inspirando o perfume forte do líquido escuro e quente. Tomou um bom gole, suspirando logo em seguida. Estava delicioso.

Sentou na poltrona, que ficava ao lado da maior janela da casa e que tinha a melhor vista também. Essa mostrava a floresta que se iniciava atrás da casa de madeira simples, onde ele havia escolhido se refugiar durante seu tempo de descanso.

Um dos motivos pelo qual escolhera o lugar foi justamente a floresta no fundo. O local era fresco, já que era cercado por árvores e ainda podia-se contar com o vento que vinha do mar.

Uma fina garoa começou a cair do lado de fora. O céu estava nublado desde cedo, quando tinha saído para caminhar pela praia deserta e calma. Já imaginava que poderia chover mais tarde.

A cada minuto ficava mais escuro do lado de fora. A sombra das árvores colaborava para que ficasse escuro mais rápido do que deveria. Era um ótimo lugar para descansar.

Conseguira o lugar por um preço bastante camarada de um senhor que quase já não visitava mais a aconchegante cabana.

Era noite, quando Guilherme sentou para ler um de seus livros favoritos e escutar um pouco de música - uma das que tinha no celular, já que ali o sinal era péssimo, tanto para o telefone, quanto para o rádio.

Ouviu um barulho estranho atrás da casa e foi até a janela. Observou a mata em silêncio por alguns minutos, mas não viu nada que pudesse explicar o barulho.

Voltou a sentar-se e prestar atenção no livro. Porém, mais uma vez, foi interrompido pelo mesmo barulho, agora um pouco mais alto e forte. O que seria aquilo?

Levantou outra vez e caminhou até a janela. Sobressaltou-se ao visualizar um vulto passando por entre as árvores e arbustos.

Um animal, deve ser isso. Pensou, tentando normalizar seus batimentos cardíacos. Respirava com certa dificuldade devido ao susto.

— Ah!

Outra vez, aquele barulho e um vulto.

— Era só o que me faltava — resmungou baixo.

Procurou por uma lanterna, encontrando-a dentro da gaveta da estante, que ficava no canto da sala de estar.

Tomou coragem, por breves segundos, e então saiu. Ligou a lanterna com as mãos tremendo – ele diria que era de frio, não teria coragem de admitir a verdade.

Deu a volta na casa, dirigindo-se para a parte de trás. A cada passo, mais suas mãos tremiam. Mesmo que tentasse evitar, não conseguia controlar seus pensamentos e já imaginava um bicho perigoso, atacando-o.

Por mais uma vez, ouviu o barulho. Tentou focar a luz no que poderia ser o causador, mantendo uma distância segura, mas não teve êxito. Tentou por mais duas vezes, até ter coragem o suficiente para se aproximar de verdade.

Os joelhos tremiam mais que vara verde, quando ele finalmente conseguiu pisar sobre a folhagem. Continuou adiante, por poucos minutos, até sentir um corpo menor se chocando contra o seu.

Soltou um grito alto e levemente desesperado. Olhou para baixo, querendo descobrir o que lhe atingira e teve uma grande surpresa.

Uma pequena pessoa se levantava com dificuldade. Seu corpo tremia mais que o dele. O pés e mãos pequenas estavam machucados, o cabelo muito curto denunciava que havia sido cortado recentemente, e as roupas – um moletom preto e um par de jeans – grandes e sujas praticamente engoliam o jovem.

Ficaram se encarando por longos minutos. Um surpreso e o outro assustado.

— Você está bem? — Guilherme não teve tempo de dizer mais nada.

O corpo do jovem caiu sobre o seu. Ele tinha desmaiado. Guilherme o sustentou, mesmo ainda estando trêmulo, e o ergueu com facilidade.

Entrou em casa o mais rápido que pôde, considerando a situação, deixando o corpo desacordado sobre o sofá para que pudesse trancar a porta.

— E agora?! O que eu faço? — perguntou para si mesmo.

Por quase uma hora tentou acordar a pessoa depositada sobre seu sofá. Desistiu, percebendo que era inútil e perda de tempo. Procurou nos bolsos das roupas sujas do jovem deitado no sofá por algum documento ou qualquer coisa que pudesse identificá-lo. Nada.

Sentia que devia cuidar daquela pessoa, independente de quem ela fosse. Tinha esse instinto protetor desde de novo e sempre era elogiado por sua progenitora por seus atos quase que heróicos.

Foi até o banheiro e preparou a banheira. Aquele jovem precisava de um bom banho e alguns cuidados, talvez até de um médico.

Com cuidado levou o moço até o banheiro. Tirou-lhe o casaco, surpreendendo-se ao notar as pequenas protuberâncias no busto, o que significava que não se tratava de um garoto, mas sim de uma moça.

— Oh, meu Deus! — afastou-se abruptamente.

Por essa ele não esperava. Não mesmo.

Ficou andando de um lado para o outro no banheiro sem saber o que fazer. Sua vontade de protegê-la só havia aumentado, mas se sentia sem graça e até mesmo violando-a.

Andou no mesmo lugar por tanto tempo, que poderia fazer um buraco no chão. Decidido, aproximou-se outra vez da menina sentada sobre o vaso sanitário e respirou fundo, voltando a despir-lhe.

Sentia as bochechas queimando de tamanha vergonha. Torcia para que ela não acordasse, enquanto estavam naquela situação constrangedora.

Com todo o cuidado do mundo – como se pudesse quebrá-la – ele a pôs dentro da banheira cheia de água morna. Banhou o corpo magro da moça, sentindo, por algum motivo estranho, a maciez de sua pele negra. Era bonita.

Pegou a pequena negra e se encaminhou para o quarto. Deixou-a deitada sobre a cama de casal, indo buscar uma toalha e roupas limpas para que pudesse vesti-la.

Secá-la foi a parte mais estranha. Ele tomava cuidado, pois ela tinha machucados e hematomas espalhados pelo corpo. O rosto tinha grandes olheiras roxas e marcas que poderiam ser de tapas ou socos.

Ela fora agredida. Constatou, sentindo um aperto no coração.

— O que aconteceu com você? — perguntou como se fosse ser respondido, mas não foi.

Depois de vesti-la, saiu do quarto, não sem antes cobrir-lhe o corpo, e voltou para o lugar onde toda aquela confusão, que ele tinha certeza de que estava apenas começando, tinha iniciado. A sala.

Escute o Meu Coração (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora