Capítulo IV

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O sol brilhava lindamente do lado de fora da cabana. As janelas e cortinas estavam abertas para receber a luz do grande astro. A pequena mulher suspirou baixinho, sentido o calorzinho que entrava pela janela do quarto. A cama era tão confortável. Ela não se lembrava de deitar em algo tão macio quanto naquele momento. Abriu os olhos e permaneceu imóvel, observando aquela luz tão bonita que há tanto tempo não podia parar para admirar. O céu estava azul com algumas nuvens parecidas com algodão bem branquinho enfeitando.

Ela se levantou, caminhando lentamente em direção à janela de madeira. Foi quando notou a praia bem na frente da casa. O último dia tinha sido tão agitado, que mal tinha reparado em qualquer coisa além daquele homem bonito que a deixava tão confusa. A água cristalina batia forte contra a areia, fazendo uma espuma branca aparecer. Alguns pássaros também voavam feliz – bom, ela não podia ter certeza, mas eles eram livres e, para ela, aquilo deveria bastar para ser feliz. Como queria sentir aquela areia sob os pés. Talvez já estivesse quentinha. Seria maravilhoso. Estava tão destruída que não reparou que Guilherme lhe observava.

Ele entrou no quarto com o intuito de verificar se ela estava bem, no entanto, naquele momento, ele já não tinha certeza de que quem não estava bem era ela. Talvez fosse ele. Assim que a viu olhando tão impressionada para a paisagem do lado de fora, estacou no mesmo lugar. A pele negra, assim como os olhos escuros, brilhava sob a luz da maior estrela. Não conseguia se mexer, estava hipnotizado. Pela segunda vez, desde que ela a conhecera, viu o sorriso dela se abrir e sentiu seu coração responder imediatamente. Batia forte e rápido, quase que desesperado. Ela era muito bonita. Era o tipo de beleza diferente. O tipo de beleza que poucos saberiam apreciar. Ele sabia.

Um sobressalto. Foi a reação da negra ao virar-se e descobrir aquele homem a observando. Levou a mão ao coração, ele batia rápido. Ela só não tinha certeza se pelo susto ou por ter aqueles olhos azuis a encarando daquela jeito. Era um jeito bonito de se olhar alguém e ela gostou daquilo. Não era como o monstro costumava olhá-la, era diferente. Um diferente muito bom.

— Você está bem?

A resposta veio com um simples balançar de cabeça. Os dois se encaravam sem saber exatamente o que fazer. Qualquer movimento parecia perigoso demais naquele momento, então era melhor permaneceram parados. Talvez acabassem criando raízes naquele chão de madeira e, se ele tivesse sorte, uma de suas raízes poderia tocar uma das dela. Era um pensamento completamente sem cabimento e ele se repreendia mentalmente por pensar coisas daquele tipo. O que era aquilo? Será que não poderia mais ter controle sobre os próprios pensamentos?

Os olhos azuis desceram pelo corpo pequeno da negra diante deles. Guilherme observou como as próprias roupas eram grandes demais para ela e como os pés cobertos por suas meias sobre o piso traziam uma sensação tão familiar, aconchegante... Balançou a cabeça. Não sabia quem era aquela mulher nem de onde ela vinha. E se fosse uma louca ou... Mas ele sabia que ela não era. Mesmo assim poderia ter uma família ou pessoas atrás dela. Talvez tivesse um marido ou filhos... Ela não parecia ter filhos. Era tudo incerto demais. Mais do que ele sabia lidar.

Ela precisava de roupas do próprio tamanho. Mas ele deveria comprar? Em algum momento – ele sabia – ela teria de ir embora. Mas para onde? Teria para onde ir? Aqueles olhos não eram de quem tinha um lar ou pessoas esperando por ela. Eram olhos de alguém sozinho. Seria sozinha? Ele poderia estar redondamente enganado e era exatamente isso que o impedia de dar qualquer passo à frente. Parecia loucura demais ter aquela mulher por perto sem nem saber o seu nome.

Os olhos ainda estavam uns nos outros. A moça não sabia o que fazer. Eram tantos pensamentos e nenhum fazia qualquer sentido. O medo estava mais presente do que nunca, mesmo assim não sentia qualquer vontade de fugir dali. Talvez porque aquele homem trouxesse a ela uma sensação de proteção, embora também a assustasse, porque, querendo ou não, ainda era um homem e eles podiam se tornar monstros, não é? Como ninguém, ela sabia daquele fato. Foi por isso que recuou um, dois, três passos. O bastante para que ele percebesse seu desconforto e fizesse o mesmo. Um, dois, três passos. Parecia uma distância segura para ambos os lados, mesmo que sentissem que deveriam seguir no sentido contrário.

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