Sessão 3 - Dark Room

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Pontualmente, as oito, Patrick chegou ao prédio. Se sentia carente e decadente por se prestar a tal momento. Não era um bom ouvinte, nem um bom narrador. Pra que ir até ali então?

Na sala, outros três homens e uma mulher se juntaram a ele, formando uma roda. Dessa vez, não era Pandora quem adminstrava a sessão, mas sim um homem de cabelos grisalhos e aparência simpatica.

A sessão começou num passo lento e tedioso, com as típicas apresentações de álcoolicos anônimos, que faziam Patrick se sentir mais decadente e esgotado, o fazendo sempre checar seu relógio de pulso, clamando por alguma fuga.

Quando a vez da única mulher do ambiente, Patrick focou os olhos azuis infinitamente sarcasticos e entediados sobre ela, esperando algo além do ordinário "nome, idade e tragédia."

- Me chamo Penélope, tenho 23 anos e eu espero morrer até o fim do dia. -Ela murmurou com toda a tranquilidade do mundo, fazendo o mediador arregalar os olhos com preocupação, tirando um mínimo sorriso de Patrick.

Ela tinha os cabelos longos e mal cuidados, presos no alto da cabeça em um rabo de cavalo mal feito. Enormes olheiras pesavam embaixo de seus olhos negros, orelhas pequeninas e cheias de furos, lábios grossos e craquelados, secos. Ela dava sinais de abstinência, talvez agravada por alguma perturbação emocional. Ela era alta, esguia, com punhos e ombros estreitos, mãos sempre tremulas e dadas. Não parecia uma pessoa, era uma faísca.

Os olhos dos dois se encontraram e Patrick finalmente achou algo com o que podia se identificar. Eram como animais enjaulados, esperando permissão para morrer.

Penélope desviou os olhares e voltou a fitar as próprias mãos, mexendo erraticamente no tecido de sua blusa com suas unhas quebradas e roídas.

O mediador começou uma longa babozeira sobre dependência e como vence-la. Estava tão profundamente interessante que, em certo ponto, Patrick se viu contando os azulejos que revestiam o piso do salão.

- A vida sem o vício é como um bolo. Você pode tirar a cobertura e tudo a sua volta, tu ainda terá o bolo em si.

Penélope cruzou os braços e ergueu um dedo no ar, seus olhos cheios de impaciecia.

- Não. Isso é balela. -Ele riu, apenas esperando o circo começar a pegar fogo, cruzando os braços na frente do peito.

- Como assim?
- Qual a graça em comer só a parte amarga do bolo? A graça não está no colorido, no doce?

O mediador se calou novamente e ela pareceu se encher de uma raiva surreal, misturada a um senso de razão.

- Então estou só disperdiçando meu tempo aqui mesmo. -Ela se levantou tranquilamente e virou sua cadeira com ódio, fazendo Patrick se encolher para o lado oposto ao dela, completamente surpreso.

Ele a seguiu com os olhos e a viu sair do salão e bater a porta com força. Depois de longos segundos de silêncio constrangedor, Patrick se levantou lentamente e decidiu segui-la. Não conseguia se relacionar com nada ali, mas aquela louca hipocondriaca era algo que parecia perto de casa para ele.

O maior saiu pela porta e a viu no fim do corredor, encostada a uma parede, focada em brincar com um canivete que levava consigo. Ele caminhou até ela com passos temerosos, reticentes. Queria saber quem era ela, não ganhar uma facada no abdomen.

Patrick parou a sua frente e, ao vê-lo, Penélope guardou o canivete vermelho de volta no bolso de seu moletom.

- Patrick -Ele se apresentou, estendendo uma mão para ela. - Narcisista, álcoolatra, suicída com hábitos solitários.

Ela apertou sua mão com a pouca força que tinha e abanou a cabeça levemente.

- Penélope -Seus olhos fundos se encontraram aos dele outra vez. - Depressiva reincidente, sociopata e auto-multiladora.

Eles apertaram as mãos por um longo momento de silêncio, ambos conseguindo ver um pouco de si nas caracteristicas bizarras do outro.

- Limpo há...
- 36 dias -Patrick suspirou fundo, agora enfiando as mãos nos bolsos da calça. - Você?

- 73 horas -Penélope deu com os ombros, passando uma mão pela própria nuca. - Cocaína?
- E heroína. -Ele completou. Aquela conversa mórbida entre eles mais soava como um papo de bar aleatório, casual.

Penélope abanou a cabeça afirmativamente com lentidão e tirou um maço de cigarro do bolso de seu moletom azul e surrado. O ofereceu e o maior aceitou, ambos apenas compartilhando pacificamente o silêncio e a nicotina pairando no ar.

- Quando disse que pretendia morrer hoje... O que tem em mente?
- Uma overdose, talvez. Me jogar da janela se eu tiver mais sorte.

- Por que não deixa para amanhã? -Ele sugeriu, com toda a inocência do mundo, lhe fitando por debaixo dos olhos, fazendo a boca seca dela pender minimamente num sorriso de canto.
- É... Talvez amanhã.

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