Bem vindo à selva, moleque!

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                Os dias passavam em um ritmo frenético. Apesar do que eu fazia diariamente, não tinha coragem de olhar no rosto de meus pais. Assim, algumas noites depois, eu simplesmente deixei de voltar para casa à noite, visitando meu apartamento apenas quando eles já tinham saído para o trabalho. Eu dormia no esconderijo, comia no esconderijo e, bem, era só isso que eu fazia além de minhas necessidades. Cada vez mais eu estava obstinado a vencer a tarefa daquele dia, pois sabia que a cada tarefa cumprida eu estaria mais próximo do meu objetivo.

A cada novo estabelecimento ficava mais e mais fácil furtar os itens. Nos últimos dias Mark, descobri o nome do meu tutor anteontem, me dissera que queria dinheiro também. Furtar comida era uma coisa, mas pegar dinheiro requeria um trabalho mais delicado. Passei a ficar mais tempo na loja, andando entre as prateleiras, até que, por um descuido, a pessoa atrás do balcão saía para fazer alguma coisa, ora ir ao banheiro, ora ir pegar algum item específico – essa era a técnica que estava se demonstrando ser a mais eficaz – que eu pedia. Ao final daquela semana eu já tinha conseguido cerca de quinhentos dólares, os quais me davam uma quantia de cinquenta dólares.

- Muito bem, Ron, meu rapaz! – disse simulando um orgulho ao me ver chegar com o último serviço na tarde de uma sexta feira chuvosa. – Agora só mais um serviço e você terá a sua arma. Ainda a quer, certo?

- Claro, Mark. Ou você acha que fiz tudo isso por sua amizade? – respondi com uma dose de sarcasmo que aprendi com ele ao longo do mês. – qual o serviço?

- Tem uma fruteira na esquina das avenidas Dois com a Três, que soube que eles deixam o dinheiro no caixa à noite.

Eu gelei. Aquela era a fruteira dos meus pais. Eu não poderia assalta-la, eles me reconheceriam na mesma hora.

- Essa fruteira em específico não tem como. São de amigos da minha família, eles vão me reconhecer.

- Você vai à noite, moleque. Eles fecham o lugar por volta das vinte horas, você vai por volta das vinte e duas, arromba a porta e faz a limpa. Em meia hora você já pegou tudo de dentro e saiu. Não tem erro. Faça isso e a arma será sua.

- Mas... Não dá pra ser outra? – tentei argumentar. Não poderia dizer que o lugar pertencia à minha família.

- Não. É essa ou nada feito. Que houve, ligeirinho? Está com medo agora? Mal que o lembre, pelas minhas contas a próxima coleta é amanhã, não?. – ele deve ter notado minha expressão de espanto – você acha mesmo que eu não notei essa sua cara de filhinho da mamãe? Tá tentando fugir da coleta, to sacando. Faz só esse serviço e a arma é sua, e boa sorte para quem estiver do outro lado dela no Dia C.

Fechei os olhos por um instante, respirando fundo. – Me convenceu. Eu vou fazer.

- Ótimo. Me encontre lá na frente da fruteira no horário. Eu vou puxar um carro pro negócio.

Me despedi e voltei pro meu esconderijo. Um mix de nervosismo com ansiedade me fez arrastar os pés da mesma forma como aconteceu no meu primeiro assalto. Eu... Eu teria que roubar meus pais! Ao longo daquela tarde tentei não dar importância àquele pensamento enquanto rolava no colchão sem lençol do esconderijo, mas ele sempre dava um jeito de voltar à minha mente. Eu teria que assaltar meus pais. Era o único jeito de conseguir seguir meu plano. Era a única chance que eu tinha de rever Yasmin.

Era um trabalho como todos os outros que fizera naquele mês. Nada mais que isso. A única coisa que tinha de diferente é que iria ser à noite e que Mark me ajudaria. Repeti isso como se fosse um mantra até chegar ao local na hora marcada.

- Você veio, ligeirinho. – disse Mark de dentro do carro.

- Sim. Vamos terminar com isso. Sabe arrombar a porta?

- Tenho o arrombador bem aqui... – disse abaixando-se e pegando um tijolo do chão e, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ele lançara a pedra na vidraça da janela. – Rápido, ligeirinho! Entra e traz tudo aqui pra fora que eu guardo!

Sem pensar a respeito, pulei o parapeito da janela e entrei. Tão logo aterrisei do lado de dentro, notei que ele dera a ré no carro para encaixar na abertura, o que facilitaria o trabalho.

- Rápido! – ordenou.

Um a um eu pegava os itens e jogava pela janela dentro do carro. Não podia me dar ao luxo de ter cuidado, então latas caíam e amassavam, vidros de conservas quebravam, frutas se esmigalhavam entre meus dedos e sob meus pés. Quando Mark julgou ser o suficiente, ele gritou para que eu pegasse o cofre.

- É pesado! Eu preciso de ajuda! – gritei sendo imediatamente atendido pelo outro, que pulou para dentro e me ajudou a arrasta-lo. Era muito pesado, e levamos mais tempo do que o planejado para tão somente move-lo alguns metros.

- Vou amarrar essa merda no carro e puxar!

- Não! Deixa eu tentar descobrir a combinação – menti. – é o estabelecimento da minha... dos amigos da minha família, lembra? Vai! Dá partida no carro! – me ajoelhei em frente à caixa de ferro fundido e comecei a girar a roda com os números. Eu já tinha acompanhado meus pais até aqui algumas vezes, e meu pai me dera a combinação para o caso de alguma emergência. – Desculpe, pai, é uma emergência – disse baixinho quando girei o último número para a direita e abri a porta com um estalo baixo. Mal senti que lágrimas corriam livres por meu rosto enquanto tirava as economias de uma vida inteira de trabalho de meus pais e colocava dentro de sacos de papel. Quando o interior estava vazio, juntei os sacos e me atirei para dentro do carro. – Vai! Vai! Vai!

Mark dirigiu até a rua do beco, entrando em uma garagem estreita. Lá dentro ele tinha uma pequena família de crianças mais novas que eu. Separamos o dinheiro. Mais de trinta mil dólares. Dessa vez ele me deu um terço do dinheiro.

- Você mereceu, ligeirinho. Sabe, você e eu poderíamos nos dar bem nesse ramo.

- Eu quero a arma, Mark.

- Está bem, está bem. Eu prometi – disse contrariado. – Aqui está. Boa sorte no Dia C. E se der certo, venha nos procurar.

- Não vou precisar de sorte. Isso vai acabar no Dia C.

Cuidado, Moleque!Onde histórias criam vida. Descubra agora