O dia seguinte chegou mais rápido que desejaríamos. Na noite anterior ficamos junto o máximo de tempo que pudemos e, a cada minuto mais perto da meia noite, mais a ansiedade pelo dia seguinte aumentava.
- Vamos nos esconder!
- Não dá, Yaya. Lembra aquela família do prédio vizinho, o que aconteceu quando eles tentaram esconder a criança?
- Sim... – abraçou a si mesma olhando para baixo.
Abracei-a nos ombros.
- Poderíamos fugir todos... – sugeri baixinho.
- Nossos pais nunca concordariam... além do mais, não conseguiríamos ser rápidos o suficiente. É amanhã! – lágrimas começavam a brotar em seus olhos.
- Olha, não fica assim, tá? Eu disse que não vou deixar te levarem. E se alguém te levar – enxuguei uma lágrima que tentava escorrer pelo rosto – eu vou atrás de você, tá?
- Mas o que você pode fazer contra... Eles? – ela fechou os olhos, escondendo-os na minha mão.
- Eu... – senti a voz sumir e um nó se formar na garganta. Ela estava certa, eu não poderia fazer muita coisa. Menti – eu vou fazer o impossível, se necessário!
- Eu não quero ir! – Se abraçou em mim aos prantos – Não quero ficar sem você!
Permanecemos abraçados por mais algum tempo. Decidimos que aquela noite iríamos passar junto, mesmo sabendo dos protestos que viriam de nossos pais, de como era importante para nossa segurança que ficássemos em casa. Não demos importância, pegamos algumas garrafas de água, um pacote de bolinhos e "fugimos" para nosso esconderijo. Afinal, lá ninguém nos encontraria. Adormecemos com aquela certeza.
A manhã seguinte chegou com uma sequência de chutes contra a porta do esconderijo. Alguém estava tentando entrada e, após um estrondo alto de madeira quebrando, conseguira entrar.
- Ora, ora – disse uma voz de trovão vinda de um homem negro que parecia um gorila de tão alto e forte – se escondendo do mestre.
- Não estamos nos escondendo de ninguém! – esbravejei escondendo Yasmin atrás de mim – E você não vai levá-la! – me coloquei em posição de defesa.
Não fazia ideia de como seria lutar contra uma montanha, mas algo me dizia que estava prestes a descobrir. No entanto, como se eu fosse uma sacola de compras, o gigante me pegou pelo pescoço e me atirou para o lado quase inconsciente.
- Venha, pequena – disse esticando a mão gigantesca em direção a ela que sem conseguir reagir, apenas se debateu quando ele a carregou embaixo do braço.
- Me solta! Me solta! – gritou dando socos nas costas que pareciam um tronco de árvore e chutando.
As pessoas viam aquela cena apenas pelas portinholas em suas portas e, tão logo eles passavam, elas eram fechadas e trancadas com um estalo, como se o gigante pudesse arrancar-lhes os filhos e filhas pela abertura.
Acordei a tempo de ver o elevador antigo descendo para os andares de baixo. Desci as escadas o mais rápido que consegui, pulando os lances de escada que me julgava capaz de fazê-lo, descendo os degraus de três em três nos outros. Quando finalmente cheguei lá embaixo, Yasmin já estava sobre a caçamba de um caminhão. O gigante já tinha lhe arrancado as roupas, e ela, assim como outras meninas tentavam cobrir seus corpos com as mãos. O gigante estava com elas lá em cima. Sentado do outro lado alguém, possivelmente apontando, ordenava:
- Vou ficar com a terceira, a bonitinha de cabelos curtos castanhos. Dê um passo a frente.
O gigante agarrou sua cintura e a forçou para frente.
- Como se chama, bonequinha? – a menina gaguejou e não conseguiu falar. Ele repetiu a pergunta.
- Responda ao mestre, garota – ordenou a voz de trovão.
- Y... Y... Yasmin, senhor. – respondeu ainda gaguejando.
- Tire suas mãos da frente, bonequinha. Quero ver o quão gostosinha você é.
Novamente forçada pelo gigante, Yasmin tirou as mãos e manteve seguras atrás de si contra sua vontade, pois a mãozorra as mantinham naquela posição.
- Que delícia você, hein. Pode separá-la, vou ficar com ela.
- Alguma mais dessa fila, mestre? – perguntou o gigante.
- Aquela loirinha, a última. Como se chama, putinha?
- Daphne, mestre. – disse esboçando um sorriso.
- Gostei dela.
O gigante agarrou as duas selecionadas pelo pescoço e, prendendo uma corrente em seus pescoços, prendeu-as em uma jaula atrás do homem. Enquanto ele dispersava as outras garotas, mandando-as para suas casas, intervi.
- Espere! – gritei correndo por trás do caminhão e ficando em frente a um homem ruivo. Ele vestia couro dos pés aos braços. – Você não vai leva-la! – ordenei apontando para Yaya.
Ele inclinou a cabeça para a direita, esboçou um sorriso desdenhoso, e, sem dar muita importância à minha ameaça, perguntou. – E quem você pensa que é para me ordenar alguma coisa, moleque?
- Não importa! Você não vai leva-las! – me coloquei novamente em posição de ataque. O homem gargalhou, o que me deixou mais furioso ainda.
- Escuta aqui, moleque. – Começou ainda desdenhando e puxando uma arma de dentro do colete, mas sem aponta-la para mim. – Eu só não vou mata-lo aqui, por que gostei da tua coragem. – Agora, não abusa da sorte não e vai pra tua casa brincar. Hoje estou atrás de putinhas, como a sua amiga. Volte pra casa e talvez, se eu ainda estiver bem humorado no próximo Dia C, eu te recrute.
- Não! – tentei avançar contra ele, sendo impedido novamente pelo gigante, que, tal qual antes, me agarrou pelo pescoço.
Eu sentia que ele poderia me quebrar o pescoço com um gesto da mão, mas eu não poderia deixa-lo leva-la! Tentei lugar como consegui, chutando e golpeando o tronco forte e duro como uma árvore, enquanto ele me carregava em direção ao meu edifício. Abrindo a porta com a outra mão, simplesmente me jogou lá dentro contra uma parede, o que me fez perder a consciência.
- Pague as famílias e vamos embora. – ordenou o mestre.

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Cuidado, Moleque!
AcciónRonald e Yasmin são amigos a tanto tempo quanto lembram. Porém, suas vidas tomam rumos diferentes quando chega o fatítico Dia C, o Dia da Coleta de Rat's Bay.