A Descida

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Por que estou aqui? Espere, mas importante ainda, onde é aqui? Está escuro e não consigo respirar direito. Tento me levantar, com a pouca luz que vem de uma abertura no teto, vejo que estou em uma caverna ou um tipo de gruta. Também noto que está frio, caminho até a luz que vem de cima. Algo me estanca no lugar e me derruba. Agora percebo, há correntes em meus braços e pernas. Tento me livrar delas, mas não tem jeito, são muito duras e resistentes.

E então o tempo passa, vejo a noite cair, pela abertura, minha única companheira. Não consigo dormir, a preocupação é muito maior. Agora que parei para pensar, não me recordo nem mesmo de quem sou, não sei pra onde devo ir. Mas sei de uma coisa, ficar aqui é o mesmo que morrer, tenho que sair.

A manhã está chegando, pude perceber pela mudança no tom dos céus, era azul, depois ficou escuro e agora é rosa e laranja. Pude ouvir também os pássaros cantando, algo que me trouxe dúvida foi o fato de o som estar cada vez mais alto, mais próximo a mim, mais desesperado. Um grande tremor, um urro bestial e desconhecido, e uma grande pata que faz minha gruta desmoronar. Está tudo caindo, enquanto a criatura se vai atrás de aves.

Ao menos, as pedras caíram em cima das correntes, fazendo-as quebrar. Porém, ainda estão presas a mim. Mergulho num divino banho de sol, agora que já não há mais uma grande parte do teto. Sem tempo a perder, vagueio até a saída. Então, o que eu deveria sentir nesse momento? A visão é inacreditável, estou em um gramado, com pequenas pedras e flores, algumas árvores com aves a cantar. Ando olhando para cima, tropeço em uma pedra e caio na beirada de um precipício. Pois é, eu poderia ter caminhado até a morte.

Era tão alto, eu estava em cima de um monte, ao meu redor havia muitos outros, todos acima das nuvens. Isso explica o porquê de respirar ser mais difícil aqui. Mas claro, ainda tenho duvidas, sobre este lugar e o motivo de eu estar nele, também sobre quem sou, mas isso pode ficar pra depois. O que importa é que tenho que fugir daqui, talvez tenha algo me esperando lá embaixo. Decidi, irei desbravar a montanha, para a salvação.

Começo a descida, agarrando-me em rochas firmes e me jogando de alguns lugares, acho que estou com os pés e mãos bem ralados. Esqueci-me de dizer, não tenho nada além de uma roupa, sem luvas, sem calçados. Encontrei uma vinha bem grande, desci nela deslizando até o fim, encontrei o chão gramado novamente, mas este não dura muito, me deparo com uma espécie de piso, feito de pedra com gravuras nos blocos. Em um dos blocos, um olho, no outro uma caveira, no terceiro havia um par de asas penosas e no ultimo uma balança, com duas bacias para pesar. O que isso representa pouco me importa.

Sigo o caminho e chego a um precipício, a única coisa que há em minha frente é uma ponte, esta era bem extensa, mal dava para ver seu fim. Ando pela ponte olhando para baixo, só mais branco, providenciado pela altura em que estou, porém, logo embaixo há outra ponte, idêntica. Vejo homens com armadura, armas e escudos correndo por ela, eles diziam que alguém havia escapado e algo sobre não haver um cadáver em um desmoronamento. Tenho certeza de que estão falando de mim, a menos que isso seja uma prisão, cheia de gente como eu. O máximo que posso fazer é continuar em silêncio absoluto, afinal, não sou muito forte. Entrar em conflito com eles seria um fim de jogo.

Tudo pode vir a ruir nesse momento, há um homem de armadura no fim da ponte, ele está de costas pra mim. É como se eu estivesse fazendo tudo errado, começando do fim de uma aventura, burlando os desafios. Aproximo-me silenciosamente devagar. Oque farei agora? Mato ele? Empurro pra baixo? Preciso sair desse lugar e nada pode me impedir. Estou com medo, e se eu falhar? Vou empurrá-lo. Empurro. Antes de cair ele tenta me levar junto, sem sucesso. Vejo-o cair até sumir, espero alguns minutos, não ouço nada. Chego a mais um precipício, dessa vez estou à frente de uma grande construção, com apenas um buraco em formato de porta.

Meu coração para por alguns segundos, essa sala onde entrei é uma prisão. Vejo celas, com crianças, homens, mulheres, idosos. Todos maltratados e em estado lastimável. Eles me olham enquanto passam. Alguns com olhares incrédulos, outros me passam a impressão de que o que estou fazendo é em vão, perda de tempo, inútil. Eles devem ter passado por muita coisa, estão sujos e raquíticos. Vejo que todos possuem pequenos cabos embutidos no braço, não dava pra ver até onde iam os cabos. As pessoas começam a gritar, alguma coisa está sendo tirada delas pelos cabos, é uma coisa azul. Até onde sei, sangue é vermelho. Melhor eu ir embora.

Saindo de lá, estou em um corredor. Na parede posso ver um arsenal. Havia espadas, lanças, machados e outras coisas. Pego uma espada curta, é a única coisa que consigo levantar. Sigo adiante pelo corredor. Agora me deparo com um vale, com animais e plantas diversas, no meio há um castelo. Nas paredes do castelo estão aqueles cabos, transportando a substância azul. Eles vão entrando pelos buracos nos blocos que constituem o castelo, todos os blocos estão gravados com aquele desenho de antes, o desenho de um olho. Em um surto de raiva corto os cabos com minha espada. Isso foi um erro. A substância azul que escorre dos cabos vai se transformando num vapor e eu acabo inalando-o. Começo a me sentir mal, minha mente, meu corpo, tudo queima. Mas afinal, o que é essa coisa? Há sangue saindo pelo meu nariz, boca, ouvidos e olhos. Estou asfixiando, meu coração não bate. Caio inerte no chão. Está tudo escuro.

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