Superiores

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  Levanto-me. Estou em uma câmara mal iluminada, novamente preso, dessa vez com algemas. Ao meu lado tem uma garota. Seu cabelo é castanho curto, está usando uma blusa larga com mangas cumpridas, short pequeno e um par de botas, tudo num tom de roxo escuro. Ela olha pra mim, retribuo o olhar.

  — Não se preocupe, vamos sair daqui. — Ela diz, parecia muita calma para a situação em que nos encontramos. — Depois disso, teremos que ser rápidos. Fugir até onde ela não pode ver. —A garota parecia saber sobre o que estava acontecendo.

  — O que está havendo? Onde estamos? — Pergunto, o que faz ela me olhar perplexa.

  — Você é estrangeiro? Bom, depois eu conto tudo. Agora os guardas estão chegando.

  E assim aconteceu, eles abriram a porta da sala, estavam em dois, armados com espadas. Nos agarraram abruptamente e guiaram pelos corredores. Na passagem pude ver estatuas espalhadas. Era uma mulher, muito bela por sinal, trajando um vestido branco. Mas havia algo que não podia ser ignorado, ela tinha um terceiro olho, no meio de sua testa.

  Continuamos a andar, mas de repente os guardas foram ao chão, com flechas enfiadas nas aberturas de suas armaduras. Os disparos vieram da janela em nossa reta. A garota me avisou para segui-la e assim o fiz. Enquanto corríamos avistei minha pequena espada encostada numa parede, eu a peguei de volta.

  — Estamos chegando à saída dos fundos. — Disse ela, enquanto corria e eu seguia. Em instantes chegamos a uma grande porta de pedra. Estava trancada. — Não se preocupe.

  Olhei para trás, um amontoado de guardas estava vindo, o som de seus passos metálicos ficava cada vez mais alto. Estou com medo, não há saída. Não havia saída, mas só até que a porta a nossa frente fosse demolida, podíamos ver o ambiente, era uma floresta. Fugimos dos perseguidores pela floresta, e juntaram-se a nós dois homens, ambos ruivos, com roupas de pele de animais. A floresta terminava em um precipício. Estou ficando cansado disso! Os dois homens pularam, não acreditei.

  — Pule também! — Disse a garota, pulando em seguida. Isso é loucura. Mas eu não vou voltar para uma prisão. Pulo do precipício. Estamos caindo, está tudo branco, há sombras de alguns pilares de pedra bem grandes, e uma sombra diferente em meio a estas. Parecia uma criatura, era grande. Não consigo identificar. Continuamos a cair e cair até que somos parados por uma rede. Estamos em um litoral, a areia é branca, as águas são cristalinas, e há a presença de algumas cabanas nessa área. — Esse é nosso esconderijo, os guardas não podem chegar aqui. E ela não pode nos ver.

  — Ela? Seria a mulher representada pelas estatuas? — A vejo acenar positivamente com a cabeça. — Então, o que é tudo isso? Por que tem gente presa lá em cima?

  — Estamos em uma ilha chamada Merennor. Não há como sair de barco, eles sempre são destruídos por criaturas monstruosas, e se chegam mais longe são barrados por uma barreira invisível. A explicação sobre os prisioneiros é bem longa, tem a ver com as origens de Merennor. Quer ouvir? — Eu digo que sim. — Há muitos anos atrás, haviam duas tribos de humanos, Wytok e Draxar. Eles não se misturavam, até que um dia, um draxariano se enturmou com os Wytok, e então ele descobriu que essa tribo tinha poderes especiais, eles podiam fazer diversas coisas. Claro, ele contou para sua tribo sobre isso e você já deve imaginar que se gerou um conflito. Os Draxar sabiam que não tinham chance, então armaram um ataque surpresa à noite. Quase todos foram mortos, alguns fugiram, mas deixaram pra trás diversos artefatos e escritos Wytok, indecifráveis. Com o tempo, os Draxar foram construindo cidades e castelos e cresciam cada vez mais, sempre estudando os escritos deixados para trás. Um dia, conseguiram entender uma palavra. Sangue. Por isso eles drenam o sangue dos prisioneiros, que são geralmente Wytoks ou mestiços.

  — Antes de ir preso eu cortei um cabo que levava o sangue azul, ele evaporou e eu inalei. Eu sangrei demais, quase morri eu acho. Os Draxar passam por isso? —Perguntei.

  — Eles recebem diretamente nas veias, assim não há problema. Mas tem uma quantidade limitada que um Draxar pode receber, se passar disso ele morre. Mas há aqueles que não tem um limitador, esses se consideram deuses. Mas sabe, eles tem limites sim, são iludidos. Bom, eles governam a ilha. — Ela dizia isso com desprezo no rosto.

  — Aquela mulher do olho faz parte deste grupo?

  — Sim. Ela e mais três. Todos a chamam de Kisala, que significa "Visão da Penumbra", por meio do sangue roubado, consegue ver o que ocorre em quase toda a ilha. Eu planejava assassina-la, mas fui pega e o resto você já sabe. Somos mestiços e nunca teremos liberdade. — Ela concluiu seus argumentos e se sentou na areia da praia cabisbaixa. — Por falar nisso, ainda não nos apresentamos. Sou Hilda. Aqueles dois ruivos ali são os gêmeos Juto e Barth. — Os dois ruivos que estavam pescando acenaram pra mim. — E você, como se chama?

  Minha cabeça dói. Eu tento. Não importa, nada me vem à mente. Ainda não sei quem sou.

  — Eu não sei. Não lembro de nada. — Digo. Hilda me olha, mas não compreendo sua feição. — Tudo que sei é que não me conheço. — Tudo que posso fazer é abaixar a cabeça.

  — Já sei, vamos te chamar de White. Tudo bem por você? — Eu aceno com a cabeça, um sorriso brota em meu rosto, pela primeira vez desde que acordei. Os gêmeos gritam ao fundo, com muitos peixes nas mãos. — Está escurecendo. Venha, vamos comer! — E então Hilda começa a correr em direção às cabanas. Sigo-a.

  Já é noite, e enquanto isso, comemos peixe assado. Devo admitir, eu estava com fome. Em meus devaneios, me vem algo a mente. Eu estava na caverna por algum motivo. Eu não era um prisioneiro comum, afinal, estava em algum tipo de solitária. Não estou esquelético, não havia nenhum cabo. Será que eu tenho algo de especial?

  — White, o que pretende fazer agora? Vão te tratar como fugitivo lá em cima. — Juto me tira de meus pensamentos.

  — Eu sei muito bem o que farei. Vou subir. — Disse, e abocanhei meu peixe.

  — Surtou de vez? Estão te caçando. Ir lá pra cima é morte certa! — Disse Barth.

  — Eu tenho que ir. É o único jeito de descobrir a verdade. Além do mais, não tenho nada a perder. — Eles me olham surpresos. Me levanto e observo a lua. — Amanhã eu voltarei ao castelo. Quero interrogar Kisala.     

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