Pequeninos

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  Observo o amanhecer, a paleta de cores do céu é excepcionalmente bela, variando de vermelho a azul. Observo também o mar, sempre fazendo o mesmo movimento previsível, mas ao mesmo tempo tão imprevisível. É isto. Hora de partir, creio que não preciso de despedidas, afinal, eles sabem muito bem para onde irei.

  — Espere! — Escuto um grito, é Hilda, que vem ao meu encontro com um saco em mãos. — Eu tenho que te dar isso.

  — Isso é mesmo necessário? —Questiono-a, dentro do saco havia um par de botas de cano curto, um casaco de algum tipo de couro, um cinto e uma bainha de espada.

  — Se quiser ao menos ter uma chance de sobreviver, sim! — Então, pego todos os itens que ela me oferecia, são confortáveis.

  — Hilda, obrigado por tudo. —Vejo-a sorrir. É, tocante, mas a vida de fugitivo não me cai bem.

  Começo a caminhar pela praia, sem olhar para trás. Está na hora de embarcar em uma aventura que pode não ter um final feliz. Sou realista, já compreendi que tudo isso é muito maior que eu, ou será que não é? Só posso descobrir me arriscando. Ao chegar no fim da praia, que dava inicio á uma espécie de mata, olhei para trás. Lá estavam eles, me encarando, já não posso mais ler seus rostos a essa distância. Bom, isso não é problema deles mesmo. Adentro a floresta.

  Quanto mais adentro na floresta, mais coisas me são mostradas. Há trilhas de pedra pra todas as direções, grande variedade de plantas, sejam flores ou árvores frutíferas. Estou com fome, essas frutas parecem deliciosas, vou comê-las. Quando me aproximo, vejo uma espécie de macaco, ele tinha braços desproporcionais ao resto do corpo, além de serem grossos e robustos. Ele pegou uma das frutas, estas tinham um formato oval e eram vermelhas com pontinhos roxos. Vi ele abocanhar a fruta de uma só vez, e o que veio a seguir me assustou. O macaco começou a espumar pela boca, colocar as mãos na garganta e em seguida caiu no chão, morto. Merennor é perigosa demais, não sei nem o que posso comer.

  Passa correndo outro animal estranho, era um bode, mas sua pelagem era verde e não sei se foi impressão minha, mas alguns pelos pareciam folhas. Bom, foi muito rápido. Já que aqui há tantos animais, eu poderia caçar algum para me alimentar, mas tudo que olho me dá um pouco de pavor, esses macacos parecem fortes, e o os bodes, tem chifres. Ouço um som vindo de um arbusto próximo e me aproximo sorrateiramente, entre as folhas vejo uma espécie de toca, lá se encontrava uma família de coelhos. Eu não poderia mata-los, parece tão errado. Me afasto recuando sem tirá-los de vista. Tudo aconteceu em um piscar de olhos. Uma mandíbula enorme surgiu dentre as arvores e abocanhou tudo, os arbustos, os coelhos e por um triz, eu.

  Era uma criatura grande e tinha pele escamosa de cor dourada, olhos com íris em formato de fenda, dentes afiados, garras e asas. Era um dragão. Será a mesma silhueta sombria que vi anteriormente, ou até mesmo a causa de eu ter me libertado das correntes? A criatura está a me observar. Fico imóvel, não consigo me mexer, parece que meus músculos atrofiaram, só há suor escorrendo por minha testa. O dragão fecha seus olhos, uma cortina de fumaça sai de suas narinas. E com um rugido, alça voo, derrubando algumas árvores no processo.

  Agora estou aqui, no meio dessa floresta, ainda sem comida. Sem outra decisão disponível, me forço a andar para a o rumo que devo tomar, a grande montanha que há em minha frente, onde encontrarei com a mulher que pode ver todo seu domínio. Em determinado trecho da floresta, encontro um rio corrente e do outro lado um toco de árvore, em cima desse toco, um prato de comida. O que você acha? Nadei contra a corrente com tudo que podia, cheguei ao outro lado e olhei para a comida. Não tinha nenhuma armadilha, se não acho que já teria sido ativada. A comida está boa, tem carnes e algumas frutas, uns cereais também. Depois de comer tudo, me sinto muito bem, porém, com sono. Sono esse que, crescia cada vez mais, cai ali mesmo, nesse gramado, tão confortável, vejo a escuridão.

  Desperto numa cela, como de costume. É incrível, todos nessa ilha tem esse fetiche estranho de me tirar a liberdade. Minha prisão dessa vez é um lugar apertado, com grades de madeira. Grades de madeira? Isso só pode ser brincadeira. Chuto as grades, que se despedaçam sem resistência, agora fora daquele buraco numa pedra, vejo ao meu redor uma pequena vila, com pequenos habitantes. Humaninhos, miúdos. Trajavam roupas feitas de pele, provavelmente de animais pequenos, os machos aparentavam barba e mais pelos, as fêmeas eram mais bonitinhas. Todos me olhavam espantado, como se achassem que aquela prisão era inquebrável, bom, para eles realmente deve ser. Alguns corriam para as casinhas, outros me apontavam lanças, aquilo passava longe de ser ameaçador, como um dragão, por exemplo.

  — Parado! —Gritou um dos pequenos seres. — Seu humano nojento, agora você foi capturado! Como se sente?

  — Não estou entendendo. — Digo para a criaturinha. — O que eu fiz de errado?

  — Não se faça de idiota. Você vai nos dizer onde seus amigos esconderam nossos vizinhos. — Ele diz, estufando o peito. — Vamos te torturar se necessário. Queremos nossos amigos de volta!

  — Olha eu não tenho nada a ver com isso. Não tenho amigos não, viu? Agora vou embora. — Digo, me levanto e ando pela vila, tomando cuidado para não esmagar nada. Enquanto ia embora de vez, ouvi os pequenos falarem.

  — E agora líder? —Perguntou uma criancinha para aquele mesmo pequeno.

  — Não se preocupe, vamos achar nossos amigos, e seus pais. — Depois disso, não pude ignorá-los. Não sei o que há de errado comigo, algo me força a querer ajudar.

  — Me conte então "líder", que história é essa afinal? — Pergunto.

  — Humanos vem nos caçando ultimamente, pra que nos usam não sabemos. Estamos cansados de perder amigos, familiares, nossos queridos. Mas pelo visto, isso não é da sua conta. — Ele diz, cabisbaixo. Isso me destrói.

  — Certo, digamos que eu ajude a procurar. Se encontrarmos seus amigos, teremos de lidar com os caçadores. Eu, e muito menos você, tem condições de se defender.

  — Não me importo, como líder, devo fazer o melhor para minha tribo. — Ele diz e começa a andar rumo a saída da vila. Esse cara não bate bem da cabeça.

  — Vou com você! — Pego ele e coloco em meu ombro. — Vamos procurar. Aliás, qual seu nome?

  — Gutrakiwalawaki, prazer. — Não pude conter minha expressão confusa. — Mas meus amigos me chamam de Guts. E você seria?

  — White, foi o nome que me deram. — E assim, adentramos nas partes mais escuras da floresta.    

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