(1) new start

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Quando ele disse que ia trabalhar naquele dia, eu não acreditei e ainda ponderei ir atrás dele. Segredos. À minha volta as pessoas vivem rodeadas de segredos. Dos mais suaves aos mais remotos. Eram segredos.

Segredos. A palavra que comecei a odiar aos 11 anos, quando o meu pai foi embora de casa às duas da manhã para ir "trabalhar". Desde aí nunca mais voltou. A minha mãe morreu há dois anos com cancro.

Fiquei apenas eu e o meu irmão, Matthew, sozinhos no mundo a fugir às mulheres e homens que nos queriam meter num lar, para crescermos saudáveis e esperar que uma alma caridosa nos adotasse.

Hoje, com 18 anos e o meu irmão com 20, somos almas completamente livres e diferentes. Fomos viver com uma tia nossa, que sempre cuidou de mim. Essa minha tia que merecia o céu.

Mudamo-nos, depois da minha tia arranjar trabalho em Inglaterra. De Seattle para Inglaterra. A vida dá muitas voltas. Se recuássemos 12 anos para trás, eu estaria a brincar com as minhas barbies e a imaginar um futuro sorridente. Um futuro com um príncipe encantado que me viesse buscar no seu cavalo branco e que casaríamos no pôr-do-sol.

Estúpidas são as pessoas que pensavam como eu. A vida não é perfeita, nem nunca irá ser. Hoje em dia, as pessoas casam, só para se separarem 2 ou 3 anos depois.

Sempre admirei os meus pais, por serem um casal tão perfeito. Não me lembro de eles discutirem à nossa frente uma única vez. Mas quando fiz 8 anos, o meu pai começou a agir de forma estranha.

Saídas à noite. À noite, digo: 2, 3 ou 4 da manhã. O meu pai era contabilista e sempre que saída a altas horas da manhã a sua desculpa era sempre a mesma: trabalho.

Mas obviamente aquilo não era trabalho. Depois comecei a estranhar alguns comportamentos da minha mãe. Quedas de cabelo, noites mal dormidas, dias inteiros em casa deitada na cama com febre. E tudo isto se resumiu a um dia: 9 de outubro de 2006.

Um dia chuvoso. Com trovoadas. As pessoas andavam pelo cemitério vestidas de preto. No ano em que deixei de ver o meu pai, perdi a minha mãe em espaço de meses. E isso doeu tanto, como se me tivessem espetado uma faca no coração bem funda.

Caixas e mais caixas e caixas. Tudo o que me rodeia neste momento são caixas. A faculdade começa depois de amanhã. Faculdade, cá vamos nós!

Ainda estou a desempacotar caixas e a espalhar fotos e a arrumar roupa e a habituar-me que o meu quarto não é mais no primeiro andar, mas sim, no segundo. Que a minha casa não tem só 2 andares, mas sim, 3.

A minha tia vive no meio do luxo. O seu marido é rico, pois é dono de uma firma de decoração de interiores e a minha tia é bancária. Mas porquê uma casa tão grande? Somos só 4 e os meus tios ainda não têm filhos.

Hoje o Matthew vai-me levar a conhecer a minha nova escola. Os meus tios compraram um carro ao Matt, quando se mudaram para ele me poder ir pôr à escola, porque os meus tios não confiam em transportes públicos.

Se já ultrapassei a morte da minha mãe? Sim.

Se já ultrapassei o desaparecimento do meu pai? Não.

É tudo tão difícil de perceber.

- Faith, vou estar no carro à tua espera. – Matt avisa-me e abandona o quarto.

Pego no meu casaco e sigo-o, entrando para o seu carro. A viagem foi em silêncio. A escola ainda ficava longe da casa, por isso, eu aproveitei para apenas apreciar as ruas de Londres que passavam por nós, ora mais rápidas, ora mais lentas. Quando o carro parou, a minha atenção foi desviada para o grande e moderno edifício que se veste de vermelho morto e branco sujo.

Truth // h.s.Onde histórias criam vida. Descubra agora