Capítulo 3

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- Murilo? – era a voz da Fernanda logo atrás de mim.

Olhei para trás, antes de entrar na escola.

- Eu quero pedir desculpa pelo o que eu lhe disse na sexta. Sei que fui muito intrometida...

- Tudo bem, relaxa! – senti-me confuso ao responder-lhe. Um frio subiu da minha lombar até a cervical instantaneamente quando a vi se aproximar de mim. Sem que ela notasse, eu olhava para os quatro cantos, enquanto caminhava.

- Você não quer ser visto comigo, né? – ela parou ao dizer aquilo. – Eu já entendi qual é a sua... Você não quer ser visto com uma lésbica?!

- Claro que não é isso – voltei os olhos para ela. – Eu sou uma pessoa livre de qualquer tipo de preconceito, Fernanda. Mas como você deve saber, eu tenho uma namorada super paranoica vigiando os meus passos nesta escola. Ela é os olhos da minha mãe aqui dentro.

Fernanda suspirou fundo antes de continuar.

- Me desculpa mais uma vez – disse ao passar por mim. Danilo e Carlos passaram por nós, boquiabertos.

- Fernanda, espere – pedi. Ela virou a cabeça, apertando as alças da mochila com força.

- Eu que peço desculpa.

- Eu tenho poucos amigos, Murilo. E aqueles que diziam ser meus amigos se afastaram de mim quando eu lhes disse que sou lésbica.

Vi que seus olhos lacrimejavam espontaneamente.

- Eu seria um tolo se não a aceitasse como minha amiga.

- Obrigada! – agradeceu, caminhando. Fechou a cara e desapareceu da minha frente.

Olhei para trás e meu sorriso murchou pouco a pouco sem meu consentimento. Paula surgiu, atravessando o portão da escola com uma cara azeda. Mas pela primeira vez eu não me importava com algo que fiz e que ela não tenha gostado. Sei que a sua cara se deve ao fato de ter me visto conversar com a Fernanda.

- Temos ensaio hoje às três – ela passou por mim com extrema frieza.

Concordei com um movimento involuntário de cabeça. Então a segui em direção a sala de aula.

- Oi, gente, tudo bem? – era Cíntia, a representante da turma que nos parou antes que entrássemos porta adentro.

- Oi – respondi. Paula virou os olhos para não cumprimentá-la, já que no seu entender, a Cíntia era o oposto de uma garota correta, ou seja, ela a achava uma periguete oferecida que não durava mais do que duas semanas com um namorado.

- Estou passando a lista de confirmação para o passeio à Ilha Fiscal no dia doze de maio. Quem for, por favor, dê uma assinadinha aqui – ela mostrou uma folha ofício e retirou uma caneta do seu decote.

Paula foi a primeira a assinar, logo em seguida eu assinei.

- Obrigadinha! – e Cíntia seguiu para os fundos da sala para falar com o Danilo e Carlos em algazarra, já que estavam aproveitando a ausência do professor.

Caminhei em direção a minha carteira quando olhei para a Fernanda de cabeça baixa. Sentei-me quando vi de rabo de olho a Paula bufar, desaprovando, como de costume, alguma coisa que fiz, ou melhor, que nem fiz ainda.

- Bom dia, turma! – o professor Armando, de História, era gente finíssima. Era ele quem assumiria a responsabilidade de levar a turma para um passeio pela Ilha Fiscal. Ele era muito agitado ao falar, fazendo com que metade da sala sequer entendesse direito o que ele falava.

Paula me olhou de soslaio. Tentei ser o mais natural possível para que ninguém notasse, principalmente a minha mãe.

- Hoje vamos repassar a música tema que será apresentado no dia dezesseis de junho. – o som da voz da minha mãe ecoou por todo o interior da igreja.

O coral era composto por cinco meninas e quatro meninos e todos eram filhos de um membro da igreja.

- Mestre eu preciso de um milagre... – começou a cantar Paula. Algumas senhoras sentadas nos bancos atrás de mamãe nos olhavam com extremo afinco.

Só senti uma cutucada forte no estômago quando caí na real e vi que mamãe estava me encarando. Estava, por alguns minutos, com o pensamento longe.

- Desculpa, esqueci a letra! – menti. Eu podia até esconder de todos o que me afligia, mas não conseguia esconder nada da minha mãe. Muito menos da Paula.

- Presta atenção, Murilo! – mamãe deixava bem claro a todos que não fazia diferença entre mim e os demais só por eu ser seu filho. Eu recebia o mesmo tratamento que todos recebiam.

Voltamos a entoar a canção. A música era boa, mas eu não estava a fim de mexer a boca só para agradar. Eu quis cantar, rosnar, ou fazer qualquer tipo de barulho ou sinal de fogo, contudo, não consegui expressar uma reação sequer. Meus pensamentos estavam tão longe da minha mente, embora meu estado de espírito estivesse um tanto melancólico. Meu corpo diz para ficar na igreja, já minha alma diz para fugir o mais depressa de tudo isso.

- Acho que por hoje está ótimo – mamãe fez sinal para que parássemos de cantar quando Mirian levantou a mão para dizer alguma coisa. "Puxa saco!", pensei comigo mesmo. Paula se acercou de mim quando eu peguei a minha mochila.

- Você está com os pensamentos longe desde cedo!

- Impressão sua – respondi, tentando aparentar uma felicidade inexistente. Impossível!

- O que você conversava com aquela... Garota? – Paula titubeou por uma fração de segundo antes de dizer a palavra garota. Talvez, em seu subconsciente, achasse melhor chamá-la de garoto.

Ela tinha o prazer de elevar o grau da sua voz umas duas oitavas quando a minha mãe estava por perto, fazendo-me sentir subalterno a ela. Minha mãe olhou por sobre os ombros de Ruth e Ana para bisbilhotar sobre o que falávamos, mas algumas mães de pé despediram-se dela antes de chamarem seus filhos.

- Do que falavam? – perguntou mamãe. Quase a um inquérito.

- De uma me... De uma maneira em que eu possa ficar na parte de trás do coral.

- Claro que não! – irritou-se mamãe. – Sei que hoje você foi um fiasco, mas deixar você atrás não faz parte dos meus planos. Espero que a distração de hoje não seja nada demais. Não quero problemas no dia da apresentação.

- Sim, mãe – obedeci, de cabeça baixa, mas olhando para o lado.

Ela segurou no meu queixo e virou o meu rosto.

- Agora seja forte e engula o choro que está pretendendo soltar na minha frente e na frente da sua namorada – e largou meu queixo.

Abri um sorriso sem mostrar os dentes, tentando ser o mais amistoso possível com ela.

- Preciso ir para casa estudar – avisei. Paula me olhou com extrema curiosidade.

(IN)ALCANÇÁVELWhere stories live. Discover now