Capítulo 7

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Ensaiei muito com os demais coristas pela ultima vez muito antes da apresentação começar. Nossos sons eram abafados devido ao vazio da igreja. Mas faltava poucos minutos para que as pessoas começassem a chegar. Meu nervosismo era aparente, já que eu estava com receio de errar mais uma vez a letrada da música, mas agora na frente de todos. Não pude deixar de olhar para Paula ao meu lado, bem na primeira fileira. Cada olhada que ela me dava era como uma horda de despeito, misturado a rancor. Não estávamos nos falando, com isso, ela começou a procurar respostas para o meu distanciamento repentino. Sem deixar aparentar alguma coisa, eu continuava a minha vida tranquilamente, embora o rosto da minha mãe parecesse hipnótico demais para o meu gosto, já que era visível, olhando para a Paula, que havia algo de anormal no ar, ou melhor, entre nós dois.

Tomei fôlego e fui beber um gole de água na cozinha da igreja. Quando me abaixei para secar um pouco de água que deixei cair no chão, vi os sapatos reluzentes da Paula sob os meus olhos.

- Sua mãe veio me perguntar se eu vou com você pra Petrópolis! – deslizou o corpo pela mesa e parou na minha frente, assim que me levantei. Larguei o copo na pia, tentando escapar do seu olhar.

- E o que você falou?

- Que comigo não era, oras! – respirou fundo. Seu busto estufou ainda mais, mas de raiva.

- Antes que você pergunte alguma coisa, eu vou sozinho...

Ela deu uma risadinha, cética.

- Se eu descobrir que você vai com aquela lésbica, filha do demônio...

- Você vai fazer o quê? – virei-me, encarando-a com raiva. Como é possível sentir tanta raiva de uma pessoa que nunca te fez mal algum? É por existirem gente preconceituosa como você e minha mãe que sofremos por sermos evangélicos. Essas atitudes me fazem ver o quão mesquinhas, conservadoras e hipócritas vocês são.

- Eu não vou te poupar novamente e contarei a sua mãe que você está de amizade com aquele tipo de gente. Tenho certeza que ela não gostará nem um pouco em saber com quem você está se misturando.

Balancei a cabeça negativamente. Minha vontade era de dar um soco por dentro da sua cara, mas me contive, sem querer absorver tais podridões que saíam da sua boca. Me afastei devagarzinho, antes que ela começasse a falar mais alto.

- Você é má, Paula. E só guarda rancor no seu coração. – respondi. Ela me segurou pelo braço, apertando-o.

- Diga porque mudou tanto depois que aquela garota entrou em nossas vidas? Porque interessado por você ela não está!

- Está tão difícil de perceber, Paula?

Ela arregalou os olhos, ainda mais cética. Largou meu braço e fez cara de nojo.

- É por isso que eu não queria contar nada a você. Eu já presumia qual seria a sua reação há séculos – comecei, cochichando bem baixinho e com muito medo de ser ouvido por alguém que estivesse entrando.

- Você não pode ser igual a ela, Murilo! – vociferou, balançando a cabeça. – Isso é errado!

- Eu não posso me enganar ficando com alguém que eu não sinto nada. Eu gosto de garotos, Paula. E é por isso que eu não devo lhe enganar ficando com você.

- Vocês me dão nojo, sabia?

- Eu peço perdão a você. Sabe, eu senti um amor por você que foi capaz de me fazer esquecer, por um longo período, o desejo que sinto por garotos. Esse desejo está se tornando insuportável dentro de mim há tempos, mas ele foi libertado graças a ajuda da Fernanda.

- Esse demônio te pôs na perdição, Murilo – ela andou depressa até mim. Me contive, dando um passo para trás. Ela notou mais uma vez a minha recusa como um sinal de que eu não a quero mais.

- Não a chame assim – defendi a Fernanda sem me importar com o que a Paula fosse pensar. – Ela não merece ser tratada dessa maneira. Ainda mais que ela não está aqui para se defender.

Contornei a mesa e fui até a porta.

- Acho melhor irmos pro salão, as pessoas já começam a chegar.

Paula ficou cabisbaixa. Seu rosto perdeu o brilho e foi tomado por uma palidez instantânea. A partir de agora, nós não tínhamos mais nada.

- Você se tornou gay porque eu falhei em alguma coisa, não? – estava difícil para ela entender que não foi uma opção, nem escolha?

Arrumei o cabelo e retirei alguns pelos na minha camisa social que, por sinal, a mesma estava me sufocando e me deixando desconfortável.

- Eu nasci assim – recomecei, olhando para trás para ver se vinha alguém. – Eu só ainda não posso ser eu mesmo devido a minha situação. Mas hoje eu já consigo me aceitar melhor.

- E-Eu... – gaguejou Paula, seus olhos se cobriram de lágrimas.

- E eu sei que você também não consegue ser você mesma graças aos seus pais.

- Minha situação é diferente da sua, Murilo. O que você está pretendendo ser ou fazer com a sua vida é totalmente errado. O Criador criou o homem e a mulher, e ele abomina qualquer tipo de comportamento antinatural. Entenda: homem e mulher. Nada além disso.

- O Criador é amor, Paula. Por um acaso, eu estou pregando o ódio para merecer algum tipo de punição divina? Eu quero ser feliz, mas não do modo que você quer viver – bradei, limpando os olhos. – Um dia você vai ver que está redondamente errada.

Abri os lábios numa linha reta e saí da cozinha, pronto para encarar a multidão no salão e, principalmente, para encarar a minha mãe, ouvindo-a dizer que fui burro em largar a Paula. Mas, dessa vez, eu não cederei as suas chantagens emocionais e infantis, nem me forçarei a ficar com alguém, só para agradar os outros. Eu quero poder usar o livre-arbítrio que me foi dado desde o nascimento e tornar-me uma pessoa realmente livre.

- Você é tão fanática quanto a minha mãe. É insuportável respirar o mesmo ar que vocês duas. 

(IN)ALCANÇÁVELWhere stories live. Discover now