Capítulo 10

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Tentei esconder o máximo possível da minha mãe até as férias, em agosto, a respeito da Fernanda. Ela queria conhecê-la pessoalmente, mas para o meu alívio, havia sempre um imprevisto, fazendo com que a minha mãe adiasse sua visitinha. Haveria, enfim, alguém me ajudando?

Quando o dia finalmente chegou, meu coração começou a apertar, mas ao mesmo tempo que uma sensação de alívio se apoderava de mim, eu, me tornava um pouco inquieto. Preparei uma mochila razoavelmente grande, com algumas peças de roupas suficientes para usar no fim de semana. Fernanda me avisou que não precisaria me preocupar em levar algo para dormir, já que em sua casa tinha tudo. Olhei para o meu relógio e vi que já passava das oito da manhã. Me contive num sorriso quando meu celular tocou dentro do carro, enquanto meu pai dirigia ao meu lado. Olhei-o de rabo de olho para ver se ele estava querendo saber de algo, embora não tivesse visto seus olhos, eu sabia que o seu grau de curiosidade se avolumou instantaneamente quando larguei meu celular pro lado e li as mensagens que a Fernanda e eu trocávamos pelo Whatsapp.

Meu pai me deixou na entrada principal da rodoviária. Despedi-me dele com um abraço sem jeito, uma vez que ele havia criado a mim e a meu irmão com tamanha afetuosidade que inegavelmente não havíamos herdarmos dele. No entanto, descobri, a partir do momento que ele largou meus braços e me deu umas palmadinhas nas costas que seu olhar se cobriu de tristeza. Não havia coisa pior do que ver aquilo. Meu pai emotivo pela minha partida. Senti-me feliz, não por aquilo, mas pelo fato de ver que sua dor de despedida estava sendo maior do que a partida do meu irmão para outro estado. Havia algo nele que sobressaía além da minha simples partida.

- Eu vou ficar bem – acalmei-o. Seu rosto desanuviou-se por alguns instantes antes que eu descesse do carro.

De repente, alguns taxistas mal-humorados voltaram-se para nós, buzinando sem parar para que o meu pai se apressasse e saísse do meio do caminho. Peguei minha mochila do banco de trás e desci as pressas. Dei um último adeus e fui em direção ao saguão da rodoviária. Lá estava a Fernanda, impaciente, porém sentada comendo um McFlury de Kitkat. Ela não tinha me visto porque estava distraída e nem me ouviu chamá-la porque estava com seus costumeiros abafadores de ouvidos.

Sentei-me ao seu lado sem que ela notasse. Afastei o abafador esquerdo para o lado quando ela já estava prestes a me xingar, e, só então, notou que era eu.

- Achei que não vinha mais?!

- Meu pai me trouxe...

- Ainda bem que a sua mãe não quis vir com ele. Talvez ela tenha se convencido que eu sou uma boa menina – debochou.

Olhei-a com ceticismo. Afinal, era a primeira vez que eu dormia fora de casa.

- Ela só te achou uma boa menina porque viu fotos suas antigas, de quando você ainda não era... digamos... tão masculinizada. – sorri, por puro deboche. – Além do mais, meus pais estão achando que a Paula vai também!

- Isso é puro despeito porque sou mais homem que você – ela me olhou, prazerosa pela sua vingança instantânea. Mas também fez cara de nojo quando falei da Paula.

Revirei os olhos e estalei os dedos.

- Espero que aquela sua ex-namorada beata e paranóica não conte para os seus pais que eu sou lésbica muito menos que você foi comigo para Petrópolis.

- Não chama a Paula dessa maneira – corrigi-a. – Bom, ela não vai dizer nada.

- Você tá louco – sorriu. – Só acredito vendo. Acho que você ainda acredita muito na bondade do ser humano. Mas enfim, vamos?

Ela simulou uma tremedeira involuntária quando disse tais palavras. Queria poder provar ainda mais da sensação de vê-la deliberando à respeito da "bondade do ser humano". Voltei-me, por breves segundos, a encarar o painel.

(IN)ALCANÇÁVELWhere stories live. Discover now