Capítulo 5

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Voltamos a andar pelas ruas do Centro do Rio sempre olhando para todos os lados, a fim de não sermos pegos desprevenidos por alguém que pudesse estar atrás de nós. Quando dei por mim, havíamos caminhado até o começo doa Rio Branco, ao qual nos deparamos com o Museu do Amanhã a beira da Baía de Guanabara. O tempo começou a ficar quente e a brisa marítima espalhava os nossos cabelos com força, logo que começamos a admirar a estrutura de aço. Resolvemos parar no meio do caminho para comermos alguma coisa até sentarmo-nos nas bordas do píer rente as águas da baía. Algumas pessoas no entorno faziam suas caminhadas matutinas quando, de repente, me endireitei nem sair do lugar onde havia sentado. Fernanda arrumou o uniforme por baixo da jaqueta.

- Eu queria ser livre como aqueles pássaros, sabe? – meus olhos seguiram uma grande quantidade de aves em direção a ponte. Fiquei paralisado e fissurado com aquela liberdade que tento experimentar desde sempre. – Experimentar, talvez, a sensação de ser livre.

- Eu também – concordou a Fernanda.

As águas escuras batiam no paredão de concreto sem pedir licença. Tão poderosa quanto qualquer outra força naquele raio. Tão poderosa quanto os grandes navios que atracavam no porto.

- Me diz como era a sua vida antes de entrar na escola... – incitei-a a se abrir mais uma vez. Notei que ela não gostava muito de falar da sua vida.

Eu morava em Petrópolis até que o meu padrasto resolveu sair da cidade porque perdeu o emprego. Você já deve imaginar o porquê, né?

Balancei a cabeça positivamente. Pelo o que ela me disse, o seu padrasto é um beberrão de marca maior.

- E os seus amigos?

- Deixei lá os poucos que eu tenho... Quem sabe você não possa ir algum dia comigo até lá para conhecê-los?

- Seria magnífico... Mas os seus amigos... eles são...

- Tenho de assumidos à enrustidos – me respondeu de imediato. Calei-me por alguns segundos. – Você sabe que não sou de fazer muitas amizades. Nenhum garoto ou garota, heteros, quer se misturar com alguém da minha orientação sexual.

- Isso ainda acontece...

- Sim, ainda há preconceito. Por mais que hoje em dia vejamos uma aceitação maior na sociedade – sua voz tornou-se fria por alguns instantes. –, muitos ainda nutrem um preconceito embutido contra gays. Ainda mais que vivemos num país machista como o nosso.

- Você não precisa temer essas coisas para viver bem e ser feliz – tentei dar-lhe uma força, ou melhor, um incentivo.

- Nem você, Murilo. Se nós não ousarmos, nós sempre seremos vítimas de atrocidades cometidas por grandes grupos intolerantes e nada mudará. Continuaremos a ser sempre "minoria" por medo de não levantarmos nossa voz para enfrentarmos nossos opressores.

Senti que tais palavras foram direcionando para mim. Me contive por alguns segundos sem dizer uma só palavra para não a contradizer. Fernanda tinha razão em muita coisa. As suas palavras eram tão reconfortantes que acabavam me fazendo bem por um bom tempo, embora o medo que tenho em desapontar os meus pais seja maior que ter que enfrentar a sociedade. Pode parecer até brincadeira achar que gays são cem por cento esbanjadores de felicidade, mas tudo é tão enganoso, que parece desumano, já que eles sofrem muito dia após dia para viver numa sociedade mais tolerante. Mas por que eu preciso me referir a "eles" na terceira pessoa, e não me referir a "nós"? Sei lá, talvez seja porque ainda eu não me vejo fazendo parte de tal seleto grupo. Com tudo, eu vejo e sinto que toda vez que a Fernanda me diz para não ter medo, eu me vejo mais distante dos meus ideais futuros. Como a minha família reagiria? Óbvio que seria com recusa por ter feito escolhas diferentes. E eu sei que não foi uma opção ser gay como todos pensam, nem mesmo uma escolha, mas sim, um modo de ser e viver: uma condição. Por que eu nasci assim e sei que minha mãe, pai ou quiçá, a igreja poderão me mudar a não ser que eu queira aceitar algum tipo de mudança. Posso estar sendo preconceituoso, em certo ponto, de achar que o Criador pode me mudar. Ou talvez esteja sendo cético o bastante para não acreditar que Ele tem poder para mudar meus pensamentos antinaturais. Sim, eu sou preconceituoso comigo mesmo porque ainda não me aceitei, pois não sei lidar com todos estes sentimentos conflitantes que não me deixam em paz dia e noite.

- Eu não sei como eu posso te agradecer...

- Você pode me agradecer sendo feliz. Sem medo de ser quem você é – cortou Fernanda, balançando os pés no ar. Ajeitou seus abafadores pendurados no pescoço e sorriu para mim com um sorriso tão farto que acabei me surpreendendo. Ela esticou bem o braço esquerdo e segurou a minha mão com firmeza. Contive um soluço antes de dar um sorriso sem abrir a boca.

- Você é uma boa amiga – agradeci por ela ter entrado na minha vida. – Por que você não apareceu antes?

- Eu faço ideia do quanto você já sofreu!

- Podemos ir nas férias de agosto para Petrópolis, o que acha?

Elevei as sobrancelhas, surpreso. Claro, pelos seguintes motivos: primeiro: estaríamos de férias em agosto por causa das olimpíadas, segundo: eu não fazia ideia do que dizer aos meus pais sobre uma possível viagem até Petrópolis. E terceiro: se a Paula soubesse com quem eu iria, eu estaria perdido. Mas eu poderia inventar alguma coisa para que todos pudessem acreditar. Uma mentirinha não faria mal.

(IN)ALCANÇÁVELWhere stories live. Discover now