IV

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SEGUI PELO CORREDOR ATÉ O REFEITÓRIO. A enfermeira seguiu atrás de mim. De longe, vi os outros pacientes fazerem fila para pegar seu alimento. A comida não era nada sólida. Provavelmente fazia frio lá fora e eu soube disso porque a comida do dia foi sopa. Peguei uma tigelinha branca para me servir. Serviam sopa verde, que parecia espinafre. Peguei-a e fui para meu famoso canto solitário.

Um dos guardas do qual eu havia espancado me olhava com desdém. Observava cada gesto que eu fazia, desde levar a colher à boca até meu piscar de olhos. Segurei a risada quando vi seus curativos pelo rosto. Meus colegas do sanatório eram todos calmos. Eu era considerado o mais agressivo de lá. Isso me fez pensar: por que será que nunca me sentia de bem com a vida?

Enquanto eu engolia a sopa verde com gosto de capim, peguei-me pensando sobre tudo o que havia feito naquele dia. Não deveria ter agredido a ninguém, já que queria minha liberdade ao menos no Natal. Minha agressividade era algo que chegava e passava com facilidade. Eu tinha que aprender a controlar isso dentro de mim. Srta. Godoy tinha feito meu coração se acelerar, porém, por mais raiva que tivesse me proporcionado, consegui me controlar para não a agredir.

Por falar nela... Anna entrara no refeitório. Sua pistola pendurada na calça se mexia cada vez que ela andava. Todos a olharam e minha reação não foi diferente, já que ela irradiava uma espécie de luz por onde passava. Seria impossível ignorar isso. Seus passos seguiram diretamente para Jane, que estava encostada no canto da parede. Surpreendi-me ao vê-las se abraçando. Anna parecia aconchegada naquele abraço carinhoso. Percebi que havia parado de comer enquanto a admirava. Eu não sabia o que se passava dentro do meu coração. A única coisa que sabia é que era difícil de evitar a palpitação, o sangue quente correndo rapidamente pelas veias. Era preciso ignorar tudo isso. Talvez tudo fosse efeito do remédio. Vai ver ainda havia algum rastro dele perdido no meu sangue. Elas continuavam conversando e senti uma vontade absurda de ouvir uma parte que fosse, mas isso era uma tarefa impossível, portanto, voltei a comer minha sopa verde.

Ouvi as pessoas rindo alegremente. Pareciam felizes como se esse fosse o local onde gostariam de estar. Aqui era o meu Inferno e odiava-o com todas as minhas forças. Era fácil entrar. Bastavam eles cismarem com você, convencerem a todos de que era um doente e pronto: até mesmo você começava a acreditar. Em questão de minutos, já era visto com outros olhos, sua personalidade mudava e, por fim, você já não era mais o mesmo. Foi o que aconteceu com os outros, mas não foi bem assim que aconteceu comigo. Não fui sempre um assassino, se bem que essa palavra já era comum para mim. Tive uma vida antes de tudo isso: um bom emprego, uma mulher maravilhosa, uma filha linda. Era uma vida perfeita mas, então, em um piscar de olhos, vi tudo desmoronar. Minha ira se multiplicou e uma maldita lâmina foi o que me trouxe aqui. Como sair? Para essa pergunta, eu ainda não tinha resposta, se é que existia uma.

O alarme soou, indicando que nosso pouco tempo já tinha acabado. Olhei para minha tigela praticamente cheia, mas também, quem conseguiria comer algo tão ruim? Ou isso ou morrer de fome, disse uma parte do meu cérebro. Em questão de segundos, esvaziei toda a tigela. Meu estômago não pareceu satisfeito, mas repeti para ele a mesma frase que meu cérebro disse: Ou isso ou morrer de fome. Pareceu entender perfeitamente o recado. Levantei-me, deixei a tigela em cima da mesa e caminhei com a fila que se seguia para a sala de "jogos". Ali, eles tentavam nos fazer exercitar a mente, desenhando, jogando xadrez, jogo da memória, etc. Havia também uma sala de terapia para nos ajudar a lembrar sempre quem éramos. Eu nunca participava e, bom, isso me causava problemas às vezes. Mas não me importava. Não era obrigado a contar sobre minha vida para esse bando de gente que não sabia o próprio nome. Minha paixão era escrever cartas, mesmo que minha mãe não respondesse mais a nenhuma delas. Era o que me fazia ter forças para aguentar todo o sofrimento, toda a dor física e emocional que eu sentia nessa droga de lugar.

E se ela soubesse?Onde histórias criam vida. Descubra agora