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Quando acabei, a enfermeira retirou o tabuleiro das minhas pernas, e entregou-me um copo de água e um comprimido. Engoli sem reclamar, a dor estava a matar-me.

- Emmily... posso perguntar-te algo? - ela disse, sentada na beirada da cama. Assenti em resposta - porque é que te sujeitaste a isto tudo?

- Eu tinha que o apanhar.. tinha que vingar todas aquelas raparigas, livrá-las daquele monstro - respondi, sem comentar o caso de Vi. Não sei até que ponto ela sabe da história.

- Essa parte eu sei.. toda a cidade já ouviu falar das tuas aventuras de detetive - ela riu, não um riso de troça, um riso de ternura e compreensão.

- Ahn? Como assim? - perguntei. Não é possível que...

- Os teus pais deram uma entrevista e contaram toda a história. Isto é, depois de a tua mãe saber a história, porque pelos vistos ela nem sabia que a Violet tinha ido embora - a referência àquele nome fez toda a minha pele arrepiar - Olha.. acho que cheguei ao cerne da questão - ela riu levemente.

- Como?

- Tu nunca olhaste para Violet como tua melhor amiga, olhaste? - os meus olhos arregalaram-se, as minhas bochechas coraram, e abri a boca para tentar responder e despistá-la - não tentes despistar-me. Sei exatamente o que estás a sentir.. conheço esse olhar, esse sorriso que tu provavelmente não reparaste que tens... São iguais aos que eu dou e recebo da Clare.. - abri a boca em espanto. Ela é.. - Gay? Sim. Casada há seis anos, e temos três filhos. Como vês, não é assim tão problemático...

- É diferente.. ela não retribui. E ainda por cima neste momento ela está incontactável, do outro lado do oceano.

- Nem mesmo a distância entre o Sol e Neptuno desfaz a ligação de dois corações unidos.. - perante as palavras dela, todas as minhas muralhas ruíram. Os meus olhos encheram-se de lágrimas, lágrimas de cansaço, de alívio, de conforto. De esperança.

A minha estadia naquele hospital durou apenas até à manha seguinte, e Madelin, a enfermeira, fez questão de passar a maior partem do tempo comigo. Eu contei-lhe sobre a Vi, sobre os meus pais e as minhas "aventuras de investigadora". Ela falou-me da esposa, Clare, e dos três filhos, ressaltando como os processos de adoção eram complicados: Laura, David e Aiden são irmãos biológicos, pelo que se incluiam nos casos de adoção conjunta, e foi muito difícil alguém querer adotar os três; quando Clare e Madelin se propuseram, o tribunal criou um monte de contratempos por elas serem um casal homoafetivo, e elas só conseguiram as crianças depois de quase três anos, sendo que Aiden, o mais novo, nem dois anos tinha na altura. Quem é que tem coragem de afirmar que um bebé é criado melhor numa instituição do que num lar de verdade? É ridículo. Mas bem, agora, dois anos depois da adoção, eles estão todos bem, e são uma família linda e unida. Madelin prometeu levar-me a conhecê-los quando tivesse alta.

Falámos também da história de Kyle, porque aparentemente eu estava estampada na capa do jornal local, e ainda tive direito a uma reportagem televisiva. "Jovem corajosa desmascara traficante acusado de violação e agressões a mulheres"
"Investigação de uma jovem de 16 anos impressiona profissionais" "Traficante KJ desmascarado por uma adolescente". Os títulos eram espampanantes e exagerados, a notícia era tão detalhada que cheguei a perguntar-me se eles não tinham estado mesmo lá, e uma fotografia minha preenchia a capa do jornal, ao lado de uma daquele monstro.

Apesar de a nova "fama'' me trazer alguma confusão, acabei por me habituar a ela, afinal ela significava que eu tinha feito algo bom... e esse bom excedia a sede de vingança, percebi que aquilo superava o caso de Vi. Ela foi, sim, uma motivação enorme, mas era algo mais... eu fui até ali não só por Violet, mas por todas as raparigas que sofreram ou poderiam sofrer nas mãos dele.

E assim, eu encontrei a minha vocação.

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