XI

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Tão logo quanto a porta se abriu percebi que é possível, graças ao eco da biblioteca, ouvir toda e qualquer movimentação, mesmo que mínima, tendo a confirmação quando sua voz reverbera:

- Mackeyla? Em que parte você está?

Assim que falou, minha cabeça virara rapidamente ao som de sua voz, e com isso, Jack olhava em minha direção, me vendo na frente de todos aqueles papéis e cartas.

- Vejo que anda bem entretida por aqui - ele encarou os papéis espalhados pelo chão - quanto você já limpou? - com isso, percebi que ele carregava uma bandeja de prata, contendo um prato, o qual não conseguia ver o conteúdo devido a distância, uma espécie de cálice, e talheres de prata, sob um guardanapo cujo parecia ser bordado, com um desenho semelhante à flores.

- Cerca de quatro estantes, Jack...-disse tão baixo como um sussurro.

- Muito bem, porém creio que neste ritmo não terminará até amanhã - ele disse enquanto me encarava descaradamente, sem ligar para a discrição ou algo do tipo ao fazê-lo. Seu olhar parou em minhas mãos, somente então notei que estas tremiam.

- Bem, no seu estado não conseguirá fazer muito mais sem destruir a biblioteca ou dormir em cima dos livros - ele disse finalmente, me encarando nos olhos, o nosso cruzar de olhos foi excepcionalmente curto, pois Jack logo o quebrou para posicionar a bandeja em cima da mesa, e após isto caminhou em minha direção, à todo tempo eu observava suas ações quieta, praticamente petrificada no lugar.

- Pode parecer, mas eu não sou um monstro Mackeyla, pode voltar a seu quarto hoje, mas quero que continue com a limpeza amanhã, me entendeu? - Ele perguntou enquanto delicadamente passava a almofada do dedo debaixo de meus olhos, nas escuras olheiras que havia adquirido enquanto ficava ali, eu continuava sem reação alguma - sua pele está mais pálida do que o de costume - ele sussurrou, como se fosse um pensamento que escapou de sua boca, com isso, Jack finalmente levanta seu olhar, encarando meus olhos novamente - Coma logo e vá direto para cama, não quero que elas se tornem mais escuras por uma noite mal dormida.

E com isso, ele me deu as costas, lentamente caminhando até a porta, e mais uma vez as puxando com um rangido e no final um baque quando elas se fecham completamente, mas antes, murmurando um baixo, porém audível, "Boa noite Mackeyla", me deixando novamente sozinha com meus pensamentos, agora encarando a refeição sobre a mesa. Tinha em minha mente à todo momento aqueles olhos verdes fixados aos meus, mas essa memória é interrompida pelo estalar da fogueira que queimava á madeira.

Ápos o pequeno choque, acabei voltando ao normal e me lembrando da carta em minhas vestes, então apressei-me para ir correndo até a mesa, enquanto aproximava uma das poltronas até esta, tirava a carta abarrotada e depois percebendo que, pelo desespero acabei enfiando-a no meio de meus seios, coisa que ocasionou um risinho bobo de minha parte, que mais se assemelhara à um pequeno engasgue por ter a garganta seca pelo pó. Finalmente sentei-me diante da minha refeição momento em que acabei descobrindo ser Filé mignon suíno com champignons ao creme de mostarda, acompanhado de purê de batata e suco de uva, o qual por um momento pensei ser vinho por estar em um cálice. O cheiro que emanava da comida fez meu estômago começar a roncar de uma maneira fervorosa, chegando até a doer, e só aí percebi o tamanho da fome que carregava, decidi então que, por mais curiosa que eu estivesse sobre a carta, eu me alimentaria primeiro antes de a ler, mesmo que duvidasse que ela seria capaz de acabar com minha fome. 

Uma vez terminada minha refeição, finalmente reabri o selo vermelho do envelope e comecei a ler o conteúdo da carta:

"Olá caro amigo, a quanto tempo não nos falamos, creio que desde quando nós nos casamos, mas fico feliz que tenha conseguido me achar mesmo após todo esse tempo. Como estão Tália e Jack ?
Felizmente, como você bem sabe, estou enviando esta carta para responder a sua proposta, pensei atentamente por um longo tempo, este assunto roubou de mim muitas horas de sono, mas ainda não me decidi completamente. Quero para minha filha uma boa vida, algo que nunca fui capaz de dar à ela realmente.
Porém, não sei se ela poderia suportar a ideia, veja bem, Mackeyla, por mais que seja forte, é uma jovem extremamente sensível, tenho medo dela não reagir bem diante da notícia, até mesmo porque não gostaria de lhe tirar o direito de escolha.
Todavia, às coisas realmente não andam nada fáceis, você sabe, acabei de receber meu diagnóstico, e não permanecerei aqui por muito tempo, tenho medo de não poder dar a ela tudo o que ela precisará para viver sem minha companhia, você sabe, desde que Helena foi embora as coisas não foram nada fáceis para nós, mas desejaria que ao menos, mesmo após minha morte, minha filha pudesse viver confortavelmente.
Por favor, me dê mais algum tempo para pensar em sua proposta, caro amigo, não demorarei muito mais.
Até breve, Albert Jamil."

Eu terminei a leitura da carta mais confusa do que antes.

- Então meu pai tinha um amigo, cujo é o pai de Jack, que fez uma proposta à ele que me envolvia, e talvez tenha algum tipo de ligação com o meu sequestro. Que tipo de proposta poderia ter feito esse tal amigo do meu pai a ponto de o perturbar tanto assim? Dinheiro? Me tirar o direito de escolha?- eu dizia baixinho para mim mesma, tentando conectar qualquer fragmento de ideias e suposições sobre o tal trato.

Com meus pensamentos a mil, junto a raiva eminente que começava a se apossar de meu corpo, não percebi quando meus pés me levaram a grande lareira e arremessei a carta, juntamente ao envelope em um surto de frustração, me arrependendi no mesmo instante por ser o único tipo de prova de que um dia meu pai teve alguma ligação em toda essa história. Passada a raiva, o arrependimento logo tomou conta de mim, em que eu me abaixava em frente a lareira, e comecei a chorar compulsivamente, amargurada pelo fato de ter deixado ir a última coisa que me ligava a meu pai.

Apenas minutos depois decidi que seria melhor me recompor e ter uma noite de sono adequada, antes que Jack percebesse que eu estava fora de minha cama e me obrigasse a limpar as prateleiras restantes, logo, levantei de uma vez, enxugando o rastro do que foram lágrimas e indo em direção a porta e contra todas as probabilidades, obstinada a ir atrás de respostas para minhas perguntas. Eu finalmente alcancei a porta, e encerrei a minha linha de pensamento no momento em que eu fechi as portas com um baque apesar de continuar com minha determinação intacta, e a cada passo em direção ao meu quarto se tornando mais forte e apressado.

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⏰ Última atualização: Nov 05, 2020 ⏰

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