Capítulo 2

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  II.

 Espaço e Tempo

As nossas idéias atuais sobre o movimento dos corpos vêm dos tempos de Galileue de Newton. Antes deles, as pessoas acreditavam em Aristóteles, que afirmouque o estado natural de um corpo era estar em repouso e só se mover quandosobre ele atuasse uma fôrça ou impulso. Assim, um corpo pesado cairia maisdepressa que um leve porque sofreria um impulso maior em direção à terra.A tradição aristotélica também afirmava que era possível descobrir todas as leisque governam o Universo por puro pensamento, sem necessidade deconfirmação observacional. Deste modo, ninguém até Galileu se preocupou emver se corpos de pesos diferentes caíam de fato com velocidades diferentes. Dizseque Galileu demonstrou que a crença de Aristóteles era falsa deixando cairpesos da Torre Inclinada de Pisa. A história é, quase de certeza, falsa, masGalileu fez uma coisa equivalente: fez rolar bolas de pesos diferentes pelo suavedeclive de um plano inclinado. A situação é semelhante à de corpos pesados quecaem verticalmente, mas mais fácil de observar, porque se movimentam comvelocidades diferentes. As medições de Galileu indicavam que a velocidade decada corpo aumentava na mesma proporção, qualquer que fosse o seu peso. Porexemplo, se deixarmos rolar uma bola por uma encosta que desce um metro porcada dez metros de caminho andado, veremos que a bola desce a umavelocidade de cerca de um metro por segundo após um segundo, dois metros porsegundo após dois segundos, e por aí afora, por mais pesada que seja. É evidenteque um peso de chumbo cairá mais depressa que uma pena, mas tal sucedeapenas porque a pena é retardada pela resistência do ar. Se deixarmos cair doiscorpos que sofram pequena resistência por parte do ar, por exemplo dois pesosde chumbo diferentes, a velocidade da queda é a mesma.As medições de Galileu foram utilizadas por Newton como base para as suas leisdo movimento. Nas experiências de Galileu, quando um corpo rolava por umplano inclinado exercia-se sobre ele sempre a mesma fôrça (o seu peso), e o seuefeito era fazer aumentar constantemente a velocidade. Isto mostrou que overdadeiro efeito da fôrça é modificar sempre a velocidade de um corpo, e nãosó imprimir-lhe o movimento, como se pensara antes. Também significava que,quando um corpo não sofre o efeito de qualquer fôrça, se manterá emmovimento retilíneo com velocidade constante. Esta idéia foi explicitada pelaprimeira vez na obra de Newton Principia Mathematica, publicada em 1687, e éconhecida por primeira lei de Newton. O que acontece a um corpo quando umafôrça atua sobre ele é explicado pela segunda lei de Newton, que afirma que ocorpo acelerará, ou modificará a sua velocidade proporcionalmente à fôrça.(Por exemplo, a aceleração será duas vezes maior se a fôrça for duas vezesmaior). A aceleração também é menor quanto maior for a massa (ou quantidadede matéria) do corpo. (A mesma fôrça atuando sobre um corpo com o dobro damassa produzirá metade da aceleração). O automóvel é um exemplo familiar:quanto mais potente for o motor, maior será a aceleração, mas, quanto maispesado for o carro, menor será a aceleração para o mesmo motor.Para além das leis do movimento, Newton descobriu uma lei para descrever afôrça da gravidade, que afirma que um corpo atrai outro corpo com uma fôrçaproporcional à massa de cada um deles. Assim, a fôrça entre dois corpos seráduas vezes mais intensa se um dos corpos (por exemplo, o corpo A) tiver o dobroda massa. É o que se poderia esperar, porque se pode pensar no novo corpo Acomo sendo constituído por dois corpos com a massa original. Cada um atrairia ocorpo B com a sua fôrça original. Assim, a fôrça total entre A e B seria duasvezes a fôrça original. E se, por exemplo, um dos corpos tiver duas vezes a massae o outro três vezes, então a fôrça será seis vezes mais intensa. Vê-se assim porque razão todos os corpos caem com a mesma velocidade relativa; um corpocom o dobro do peso terá duas vezes a fôrça da gravidade a puxá-lo para baixo,mas terá também duas vezes a massa original. De acordo com a segunda lei deNewton, estes dois efeitos anulamse exatamente um ao outro, de modo que aaceleração será a mesma em todos os casos.A lei da gravitação de Newton também nos diz que, quanto mais separadosestiverem os corpos, mais pequena será a fôrça. E também nos diz que a atraçãogravitacional de uma Estrêla é exatamente um quarto da de uma Estrêlasemelhante a metade da distância. Esta lei prediz as órbitas da Terra, da Lua edos outros planêtas com grande precisão. Se a lei dissesse que a atraçãogravitacional de uma Estrêla diminuía mais depressa com a distância, as órbitasdos planêtas não seriam elípticas: movere que um comboio se desloca para norte a cento e vinte quilômetros por hora. Ouque o comboio está em repouso e que a Terra se move para sul a cento e vintequilômetros por hora. Se efetuássemos experiências com corpos em movimentono comboio, todas as leis de Newton continuariam válidas. Por exemplo, jogandotênis de mesa no comboio, verificar-se-ia que a bola obedecia às leis de Newton,tal como a bola numa mesa colocada junto à linha. Portanto, não existe maneirade dizer se é o comboio ou a Terra que está em movimento (1).__(1) Quer dizer: não há processo mecânico de fazerdistinguir entre estado de repouso e estado de movimentouniforme e retilíneo. Estaafirmação constitui o enunciadodo princípio da relatividade galiláica (*N. do R.*).__A falta de um padrão absoluto de repouso significava que não era possíveldeterminar se dois acontecimentos que ocorriam em momentos diferentesocorriam na mesma posição no espaço. Por exemplo, suponhamos que a bola detênis de mesa no comboio saltita verticalmente, para cima e para baixo, atingindoa mesa duas vezes no mesmo lugar com um segundo de intervalo. Para alguémna linha, os dois saltos pareceriam ocorrer a cerca de cem metros um do outro,porque o comboio teria percorrido essa distância entre os dois saltos. A nãoexistência de repouso absoluto significava portanto que não se podia dar umaposição absoluta no espaço a um acontecimento, como Aristóteles acreditou. Asposições dos acontecimentos e as distâncias entre eles seriam diferentes parauma pessoa no comboio e outra na linha, e não haveria motivo para darpreferência a qualquer delas. Newton preocupou-se muito com esta falta deposição absoluta ou espaço absoluto, como se chamava, por não estar de acordocom a sua idéia de um Deus absoluto. De fato, recusou-se a aceitar que o espaçonão fosse (2) absoluto, embora as suas leis o sugerissem. Muitas pessoascriticaram severamente a sua crença irracional, particularmente o bispoBerkeley , filósofo que acreditava que todos os objetos materiais e o espaço e otempo não passavam de uma ilusão. Quando o famoso Dr. Johnson ouviu aopinião de Berkeley , gritou: "Refuto-a assim!" e deu um pontapé numa pedra.__(2) Trata-se, é quase certo, de um lapso da edição original(*n. do R.*).__Tanto Aristóteles como Newton acreditavam no tempo absoluto. Ou seja,acreditavam que se podia medir sem ambigüidade o intervalo de tempo entredois acontecimentos, e que esse tempo seria o mesmo para quem quer que omedisse, desde que utilizasse um bom relógio. O tempo era completamenteseparado e independente do espaço. Isto é o que a maior parte das pessoasacharia ser uma opinião de senso comum. Contudo, fomos obrigados a mudar deidéias quanto ao espaço e ao tempo. Embora estas noções de aparente sensocomum funcionem perfeitamente quando lidamos com coisas como maçãs ouplanêtas, que se movem relativamente devagar, já não funcionam à velocidadeda luz ou perto dela. O fato de a luz se deslocar com uma velocidade finita, masmuito elevada, foi descoberto em 1676 pelo astrônomo dinamarquês OleChristensen Roemer. Este observou que os períodos em que as luas de Júpiterpareciam passar por trás do planeta não tinham intervalos regulares, como seesperaria se elas girassem à volta do planeta com uma velocidade constante.Como a Terra e Júpiter orbitam em volta do Sol, a distância entre eles varia.Roemer reparou que os eclipses das luas de Júpiter ocorriam tanto mais tardequanto mais longe se estivesse do planeta. Argumentou que isto acontecia porquea luz das luas levava mais tempo a chegar até nós quando estávamos mais longe.As suas medições das variações da distância da Terra a Júpiter não eram,contudo, muito precisas e, assim, o valor da velocidade da luz era de duzentos evinte e cinco mil quilômetros por segundo, em comparação com o valor atual detrezentos mil quilômetros por segundo. No entanto, a proeza de Roemer, não sóao provar que a luz se propaga a uma velocidade finita mas também ao medi-la,foi notável: conseguida onze anos antes da publicação dos PrincipiaMathematica de Newton.Uma teoria correta da propagação da luz só surgiu em 1865, quando o físicobritânico James ClerkMaxwell conseguiu unificar as teorias parciais utilizadas atéentão para descrever as fôrças da eletricidade e do magnetismo. As equações deMaxwell prediziam que podia haver perturbações de tipo ondulatório no campoeletromagnético e que elas se propagariam com uma velocidade determinada,como pequenas ondulações num tanque. Se o comprimento de onda destas ondas(a distância entre uma crista de onda e a seguinte) for de um metro ou maistrata-se do que hoje chamamos ondas de rádio. De comprimentos de onda maiscurtos são as chamadas micro-ondas (alguns centímetros) ou ondasinfravermelhas (um pouco mais de dez milésimos de centímetro). A luz visíveltem um comprimento de onda compreendido apenas entre quarenta e oitentamilionésimos de centímetro. São conhecidos comprimentos de onda mais curtoscomo ondas ultravioletas, raios X e raios gama.A teoria de Maxwell predizia que as ondas de rádio ou de luz deviam propagar-sea uma velocidade determinada. Mas a teoria de Newton tinha acabado com aidéia do repouso absoluto, de maneira que, supondo que a luz se devia propagar auma velocidade finita, era preciso dizer em relação a quê essa velocidade teriade ser medida. Foi ainda sugerido que havia uma substância chamada "éter",presente em todo o lado, mesmo no espaço "vazio". As ondas de luz propagar-seiamatravés do éter como as ondas sonoras se propagam através do ar, e a suavelocidade seria assim relativa ao éter. Observadores diferentes que semovessem em relação ao éter veriam a luz propagar-se na sua direção comvelocidades diferentes, mas a velocidade da luz em relação ao éter manter-se-iafixa. Em particular, como a Terra se movia no seio do éter, na sua órbita emtorno do Sol, a velocidade da luz medida na direção do movimento da Terraatravés do éter (quando nos movemos em direção à fonte de luz) devia ser maiselevada que a velocidade da luz na direção perpendicular a esse movimento(quando não nos dirigimos para a fonte). Em 1887, Albert Michelson (que maistarde veio a ser o primeiro americano galardoado com o prêmio Nobel da Física)e Edward Morley realizaram uma experiência cuidadosa na Case School deCiências Aplicadas, em Cleveland.: Compararam a velocidade da luz na direçãodo movimento da Terra com a velocidade medida na direção perpendicular aesse movimento. Para sua grande surpresa, descobriram que os seus valoreseram exatamente os mesmos!Entre 1887 e 1905, houve várias tentativas, sobretudo as do físico holandêsHendrickLorentz, para explicar o resultado 'da experiência de Michelson eMorley, em termos de contração de objetos e de atrasos nos relógios, quando semoviam no éter. Contudo, num famoso trabalho de 1905, um funcionário atéentão desconhecido do Gabinete de Patentes suíço, Albert Einstein, mostrou que aidéia do éter era desnecessária desde que se abandonasse a idéia do tempoabsoluto. Umas semanas mais tarde, um importante matemático francês, HenriPoincaré, demonstrou a mesma coisa. Os argumentos de Einstein estavam maispróximos da física que os de Poincaré, que encarava o problema sob o ponto devista matemático. Geralmente, o crédito da nova teoria cabe a Einstein, mas onome de Poincaré é lembrado por estar ligado a uma importante parte dela.O postulado fundamental da teoria da relatividade, como foi chamada, foi que asleis da física (3) deviam ser as mesmas para todos os observadores que semovessem livremente, qualquer que fosse a sua velocidade. Isto era verdadeiropara as leis do movimento de Newton, mas agora a idéia alargava-se para incluira teoria de Maxwell e a velocidade da luz: todos os observadores deviam medir amesma velocidade da luz, independentemente da velocidade do seu movimento.__(3) As leis da física e não somente as leis da mecânica (cf.princípio da relatividade galilaico). O fundamentalconteúdo deste postulado passamuitas vezes despercebidoao leitor, que se deixa mais facilmente impressionar pelopostulado da constância da velocidade da luz: este é,decerta forma, implicado por aquele! (*N. do R.*).__Esta idéia simples teve algumas conseqüências notáveis. Talvez as maisconhecidas sejam a equivalência da massa e da energia, resumida na famosaequação de Einstein E = mc² (em que Erepresenta a energia, m a massa e c avelocidade da luz), e a lei de que nada (4) se pode deslocar mais depressa que aluz. Devido à equivalência entre massa e energia, a energia de um objeto devidaao seu movimento adicionar-se-á à sua massa. Por outras palavras, será maisdifícil aumentar a sua velocidade. Este efeito só é realmente significativo paraobjetos que se movam a velocidades próximas da da luz. Por exemplo, a 10% davelocidade da luz, a massa de um objeto é apenas meio por cento superior ànormal, ao passo que a 90% da velocidade da luz excederia o dobro da sua massanormal. Quando um objeto se aproxima da velocidade da luz, a sua massaaumenta ainda mais depressa, pelo que é precisa cada vez mais energia para lheaumentar a velocidade.__(4) Este nada refere-se a algo material. É claro que sepodem conceber velocidades meramente geométricas (v. g.expansão do espaço) tão grandesquanto se queira (*N. doR.*).__De fato, nunca pode atingir a velocidade da luz porque, nessa altura, a sua massater-se-ia tornado infinita e, pela equivalência entre massa e energia, seria precisouma quantidade infinita de energia para incrementar indefinidamente a massa.Por este motivo, qualquer objeto normal está para sempre confinado pelarelatividade a mover-se com velocidades inferiores à da luz. Só esta ou as outrasondas que não possuam massa intrínseca se podem mover à velocidade da luz.Uma conseqüência igualmente notável da relatividade é a maneira comorevolucionou as nossas concepções de espaço e tempo. Na teoria de Newton, seum impulso de luz for enviado de um local para outro, diferentes observadoresestarão de acordo quanto ao tempo que essa viagem demorou (uma vez que otempo é absoluto), mas não quanto à distância que a luz percorreu (uma vez queo espaço não é absoluto). Como a velocidade da luz é exatamente o quociente dadistância percorrida pelo tempo gasto, diferentes observadores mediriamdiferentes velocidades para a luz. Em relatividade, por outro lado, todos osobservadores têm de concordar quanto à velocidade de propagação da luz.Continuam ainda, no entanto, a não concordar quanto à distância que a luzpercorreu, pelo que têm também de discordar quanto ao tempo que demorou. Otempo gasto é apenas a distância— com que os observadores não concordam—dividida pela velocidade da luz—valor comum aos observadores (5). Por outraspalavras, a teoria da relatividade acabou com a idéia do tempo absoluto! Pareciaque cada observador obtinha a sua própria medida do tempo, registrada pelorelógio que utilizava, e que relógios idênticos utilizados por observadoresdiferentes nem sempre coincidiam.__(5) No original o tempo vem mal calculado. Limitamo-nos aapresentar a versão correta (*N. do R.*).__Cada observador podia usar o radar para dizer onde e quando um acontecimentoocorria, enviando um impulso de luz ou de ondas de rádio. Parte do impulso éreflectido no momento do acontecimento e o observador mede o tempodecorrido quando recebe o eco. Diz-se então que o tempo do acontecimento é oque está a meio entre o envio do impulso e a recepção do eco; a distância doacontecimento é metade do tempo da viagem de ida e volta multiplicado pelavelocidade da luz. (Um acontecimento, neste sentido, é qualquer coisa que ocorrenum único ponto do espaço e num momento específico do tempo). Esta idéia estáexemplificada na Fig. 2.1 que representa um diagrama espaço-temporal.(Fig. 2.1.)O tempo é medido no eixo vertical e a distância ao observador é medida no eixohorizontal. O percurso do observador através do espaço e do tempo érepresentado pela linha vertical à esquerda. As trajetórias dos raios luminosos emdireção ao acontecimento e provenientes dele são as linhas diagonais.Utilizando este procedimento, os observadores que se movem em relação uns aosoutros podem atribuir ao mesmo acontecimento tempos e posições diferentes.Nenhumas medições de um observador em particular são mais corretas do queas de outro, mas estão todas relacionadas. Qualquer observador pode calcularcom precisão o tempo e a posição que outro observador atribuirá a umacontecimento, desde que conheça a velocidade relativa desse outro observador.Hoje em dia, utilizamos este método para medir com rigor distâncias, porquepodemos medir o tempo com maior precisão do que as distâncias. Com efeito, ometro é definido como a distância percorrida pela luz em 0,000000003335640952segundos medidos por um relógio de césio. (A razão para este número emparticular é o fato de corresponder à definição histórica do metro—em termos deduas marcas numa barra de platina guardada em Paris). Do mesmo modo, podeusar-se uma nova e mais conveniente unidade de comprimento chamadasegundo-luz. Este é simplesmente definido como a distância percorrida pela luznum segundo. Na teoria da relatividade, define-se agora a distância em termosde tempo e de velocidade da luz, pelo que se segue automaticamente que cadaobservador medirá a luz com a mesma velocidade (por definição, um metro por0,000000003335640952 segundos). Não há necessidade de introduzir a idéia deum éter, cuja presença aliás não pode ser detectada, como mostrou aexperiência de Michelson e Morley. A teoria da relatividade obriga-nos, contudo,a modificar fundamentalmente as nossas concepções de espaço e tempo. Temosde aceitar que o tempo não está completamente separado nem é independente doespaço, mas sim combinado com ele, para formar um objeto chamado espaçotempo.É um dado da experiência comum podermos descrever a posição de um pontono espaço por três números ou coordenadas. Por exemplo, pode dizer-se que umponto; numa sala está a dois metros de uma parede, a noventa centímetros deoutra e a um metro e meio acima do chão. Ou podemos especificar que umponto está a determinada latitude e longitude e a determinada altitude acima donível do mar. É-se livre de utilizar quaisquer coordenadas, embora a sua validadeseja limitada. Não é possível especificar a posição da Lua em termos dequilômetros a norte e quilômetros a oeste de Piccadilly Circus e metros acima donível do mar. Em vez disso, podemos descrevê-la em termos de distância ao Sol,distância ao plano das órbitas dos planêtas e do angulo entre a linha que une a Luaao Sol e a linha que une o Sol a uma Estrêla próxima como a Alfa Centauro.Mesmo estas coordenadas não teriam grande utilidade para descrever a posiçãodo Sol na nossa galáxia ou a posição da nossa galáxia no grupo local de galáxias.De fato, é possível descrever o Universo em termos de um conjunto de pedaçossobrepostos. Em cada um destes pedaços pode ser utilizado um conjuntodiferente de três coordenadas para especificar a posição de um ponto.Um acontecimento é qualquer coisa que ocorre num determinado ponto noespaço e num determinado momento. Pode, portanto, ser especificado por quatronúmeros ou coordenadas. Mais uma vez, a escolha das coordenadas é arbitrária;podem ser; usadas quaisquer três coordenadas espaciais bem definidas equalquer medida de tempo. Em relatividade, não há verdadeira distinção entre ascoordenadas de espaço e de tempo, tal como não existe diferença real entrequaisquer duas coordenadas espaciais. Pode escolherse um novo conjunto decoordenadas em que, digamos, a primeira coordenada de espaço seja umacombinação das antigas primeira e segunda coordenadas de espaço. Porexemplo, em vez de medirmos a posição de um ponto na Terra em quilômetros anorte de Piccadilly e quilômetros a oeste de Piccadilly , podemos usarquilômetros a nordeste de Piccadilly e a noroeste de Piccadilly. Do mesmomodo, em relatividade, podemos utilizar uma nova coordenada de tempo que é otempo antigo em segundos mais a distância (em segundosluz) a norte dePiccadilly .Muitas vezes é útil pensar nas quatro coordenadas de um acontecimento paraespecificar a sua posição num espaço quadridimensional chamado espaçotempo.É impossível imaginar um espaço quadridimensional. Eu próprio já achosuficientemente difícil visualizar um espaço tridimensional! Contudo, é fácildesenhar diagramas de espaços bidimensionais como a superfície da Terra. (Asuperfície da Terra é bidimensional porque a posição de um ponto pode serespecificada por duas coordenadas: a latitude e a longitude). Usarei geralmentediagramas em que o tempo aumenta no sentido ascendente vertical e uma dasdimensões espaciais é indicada horizontalmente. As outras duas dimensõesespaciais ou são ignoradas ou, por vezes, uma delas é indicada em perspectiva.(São os diagramas de espaço-tempo como a Fig. 2.1). Por exemplo, na Fig. 2:2, otempo é medido no sentido vertical ascendente em anos e a distância do Sol aAlfa Centauro é medida horizontalmente em quilômetros. As trajetórias do Sol ede Alfa Centauro através do espaço-tempo são representadas pelas linhasverticais à esquerda e à direita do diagrama. Um raio de luz do Sol segue a linhadiagonal e leva quatro anos a chegar a Alfa Centauro.(Fig. 2.2)Como vimos, as equações de Maxwell prediziam que a velocidade da luz deviaser a mesma, qualquer que fosse a velocidade da sua fonte, o que foi confirmadopor medições rigorosas. Daí que, se um impulso de luz é emitido em determinadomomento e em dado ponto do espaço, à medida que o tempo passa, espalhar-seácomo uma esfera de luz cujos tamanho e posição são independentes davelocidade da fonte. Um milionésimo de segundo depois, a luz ter-se-á difundidopara formar uma esfera com raio de trezentos metros; dois milionésimos desegundo depois, o raio será de seiscentos metros, etc. Será como a ondulação quese propaga na superfície de um tanque, quando se lhe atira uma pedra. Aondulação propaga-se num círculo que aumenta à medida que o tempo passa. Sepensarmos num modêlo tridimensional que consista na superfície bidimensionaldo tanque e numa coordenada de tempo, o círculo de ondulação que se expanderepresentará um cone, cujo topo está no local e no instante em que a pedraatingiu a água (Fig. 2.3).(Fig. 2.3)Da mesma maneira, a luz que se propaga a partir de um acontecimento formaum cone tridimensional no espaço-tempo quadridimensional. Este cone chamasecone de luz do futuro do acontecimento. Podemos, do mesmo modo, desenharoutro cone chamado cone de luz do passado que constitui o conjunto deacontecimentos a partir dos quais um impulso de luz pode alcançar oacontecimento dado (Fig. 2.4).(Fig. 2.4)Os cones de luz do passado e do futuro de um acontecimento P dividem oespaço-tempo em três regiões (Fig. 2.5).(Fig. 2.5)O futuro absoluto do acontecimento é a região dentro do cone de luz do futuro deP. É o conjunto de todos os acontecimentos suscetíveis de serem afetados poraquilo que acontece em P. Os acontecimentos fora do cone da luz de P nãopodem ser alcançados por sinais provenientes de P,porque nada pode deslocar-secom velocidade superior à da luz. Não podem, assim, ser influenciados pelo queacontece em P. O passado absoluto de P é a região inscrita no cone de luz dopassado. É o conjunto de todos os acontecimentos a partir dos quais sinais que sepropagam a uma velocidade igual ou inferior à da luz podem alcançar P. É, pois,o conjunto de todos os acontecimentos suscetíveis de afetarem o que aconteceem P. Se soubermos o que está a passar-se em determinado momento em toda aregião do espaço inscrita no cone de luz do passado de P, podemos predizer o queacontecerá em P. O presente condicional é a região do espaçotempo que nãofica nos cones de luz do futuro ou do passado de P. Os acontecimentos ocorrentesnessa região não podem afetar nem serem afetados pelos acontecimentos em P.Por exemplo, se o Sol deixasse de brilhar neste mesmo momento, não afetaria osacontecimentos atuais na Terra porque eles situariam na região do presentecondicional do acontecimento quando o Sol deixasse de brilhar (Fig. 2.6).(Fig. 2.6)Só saberíamos o que se tinha passado daí a oito minutos, o tempo que a luz do Solleva a alcançar-nos. Só nessa altura é que os acontecimentos na Terra ficariamno cone de luz do futuro do evento da morte do Sol. Do mesmo modo, nãosabemos o que está a passar-se neste momento mais longe no Universo: a luz quenos chega provinda de galáxias distantes deixou-as há milhões de anos; a luz doobjeto mais longínquo que conseguimos avistar deixou-o há já cerca de oito milmilhões de anos. Assim, quando observamos o Universo vemo-lo como ele erano passado.Se desprezarmos os efeitos da gravitação, como Einstein e Poincaré fizeram em1905, obtém-se aquilo a que se chama a teoria da relatividade restrita. Para cadaacontecimento no espaço-tempo podemos construir um cone de luz (conjunto detodas as trajetórias possíveis da luz, no espaço-tempo, emitida nesseacontecimento) e, uma vez que a velocidade da luz é a mesma para todos osacontecimentos e em todas as direções, todos os cones de luz serão idênticos eorientados na mesma direção. A teoria também nos diz que nada pode mover-secom velocidade superior à da luz (6). Isto significa que a trajetória de qualquerobjeto através do espaço e do tempo tem de ser representada por uma linha quefique dentro do cone de luz por cada acontecimento no seu interior.__(6) O que está verdadeiramente em causa é a velocidade daluz, não a luz. Acidentalmente, a luz propaga-se àvelocidade da luz, que tanto quantose sabe também podiachamar-se a velocidade dos neutrinos! (*N. do R.*).__A teoria da relatividade restrita obteve grande êxito na explicação de que avelocidade da luz parece a mesma para todos os observadores (como aexperiência de Michelson e Morley demonstrou) e na descrição do que acontecequando os objetos se movem a velocidades próximas da velocidade da luz.Contudo, era inconsistente com a teoria da gravitação de Newton, que afirmavaque os objetos se atraíam uns aos outros com uma fôrça que dependia dadistância que os separava. Isto significava que, se se deslocasse um dos objetos, afôrça exercida sobre o outro mudaria instantaneamente. Por outras palavras, osefeitos gravitacionais deslocar-se-iam com velocidade infinita, e não àvelocidade da luz ou abaixo dela como a teoria da relatividade restrita exigia.Einstein várias vezes tentou, sem êxito, entre 1904 e 1914, descobrir uma teoriada gravidade que fosse consistente com a relatividade restrita. Finalmente, em1915, propôs o que agora se chama a teoria da relatividade geral.Einstein apresentou a sugestão revolucionária de que a gravidade não é umafôrça idêntica às outras, mas sim uma conseqüência do fato de o espaço-temponão ser plano, como se pensara: é curvo ou "deformado" pela distribuição demassa e de energia. Corpos como a Terra não são feitos para se moverem emórbitas curvas por ação de uma fôrça chamada gravidade; em vez disso, seguemo que mais se parece com uma trajetória retilínea num espaço curvo, chamadageodésica. Uma geodésica é o caminho mais curto (ou mais longo) entre doispontos próximos. Por exemplo, a superfície da Terra é um espaço curvobidimensional. Uma geodésica na Terra chama-se círculo máximo, e é ocaminho mais curto entre dois pontos. Como a geodésica é o caminho mais curtoentre quaisquer dois aeroportos, é essa a rota que um navegador aeronáuticoindicará ao piloto. Na relatividade geral, os corpos seguem sempre linhas retas noespaço-tempo quadridimensional, mas, aos nossos olhos, continuam a parecermoverem-se ao longo de trajetórias curvas no espaço tridimensional. (Um bomexemplo é a observação de um vôo de avião sobre colinas. Embora siga umalinha reta no espaço tridimensional, a sua sombra segue uma trajetória curva noespaço bidimensional).A massa do Sol encurva o espaço-tempo de tal modo que, embora a Terra sigauma trajetória retilínea no espaço-tempo quadridimensional, a nós parece-nosmover-se ao longo de uma órbita circular no espaço tridimensional. De fato, asórbitas dos planêtas preditas pela relatividade geral são quase exatamente asmesmas que as preditas pela teoria da gravitação de Newton. Contudo, no casode Mercúrio, que, sendo o planeta mais próximo do Sol, sofre efeitosgravitacionais mais fortes e tem uma órbita bastante alongada, a relatividadegeral prediz que o eixo maior da elipse devia girar em volta do Sol à razão decerca de um grau em dez mil anos. Embora este efeito seja pequeno, foianunciado antes de 1915 e foi uma das primeiras confirmações da teoria deEinstein. Em anos recentes, os desvios ainda mais pequenos das órbitas dos outrosplanêtas relativamente às predições de Newton têm sido medidos por radar,concordando com as predições da relatividade geral.Também os raios luminosos têm de seguir geodésicas no espaço-tempo. Maisuma vez, o fato de o espaço ser curvo significa que a luz já não parece propagarseno espaço em linhas retas. Portanto, a relatividade geral prediz que a luz deviaser encurvada por campos gravitacionais. Por exemplo, a teoria prediz que oscones de luz de pontos perto do Sol serão ligeiramente encurvados para o interiordevido à massa do Sol. Isto significa que a luz de uma Estrêla distante que passouperto do Sol deverá ser defletida de um pequeno angulo, fazendo com que aEstrêla pareça estar numa posição diferente para um observador na Terra. Éevidente que, se a luz da Estrêla passasse sempre perto do Sol, não poderíamosdizer se a luz estava a ser defletida ou se, em vez disso, a Estrêla estavarealmente onde a víamos. No entanto, como a Terra orbita em volta do Sol,Estrêlas diferentes parecem passar por trás deste, tendo consequentemente a sualuz defletida. Mudam, portanto, as suas posições aparentes em relação às outrasEstrêlas.Normalmente, é muito difícil observar este efeito, porque a luz do Sol tornaimpossível a observação de Estrêlas que aparecem perto do Sol. Contudo, épossível fazê-lo durante um eclipse do Sol, quando a sua luz é bloqueada pelaLua. A predição de Einstein da deflexão da luz não pôde ser testadaimediatamente em 1915, porque se estava em plena Primeira Guerra Mundial;foi só em 1919 que uma expedição britânica, ao observar um eclipse na ÁfricaOcidental, mostrou que a luz era realmente defletida pelo Sol, tal como havia sidopredito pela teoria: Esta comprovação de uma teoria alemã por cientistasbritânicos foi louvada como um grande ato de reconciliação entre os dois paísesdepois da guerra. É, portanto, irônico que o exame posterior das fotografiastiradas durante essa expedição mostrasse os erros, que eram tão grandes como oefeito que tentavam medir. As medidas tinham sido obtidas por mera sorte ouresultavam do conhecimento prévio do que pretendiam obter, o que não é tãoinvulgar como isso em ciência. A deflexão da luz tem, contudo, sido confirmadacom precisão por numerosas observações posteriores.Outra predição da relatividade geral é que o tempo devia parecer correr maislentamente perto de um corpo maciço como a Terra. E isto porque há umarelação entre a energia da luz e a sua frequência (ou seja, o número de ondasluminosas por segundo): quanto maior for a energia, mais alta será a frequência.Quando a luz se propaga no sentido ascendente no campo gravitacional da Terra,perde energia e a sua frequência baixa. (Tal significa que o tempo decorridoentre uma crista de onda e a seguinte aumenta). A um observador situado numponto muito alto parecerá que tudo o que fica por baixo leva mais tempo aacontecer. Esta predição foi testada em 1962, com dois relógios muito precisos,instalados no topo e na base de uma torre de água. Verificou-se que o relógiocolocado na parte de baixo, que estava mais perto da Terra, andava maislentamente, em acordo absoluto com a relatividade geral. A diferença develocidade dos relógios a alturas diferentes acima do globo é agora deconsiderável importância prática, com o advento de sistemas de navegaçãomuito precisos, baseados em sinais emitidos por satélites. Se se ignorassem aspredições da relatividade geral, a posição calculada teria um erro de váriosquilômetros!As leis do movimento de Newton acabaram com a idéia da posição absoluta noespaço. A teoria da relatividade acaba de vez com o tempo absoluto.Consideremos dois gêmeos: suponha que um deles vai viver para o cimo de umamontanha e que o outro fica ao nível do mar. O primeiro gêmeo envelheceriamais depressa que o segundo. Assim, se voltassem a encontrar-se um seria maisvelho que o outro. Neste caso, a diferença de idades seria muito pequena, maspodia ser muito maior se um dos gêmeos fosse fazer uma longa viagem numanave espacial a uma velocidade aproximada à da luz. Quando voltasse, seriamuito mais novo do que o que tivesse ficado na Terra. Isto é conhecido porparadoxo dos gêmeos, mas só é um paradoxo se tivermos em mente a idéia detempo absoluto. Na teoria da relatividade não existe qualquer tempo absoluto;cada indivíduo tem a sua medida pessoal de tempo que depende de onde está eda maneira como se está a mover.Até 1915, pensava-se que o espaço e o tempo eram um palco fixo onde osacontecimentos ocorriam, mas que não era afetado por eles. Tal era verdademesmo para a teoria da relatividade restrita. Os corpos moviam-se atraídos erepelidos por fôrças, mas o espaço e o tempo continuavam, sem serem afetados.Era natural pensar que o espaço e o tempo continuassem para sempre.A situação, no entanto, é completamente diferente na teoria da relatividade geral.O espaço e o tempo são agora quantidades dinâmicas: quando um corpo semove, ou uma fôrça atua, a curvatura do espaço e do tempo é afetada e, por seulado, a estrutura do espaço-tempo afeta o movimento dos corpos e a atuação dasfôrças. O espaço e o tempo não só afetam como são afetados por tudo o queacontece no Universo. Tal como não podemos falar de acontecimentos noUniverso sem as noções de espaço e tempo, também na relatividade geral deixoude ter sentido falar sobre o espaço e o tempo fora dos limites do Universo.Nas décadas seguintes, esta nova compreensão de espaço e tempo iriarevolucionar a nossa concepção do Universo. A velha idéia de um Universoessencialmente imutável, que podia ter existido e podia continuar a existir parasempre, foi substituída pela noção de um Universo dinâmico e em expansão, queparecia ter tido início há um tempo finito no passado, e que podia acabar numtempo finito no futuro. Essa revolução constitui o assunto do próximo capítulo. E,anos mais tarde, foi também o ponto de partida para o meu trabalho de físicateórica. Roger Penrose e eu mostramos que a teoria da relatividade geral deEinstein implicava que o Universo tinha de ter um princípio e, possivelmente, umfim  

Uma Breve História do TempoWhere stories live. Discover now