Capítulo 3

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  III. 

O Universo em Expansão

 Se olharmos para o céu numa noite de céu limpo e sem luar, os objetos maisbrilhantes que podemos ver serão possivelmente os planêtas Vênus, Marte,Júpiter e Saturno. Haverá também um grande número de Estrêlas, que sãoexatamente como o nosso Sol, mas que se encontram mais distantes de nós.Algumas destas Estrêlas fixas parecem de fato mudar muito ligeiramente as suasposições umas em relação às outras, enquanto a Terra gira em volta do Sol: nãoestão absolutamente nada fixas! Isto acontece por estarem comparativamenteperto de nós. Como a Terra gira em volta do Sol, vemo-las de diferentes posiçõesno pano de fundo das Estrêlas mais distantes. É uma sorte, porque nos permitemedir diretamente a distância a que essas Estrêlas estão de nós: quanto maispróximas, mais parecem mover-se. A Estrêla que está mais perto de nós chamasePróxima Centauro e está, afinal, a cerca de quatro anos-luz de distância (a sualuz leva cerca de quatro anos a alcançar a Terra) ou a cerca de trinta e setemilhões de milhões de quilômetros. A maior parte das outras Estrêlas visíveis aolho nu está a algumas centenas de anos-luz de nós. O nosso Sol, emcomparação, está a uns meros oito minutos-luz de distância! As Estrêlas visíveisaparecem espalhadas por todo o céu noturno, mas concentram-separticularmente numa faixa a que damos o nome de Via Láctea. Por volta de1750, alguns astrônomos [entre os quais Thomas Wright (1)], sugeriram que oaspecto da Via Láctea podia ser explicado por a maior parte das Estrêlas visíveisestar distribuída numa configuração de disco, como aquilo a que agorachamamos galáxia espiral (Fig. 3.1). Só algumas décadas mais tarde, outroastrônomo, Sir William Herschel, confirmou a idéia de Wright, catalogandopacientemente as posições e distâncias de um grande número de Estrêlas.Mesmo assim, a idéia só obteve aceitação completa no princípio deste século.__(1) Trata-se, por certo, de um lapso da edição americana.Esta informação indispensável (como o leitor verá umpouco adiante) refere-se a ThomasWright (1711-1786) queimaginou a Via Láctea como um anel de Estrêlas similar ao deSaturno (*N. do R.*).__(Fig. 3 .1)A representação moderna do Universo data apenas de 1924, quando o astrônomoamericano Edwin Hubble demonstrou que a nossa galáxia não era a única.Havia, na realidade, muitas outras, com vastidões de espaço vazio entre elas.Para o provar, precisava de determinar as distâncias a que se encontravam essasoutras galáxias, que estão tão longe que, ao contrário das Estrêlas próximas,parecem realmente fixas. Hubble teve de utilizar métodos indiretos para medir asdistâncias. O brilho aparente de uma Estrêla depende de dois fatores: daquantidade de luz que irradia (a sua luminosidade) e da distância que se encontrade nós. Para as Estrêlas próximas, podemos medir o seu brilho aparente e adistância a que se encontram e, assim, determinar a sua luminosidade. Aocontrário, se conhecermos a luminosidade de Estrêlas de outras galáxias,podemos calcular a sua distância medindo o seu brilho aparente. Hubble notouque certos tipos de Estrêlas (2) têm sempre a mesma luminosidade quando estãosuficientemente perto de nós para que a possamos medir; portanto, argumentouque, se encontrássemos Estrêlas dessas em outra galáxia, podíamos admitir queteriam a mesma luminosidade e, assim, calcular a distância dessa galáxia. Se opudéssemos conseguir com várias Estrêlas da mesma galáxia e os nossoscálculos indicassem sempre a mesma distância, podíamos confiar razoavelmenteneles.__(2) Trata-se das Estrêlas variáveis cefeides (*N. do R.*).__Deste modo, Edwin Hubble calculou as distâncias de nove galáxias diferentes.Sabemos agora que a nossa galáxia é apenas uma de umas centenas de milhar demilhões que podem ser observadas com os telescópios modernos e que cadagaláxia contém algumas centenas de milhar de milhões de Estrêlas. A Fig. 3.1mostra uma galáxia espiral semelhante ao que pensamos que seja o aspecto danossa galáxia para alguém que viva noutra. Vivemos numa galáxia que temcerca de uma centena de milhar de anos-luz de diâmetro e roda vagarosamente;as Estrêlas, nos seus braços em espiral, orbitam em redor do centro cerca deuma vez em cada várias centenas de milhões de anos. O nosso Sol não passa deuma Estrêla amarela normal, de tamanho médio, perto do limite interior de umdos braços em espiral. Percorremos realmente um longo caminho desdeAristóteles e Ptolomeu, quando se pensava que a Terra era o centro do Universo!As Estrêlas estão tão distantes que nos parecem meros pontinhos de luz. Nãopodemos ver o seu tamanho nem a sua forma. Então como é que podemosdistinguir diferentes tipos de Estrêlas? Na grande maioria das Estrêlas, há apenasuma característica que podemos observar: a cor da sua luz. Newton descobriuque, se a luz do Sol passa através de um pedaço triangular de vidro, chamadoprisma, se decompõe nas cores componentes (o seu espectro), como num arcoíris.Focando uma Estrêla ou uma galáxia com um telescópio, podemos observardo mesmo modo o espectro da luz dessa Estrêla ou galáxia. Estrêlas diferentestêm espectros diferentes, mas o brilho relativo das diferentes cores é sempreexatamente o que se esperaria encontrar na luz emitida por um objetoincandescente. (Na realidade, a luz emitida por um objeto opaco ao rubroapresenta um espectro característico que depende apenas da sua temperatura—um espectro térmico. Isto significa que podemos medir a temperatura a partir doespectro da sua luz). Além disso, sabe-se que algumas cores muito específicasestão ausentes dos espectros das Estrêlas e estas cores que faltam podem variarde Estrêla para Estrêla. Como sabemos que cada elemento químico absorve umconjunto característico de cores muito específicas, comparando-as com as quefaltam no espectro de uma Estrêla, podemos determinar exatamente quais são oselementos presentes na atmosfera da Estrêla.Nos anos 20, quando os astrônomos começaram a observar os espectros deEstrêlas de outras galáxias, descobriram algo muito estranho: faltavam asmesmas cores encontradas nos espectros das Estrêlas da nossa galáxia, porqueeram todas desviadas na mesma proporção para o extremo vermelho doespectro. Para compreender as implicações deste fenômeno, temos de entenderprimeiro o efeito de Doppler. Como vimos, a luz visível consiste em flutuações ouondas no campo eletromagnético. A frequência (ou número de ondas porsegundo) da luz é extremamente alta, indo de quatro a sete centenas de milhõesde milhões de ondas por segundo. As diferentes frequências de luz são o que oolho humano vê como cores diferentes, com as frequências mais baixas junto doextremo vermelho do espectro e as mais altas no extremo azul. Imaginemosagora uma fonte luminosa a uma certa distância de nós, tal como uma Estrêla,emitindo ondas luminosas com uma frequência constante. É óbvio que afrequência das ondas que recebemos será a mesma a que são emitidas (o campogravitacional da galáxia não será suficientemente grande para ter um efeitosignificativo) (3). Suponhamos agora que a fonte começa a mover-se na nossadireção. Quando a fonte emitir a crista da onda seguinte, estará mais perto denós; por isso, o tempo que essa crista leva a chegar até nós será menor quequando a Estrêla estava em repouso relativo. Isto significa que o tempo entreduas cristas de onda que chegam até nós é menor e, portanto, o número de ondasque recebemos por segundo (ou seja, a frequência) é maior do que quando aEstrêla está em repouso relativo. Da mesma maneira, se a fonte se afastar denós, a frequência das ondas que recebemos será mais baixa. No caso da luz, istosignifica que Estrêlas que se afastam de nós terão os seus espectros desviadospara o extremo vermelho do espectro (desvio para o vermelho) e que as que seaproximam de nós terão os seus espectros deslocados para o azul. Esta relaçãoentre a frequência e a velocidade, a que se chama o efeito de Doppler, faz parteda experiência de todos os dias. Basta escutar o ruído de um carro que passa naestrada: à medida que ele se aproxima, o motor soa mais alto (o que correspondea uma frequência mais alta das ondas sonoras) e, quando passa e se afasta, o somé mais baixo. O comportamento das ondas de luz ou de rádio é semelhante. Naverdade, a Polícia utiliza o efeito de Doppler para medir a velocidade deautomóveis, medindo a frequência de impulsos de ondas de rádio por elesrefletidas.__(3) Hawking refere aqui en passant o redshiftgravitacional, ou seja, o deslocamento para o vermelho deorigem gravitacional e contrapõe aoefeito de Doppler (*N.do R.*).__Nos anos que se seguiram à sua prova da existência de outras galáxias, Hubblepassou o tempo a catalogar as distâncias entre elas e a observar os seus espectros.Nessa altura, a maior parte das pessoas julgava que as galáxias se movessemcompletamente ao acaso e, portanto, esperava encontrar tantos espectrosdesviados para o azul como para o vermelho. Constituiu, portanto, uma autênticasurpresa descobrir que as "cores" (4) do espectro da maioria das galáxias (5)surgiam desviadas para o vermelho: quase todas se afastavam de nós! Maissurpreendente ainda foi a descoberta que Hubble publicou em 1929: o valor dodesvio para o vermelho de uma galáxia não é casual, mas sim diretamenteproporcional à distância a que a galáxia está de nós. Ou, por outras palavras,quanto mais longe ela se encontra, mais depressa está a afastar-se! E issosignificava que o Universo não podia ser estático, como toda a gente tinhapensado antes, mas que está, de fato, em expansão; a distância entre as diferentesgaláxias aumenta constantemente.__(4) Cores, ou melhor, as riscas espectrais (*N. do R.*).(5) De fato, a princípio, o número de galáxiascatalogadas eram bem pequeno! (*N.do R,*).__A descoberta de que o Universo está em expansão foi uma das grandesrevoluções intelectuais do século XX. Com a percepção após o acontecimento, éfácil perguntarmo-nos por que motivo ninguém tinha pensado nisso antes.Newton e outros deviam ter compreendido que um universo estático depressacomeçaria a contrair-se sob influência da gravidade. Mas pensemos, ao invés,num universo em expansão. Se se expandisse bastante devagar, a fôrça dagravidade acabaria por travar a expansão, seguindo-se-lhe inevitavelmente acontração. Contudo, se estivesse a expandir-se acima de uma certa razão crítica,a gravidade nunca teria fôrça suficiente para travar a expansão, e o Universocontinuaria a expandir-se para sempre. É um pouco como o que acontecequando se dispara um foguetão para o espaço. Se tiver uma velocidade bastantelenta, a gravidade acabará por detê-lo e ele cairá. Por outro lado, se o foguetãoultrapassar certa velocidade crítica (cerca de onze quilômetros por segundo) agravidade não terá fôrça suficiente para o aprisionar, de maneira que continuaráa afastar-se da Terra para sempre. Este comportamento do Universo podia tersido predito a partir da teoria da gravidade de Newton em qualquer altura nosséculos XIX, XVIII ou até no fim do século XVII. Mas era tão forte a crençanum universo estático que esta prevaleceu até ao século XX. Até Einstein,quando formulou a teoria da relatividade geral, em 1915, estava tão certo de queo Universo era estático que modificou a sua teoria para o tornar possível,introduzindo nas suas equações a chamada constante cosmológica. Einsteinintroduziu uma nova fôrça, "antigravitação", que, ao contrário das outras fôrças,não provinha de qualquer origem especial, mas era construída na própriaestrutura do espaço-tempo. Afirmava ele que o espaço-tempo tinha umatendência intrínseca para se expandir, o que poderia levar a equilibrarexatamente a atração de toda a matéria no universo, de modo a daí resultar umuniverso estático. Só um homem, segundo parece, estava disposto a tomar arelatividade geral pelo que era e, enquanto Einstein e outros físicos procuravammaneiras de evitar, no contexto da relatividade geral, soluções não estáticas, ofísico e matemático russo Alexander Friedmann dedicou-se a explicá-las.Friedmann tirou duas conclusões muito simples sobre o Universo: que este pareceidêntico seja em que direção se olhe e que tal também seria verdade seobservássemos o Universo de qualquer outro lugar. Apenas com estas duas idéias(6), Friedmann mostrou que não deveríamos esperar que o Universo fosseestático. De fato, em 1922, vários anos antes da descoberta de Edwin Hubble,Friedmann previu exatamente o que aquele veio a descobrir!(6) Isotropia e homogeneidade. As propriedades deisotropia e homogeneidade do Universo encontram-seencerradas no conteúdo do chamadoprincípio cosmológico,talvez o mais importante argumento de toda a cosmologiamoderna (*N. do R.*).Evidentemente, a suposição de que o Universo tem o mesmo aspecto em todas asdireções não é, na realidade, verdadeira. Por exemplo, como já vimos, as outrasEstrêlas da Galáxia formam uma faixa de luz distinta no céu noturno, chamadaVia Láctea. Mas, se olharmos para galáxias distantes, parece haver mais oumenos o mesmo número delas [qualquer que seja a direção em que se olhe].Portanto, o Universo, na realidade, parece ser praticamente idêntico em todas asdireções, desde que o observemos numa grande escala em comparação com adistância entre as galáxias e ignoremos as diferenças em pequenas escalas.Durante muito tempo isto constituiu justificação suficiente para a suposição deFriedmann: uma grosseira aproximação ao verdadeiro Universo. Mas, maisrecentemente, por um acidente feliz, descobriu-se que a suposição de Friedmanné realmente uma notável e precisa descrição do nosso Universo.Em 1965, dois físicos americanos dos Bell Telephone Laboratories de NovaJersey , Arno Penzias e Robert Wilson, efetuavam experiências com um detectorde micro-ondas muito sensível. (As micro-ondas são exatamente como ondasluminosas, mas com uma frequência da ordem de apenas dez milhares demilhões de ondas por segundo). Penzias e Wilson ficaram preocupados quandodescobriram que o seu detector captava mais ruídos do que devia. Os ruídos nãopareciam vir de uma direção em particular. Primeiro, descobriram excrementode aves no detector e procuraram outros defeitos possíveis, mas depressaabandonaram essa hipótese. Sabiam que qualquer ruído proveniente do interiorda atmosfera seria mais forte quando o detector não estivesse apontadoverticalmente porque os raios de luz percorrem maior distância na atmosferaquando são recebidos perto do horizonte do que quando são recebidosdiretamente de cima. Os ruídos extra eram os mesmos qualquer que fosse adireção para que estivesse apontado o detector; portanto, deviam vir de fora daatmosfera. Também eram iguais de dia e de noite e durante todo o ano, emboraa Terra rodasse sobre o seu eixo e orbitasse em volta do Sol. Isto mostrava que aradiação devia vir de fora do sistema solar e até de fora da Galáxia, porque, seassim não fosse, variaria quando o movimento da Terra apontasse o detectorpara direções diferentes. De fato, sabemos que a radiação deve ter viajado aténós através da maior parte do Universo observável e, uma vez que parece ser amesma em direções diferentes, o Universo também deve ser o mesmo em todasas direções, apenas a uma escala maior. Sabemos agora que, em qualquerdireção que olhemos, estes ruídos nunca variam mais do que uma parte em dezmil: de modo que Penzias e Wilson tinham tropeçado sem querer numaconfirmação incrivelmente precisa da primeira suposição de Friedmann.Mais ou menos ao mesmo tempo, dois físicos americanos da Universidade dePrinceton, ali perto, Bob Dicke e Jim Peebles, também se interessavam pelasmicro-ondas. Estavam a trabalhar uma sugestão de George Gamow (que tinhasido aluno de Friedmann) de que o Universo primordial devia ter sido muitoquente e denso, com brilho rubro-branco. Dicke e Peebles achavam que aindadevíamos poder ver esse brilho do Universo primitivo porque a luz proveniente departes muito distantes do Universo primitivo devia estar agora a chegar até nós.Contudo, a expansão do Universo significava que essa luz devia ser de talmaneira desviada para o vermelho que só podia aparecer-nos agora como umaradiação de microondas. Dicke e Peebles preparavam-se para procurar estaradiação quando Penzias e Wilson ouviram falar do seu trabalho ecompreenderam que já a tinham encontrado. Assim, Penzias e Wilsonreceberam o prêmio Nobel em 1978 (o que parece um pouco duro para Dicke ePeebles, para não falar de Gamow!)Ora, à primeira vista, todas estas provas de que o Universo tem o mesmoaspecto, seja qual for a direção para que se olhe, podem parecer sugerir queexiste algo de especial quanto ao nosso lugar no Universo. Em particular, podeparecer que, se observamos a recessão de todas as outras galáxias, devemosestar no centro do Universo. Há, no entanto, uma explicação alternativa: oUniverso pode ter o mesmo aspecto em todas as direções, se for visto também deoutra galáxia. Esta foi, como vimos, a segunda suposição de Friedmann. Nãotemos qualquer prova científica a favor ou contra ela. Acreditamos apenas pormodéstia: seria absolutamente espantoso se o Universo tivesse o mesmo aspectoem toda a nossa volta e não à volta de outros pontos! No modêlo de Friedmann,todas as galáxias se afastam diretamente umas das outras. A situação parece-semuito com a de um balão com várias manchas pintadas a ser enchido sem parar(7). À medida que o balão se expande, a distância entre quaisquer duas manchasaumenta, mas não pode dizer-se que alguma mancha seja o centro da expansão.Além disso, quanto mais afastadas estiverem as manchas, mais depressa seafastam. Do mesmo modo, no modêlo de Friedmann, a velocidade a que duasgaláxias quaisquer se afastam uma da outra é proporcional à distância entre elas.Portanto, previa que o desvio para o vermelho de uma galáxia devia serdiretamente proporcional à distância a que se encontra de nós, exatamente comoHubble descobriu. Apesar do êxito deste modêlo e da sua predição dasobservações de Hubble, o trabalho de Friedmann permaneceu muito tempodesconhecido no Ocidente, até serem descobertos modêlos semelhantes em 1935pelo físico americano Howard Robertson e pelo matemático britânico ArthurWalker, em resposta à descoberta de Hubble da expansão uniforme do Universo.__(7) Com mais verosimilhança um balão na superfície do qualse colam papelinhos representando as galáxias a serinflado. Tal como asheterogeneidades ou irregularidadesdo Universo, os papelinhos não sofrem a inflação (*N. doR.*).__Embora Friedmann tenha descoberto apenas um, há de fato três modêlosdiferentes que obedecem às suas duas suposições fundamentais. O primeiro é umuniverso que se expande suficientemente devagar para que a atraçãogravitacional entre as diferentes galáxias provoque abrandamento eprovavelmente paragem da expansão. As galáxias começam então a mover-seumas em direção às outras e o universo contrai-se.(Fig. 3.2)A Fig. 3.2 mostra como a distância entre duas galáxias vizinhas se modifica àmedida que o tempo aumenta. Começa em zero, aumenta até um máximo edepois diminui novamente até zero. O segundo modêlo descreve um universo quese expande tão rapidamente que a atração gravitacional nunca pode parar aexpansão, embora a faça abrandar um pouco.(Fig. 3.3)A Fig. 3.3 mostra a separação entre galáxias vizinhas neste modêlo. Começa azero e depois as galáxias acabam por se afastar a uma velocidade constante.Finalmente, existe uma terceira espécie de solução, na qual o Universo seexpande apenas à velocidade suficiente para evitar o colapso.(Fig. 3.4)Neste caso, a separação, ilustrada na Fig. 3.4, também começa em zero e vaisempre aumentando. Contudo, a velocidade a que as galáxias se afastam umasdas outras torna-se cada vez menor, embora nunca chegue a alcançar zero.Uma característica notável da primeira espécie de modêlo de Friedmann é o fatode o Universo não só ser infinito no espaço, mas o espaço não apresentarquaisquer fronteiras. A gravidade é tão forte que o espaço é encurvado sobre sipróprio, o que o torna bastante semelhante à superfície da Terra. Se uma pessoaviajar continuamente em determinada direção na superfície da Terra, nuncachega a uma barreira intransponível nem cai da extremidade; acaba, sim, porvoltar ao ponto de partida. No primeiro modêlo de Friedmann, o espaço éexatamente assim, mas com três dimensões em vez das duas da superfície daTerra. A quarta dimensão, o tempo, também é finito em extensão, mas é comouma linha com duas extremidades ou fronteiras, um começo e um fim. Veremosmais tarde que, quando se combina a relatividade geral com o princípio daincerteza da mecânica quântica, é possível que tanto o espaço como o temposejam finitos sem quaisquer extremidades ou fronteiras.A idéia de que se pode andar à volta do Universo e voltar ao ponto de partidaoriginou boa ficção científica, mas não tem grande significado prático, porquepode demonstrar-se que o Universo voltaria ao tamanho zero antes de seconseguir dar a volta. Seria preciso viajar mais depressa do que a luz para sevoltar ao ponto de partida antes de o Universo terminar, o que não é possível!Na primeira espécie do modêlo de Friedmann, que se expande e depois colapsa,o espaço é curvado sobre si próprio, como a superfície da Terra. É, portanto,finito na sua extensão. Na segunda espécie de modêlo, que se expande parasempre, o espaço é encurvado ao contrário, como a superfície de uma sela.Portanto, nesse caso, o espaço é infinito. Finalmente, na terceira espécie demodêlo de Friedmann, em que o Universo se expande à taxa crítica, o espaço éplano (e, portanto, também infinito).Mas qual é o modêlo de Friedmann que descreve o nosso Universo? Será que estevai alguma vez parar de se expandir e começar a contrair-se, ou expandir-se-ápara sempre? Para responder a esta pergunta, precisamos de saber qual é a taxaatual de expansão (8) do Universo e a sua densidade média. Se a densidade formenor que certo valor crítico, determinado pela taxa de expansão, a atraçãogravitacional será demasiado fraca para deter a expansão. Se a densidade formaior do que o valor crítico, a gravidade suspenderá a expansão algures nofuturo e reconduzirá o Universo ao colapso.__(8) Optamos por traduzir desta forma, referindo-se oautor, numa linguagem acessível, ao parâmetro dedesaceleração, isto é, a menos de um sinal, àaceleração domovimento de recessão das partículas do fluido cósmico(*N. do R.*).__Podemos determinar a taxa de expansão atual, medindo as velocidades a que asoutras galáxias se estão a afastar de nós, recorrendo ao efeito de Doppler. Istopode conseguir-se com muita precisão. Contudo, as distâncias das galáxias não seconhecem muito bem, porque só podemos medi-las indiretamente. Portanto, tudoo que sabemos é que o Universo está a expandir-se à razão de 5 a 10% em cadamilhar de milhões de anos. No entanto, a nossa incerteza quanto à densidademédia atual do Universo ainda é maior. Se acrescentarmos as massas de todas asEstrêlas que podemos ver (9) na nossa galáxia e noutras galáxias, o total éinferior a um centésimo da quantidade necessária para fazer parar a expansão doUniverso, mesmo para o cálculo mais baixo da taxa de expansão. A nossa e asoutras galáxias devem, porém, conter uma grande quantidade de "matériaescura" que não podemos ver diretamente, mas que sabemos que deve existir,por causa da influência da sua atração gravitacional nas órbitas das Estrêlas nasgaláxias.__(9) Não esqueça o leitor que podemos ver através dostelescópios ópticos ou "ver" através dos radiotelescópiose contar as fontes de rádio (*N. doR.*).__Além disso, a maioria das galáxias encontra-se em aglomerados e podemos,assim, concluir que existe mais matéria escura por entre as galáxias nestesaglomerados pelo seu efeito no movimento das galáxias. Quando somamos todaesta matéria escura, continuamos a não obter mais do que um décimo daquantidade necessária para parar a expansão. Não devemos, porém, excluir apossibilidade da existência de outra forma de matéria, distribuída quaseuniformemente através do Universo, que ainda não detectamos e que pode aindaaumentar a densidade média do Universo até ao valor crítico necessário paraparar a expansão. A evidência atual sugere portanto que o Universoprovavelmente se expandirá para sempre, mas apenas podemos ter a certeza deque, mesmo que venha a contrair-se de novo, tal não acontecerá pelo menosdurante os próximos dez mil milhões de anos uma vez que tem estado a expandirsepelo menos desde há outro tanto tempo. O fato não deve preocupar-nos muito:entretanto, a não ser que tenhamos colonizado para lá do sistema solar, aHumanidade há muito que terá desaparecido, extinta juntamente com o nossoSol! Todas as soluções de Friedmann têm a característica de, em certo momentono passado (entre dez e vinte mil milhões de anos), a distância entre galáxiasvizinhas dever ter sido zero. Nesse momento, a que chamamos **big bang**, adensidade do Universo e a curvatura do espaço-tempo teriam sido infinitas.Como a matemática não pode realmente lidar com números infinitos, istosignifica que a teoria da relatividade geral (em que se baseiam as soluções deFriedmann) prediz que há um ponto do Universo onde a própria teoria falha. Esseponto é um exemplo daquilo a que os matemáticos chamam uma singularidade.De fato, todas as nossas teorias científicas são formuladas na suposição de que oespaço-tempo deve ser liso e quase plano, de modo que falham na singularidadedo **big bang**, onde a curvatura do espaço-tempo é infinita. Isto significa que,mesmo que tivesse havido acontecimentos anteriores ao **big bang**, nãopoderíamos utilizá-los para determinar o que veio a acontecer depois, porquetudo o que se previsse falharia no momento do **big bang**. Do mesmo modo,se, como é o caso, sabemos apenas o que aconteceu desde o **big bang**, nãopodemos determinar o que aconteceu antes. Tanto quanto sabemos, osacontecimentos antes do **big bang** não podem ter quaisquer conseqüências,pelo que não devem fazer parte de um modêlo científico do Universo. Devemos,portanto, exclui-los do modêlo e dizer que o tempo começou com o **bigbang**.Muitas pessoas não gostam da idéia de o tempo ter um começo, provavelmenteporque isso cheira muito a intervenção divina. (A Igreja Católica, pelo seu lado,agarrou-se ao modêlo do **big bang** e, em 1951, afirmou oficialmente queestava de acordo com a Bíblia). Houve, por isso, algumas tentativas para evitar aconclusão de que tinha havido um **big bang**. A proposta que obteve maisadeptos foi a teoria do estado estacionário. Foi sugerida em 1948 por doisrefugiados da Áustria ocupada pelos nazistastastas, Hermann Bondi e ThomasGold, juntamente com um inglês, Fred Hoyle, que tinha trabalhado com eles nodesenvolvimento do radar, durante a guerra. A idéia advogava que, enquanto asgaláxias se afastavam umas das outras, novas galáxias estavam constantemente aformar-se nos intervalos, a partir de nova matéria em criação contínua. OUniverso, portanto, pareceria mais ou menos sempre igual em todos osmomentos do tempo e em todos os pontos do espaço. A teoria do estadoestacionário exigia uma modificação da relatividade geral que permitisse acriação contínua de matéria, mas a taxa de criação era tão baixa (cerca de umapartícula por quilómetro cúbico por ano) que não entrava em conflito com aexperiência. A teoria era cientificamente boa, no sentido descrito no capítuloprimeiro: era simples e permitia predições definidas que podiam ser testadas porobservação. Uma dessas predições era que o número de galáxias, ou objetossemelhantes, em dado volume do espaço seria o mesmo donde e quando querque se olhasse para o Universo. No fim dos anos 50 e no princípio dos anos 60 foifeito um levantamento das fontes de ondas de rádio do espaço exterior, emCambridge, por um grupo de astrônomos dirigidos por Martin Ry le (que tambémtinha trabalhado com Bondi, Gold e Hoy le no radar, durante a guerra). O grupode Cambridge mostrou que a maior parte das fontes de rádio se situava fora danossa galáxia (na realidade, muitas podiam ser identificadas com outras galáxias)e também que as fontes fracas eram em muito maior número do que as fortes.Interpretaram as fontes fracas como sendo as mais distantes e as fortes como asmais próximas. Além disso, parecia haver menos fontes por unidade de volumede espaço no caso das fontes próximas do que no caso das distantes. Isto podiasignificar que estávamos no centro de uma grande região no Universo em que asfontes são menos do que em outra parte qualquer. Ou, alternativamente, podiasignificar que as fontes eram mais numerosas no passado, no tempo em que asondas de rádio partiram na nossa direção, do que são agora. Qualquer dasexplicações contradizia as predições da teoria do estado estacionário. Além disso,a descoberta da radiação de micro-ondas por Penzias e Wilson em 1965 tambémindicava que o Universo devia ter sido muito mais denso no passado. A teoria doestado estacionário teve, portanto, de ser abandonada.Outra tentativa para evitar a conclusão da existência do big bang e, portanto, umcomeço do tempo, foi realizada por dois cientistas russos, Evgenii Lifshitz e IsaacKhalatnikov, em 1963. Sugeriram que o big bang podia ser uma peculiaridadeapenas dos modêlos de Friedmann, que afinal não passavam de aproximações aoUniverso. Talvez, de todos os modêlos que eram mais ou menos parecidos com oUniverso, só o de Friedmann contivesse a singularidade do big bang. Nos modêlosde Friedmann, as galáxias movem-se todas afastando-se diretamente umas dasoutras, pelo que não admira que em algum momento no passado estivessemtodas no mesmo lugar. Contudo, no Universo, as galáxias não estão apenas amover-se afastando-se diretamente umas das outras: apresentam tambémpequenas velocidades laterais. De maneira que, na realidade, não precisavam deter estado todas exatamente no mesmo local, mas apenas muito perto umas dasoutras. Então, talvez o atual Universo em expansão seja o resultado não de umasingularidade, mas de uma fase inicial de contração; quando o Universo colapsouas partículas que o constituíam não colidiram todas, mas passaram ao lado paradepois se afastarem umas das outras, produzindo a atual expansão. Como é quepodemos então afirmar que o Universo teria começado com o big bang? O queLifshitz e Khalatnikov fizeram foi estudar universos que eram mais ou menosparecidos com os de Friedmann, mas consideraram as irregularidades evelocidades aleatórias das galáxias no Universo. Mostraram que tais modêlospodiam começar com obig bang, embora as galáxias já não se movessemafastando-se diretamente umas das outras, mas afirmaram que esta possibilidadesó se verificava em determinados modêlos excepcionais em que as galáxias semoviam todas de certa maneira. Argumentaram que, uma vez que pareciamexistir infinitamente mais modêlos como o de Friedmann sem a singularidade dobig bang do que com ela, devíamos concluir que, na realidade, não tinha havidobig bang. Mais tarde, contudo, compreenderam que havia também muito maismodêlos como o de Friedmann com singularidades e em que as galáxias nãoprecisavam de se mover de uma maneira especial. Por isso, em 1970, acabarampor retirar as suas afirmações.O trabalho de Lifshitz e Khalatnikov foi válido porque mostrou que o Universopodia (10) ter tido uma singularidade, um big bang, se a teoria da relatividadegeral estivesse correta. Contudo, não resolvia a pergunta crucial: a relatividadegeral encerra a inevitabilidade do big bang, um início dos tempos? A respostasurgiu de uma abordagem completamente diferente do problema, apresentadapor um matemático e físico britânico, Roger Penrose, em 1965.__(10) Isto é, que apesar de os modêlos generalizados deFriedmann predizerem com toda a aproximação pretendida oUniverso atual, nomeadamenteos movimentos laterais dasgaláxias, outros modêlos mais elaborados conduzem-nostambém, para trás no tempo, à singularidade inicial (*N.doR.*).__Utilizando a maneira como os cones de luz se comportam na relatividade geraljuntamente com o fato de a gravidade ser sempre atrativa, mostrou que umaEstrêla que entra em colapso devido à própria gravidade fica presa numa regiãocuja superfície acaba eventualmente por contrair-se até zero. E como asuperfície da região se contrai até zero, o mesmo se deve passar com o seuvolume. Toda a matéria existente na Estrêla será comprimida numa região devolume nulo, de modo que a densidade da matéria e a curvatura do espaçotempose tornam infinitas. Por outras palavras, obtém-se uma singularidadecontida numa região de espaço-tempo conhecida por buraco negro.À primeira vista, o resultado de Penrose aplicava-se apenas às Estrêlas; nadatinha a ver com a questão de saber se o Universo teve ou não teve umasingularidade no passado. Contudo, na altura em que Penrose apresentou o seuteorema, eu era um estudante de investigação que procurava desesperadamenteum problema para completar a minha tese de doutoramento. Dois anos antestinham-me diagnosticado ALS, vulgarmente conhecida por doença de Gehrig, ouneuropatia motora, e tinham-me dado a entender que só tinha mais um ou doisanos de vida. Nessas circunstâncias, não parecia valer muito a pena trabalhar naminha tese de doutoramento, pois não esperava viver o tempo suficiente.Contudo, passados dois anos, eu não tinha piorado muito. Na realidade, as coisasaté me corriam bastante bem e tinha ficado noivo de uma excelente jovem, JaneWilde. Mas, para poder casar, tinha de arranjar emprego e, para arranjaremprego, precisava do doutoramento.Em 1965, tomei conhecimento do teorema de Penrose de que qualquer corpoque entre em colapso gravitacional tem de formar eventualmente umasingularidade. Depressa compreendi que, se se trocasse o sentido do tempo noteorema de Penrose, de modo a transformar o colapso numa expansão, ascondições do teorema manter-se-iam, desde que o Universo se comportasse, agrande escala e no tempo atual, mais ou menos como no modêlo de Friedmann.O teorema de Penrose mostrou que qualquer Estrêla em colapso devia acabarnuma singularidade; o argumento com o tempo ao contrário mostrava quequalquer universo em expansão semelhante ao de Friedmann devia tercomeçado com uma singularidade. Por razões técnicas, o teorema de Penroserequeria que o Universo fosse infinito no espaço. Nestas circunstâncias, puderealmente utilizá-lo para provar que só teria de haver uma singularidade se oUniverso estivesse a expandir-se suficientemente depressa para evitar entrar emcolapso (uma vez que só aqueles modêlos de Friedmann eram infinitos noespaço).Durante os anos seguintes, desenvolvi novas técnicas matemáticas para removeresta e outras condições técnicas dos teoremas que provavam que tinham deocorrer singularidades. O resultado final foi um trabalho produzido em conjuntopor Penrose e por mim, em 1970, que provou por fim que deve ter havido umasingularidade, contanto que a teoria da relatividade geral esteja correta e oUniverso contenha tanta matéria como a que observamos. Houve grandeoposição ao nosso trabalho, em parte dos soviéticos, por causa da sua fé marxistano determinismo científico, e em parte de pessoas que achavam que a própriaidéia de singularidade era repugnante e estragava a beleza da teoria de Einstein.No entanto, não se pode discutir realmente com um teorema matemático. Destemodo, no fim, o nosso trabalho foi geralmente aceite e hoje em dia quase toda agente admite que o Universo começou com a singularidade do big bang. Talvezseja irônico que, tendo eu mudado de idéias, esteja agora a tentar convenceroutros físicos que não houve na realidade qualquer singularidade no começo doUniverso; como veremos mais tarde, a singularidade pode desaparecer quandotivermos em conta os efeitos quânticos.Vimos neste capítulo como, em menos de metade de um século, se transformoua idéia que o Homem fazia do Universo, idéia formada durante milhares de anos.A descoberta de Hubble de que o Universo estava em expansão e a compreensãoda insignificância do nosso planeta na sua vastidão foram apenas o ponto departida. À medida que aumentavam as provas experimentais e teóricas, tornousecada vez mais claro que o Universo deve ter tido um começo no tempo, atéque, em 1970, isso foi finalmente provado por Penrose e por mim, com base nateoria da relatividade geral de Einstein. Essa prova mostrou que a relatividadegeral é apenas uma teoria incompleta: não pode dizer-nos como surgiu oUniverso porque prediz que todas as teorias físicas, incluindo ela própria, falhamno começo do Universo. Contudo, a relatividade geral afirma ser apenas umateoria parcial, de modo que o que os teoremas de singularidade mostramrealmente é que deve ter havido um tempo nos primórdios do Universo em queeste era tão pequeno que já não podíamos continuar a ignorar os efeitos depequena escala da outra grande teoria parcial do século XX, a mecânicaquântica. No princípio dos anos 70, então, fomos fôrçados a voltar as nossasinvestigações para uma compreensão do Universo, da nossa teoria doinfinitamente grande para a nossa teoria do infinitamente pequeno. Essa teoria damecânica quântica será descrita a seguir, antes de passarmos aos esforços paracombinar as duas teorias parciais numa única teoria quântica da gravidade.  

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⏰ Last updated: Jun 20, 2018 ⏰

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