capítulo 3 | inesperado

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   Havíamos chegado ao parque a poucos minutos e já tinha muitas coisas para ver. Todo o jardim era murado por cercas pintadas de branco, o gramado estava repleto de famílias em piquenique, cachorros com seus donos os guiando para um passeio, crianças choronas brigando e brincando — eu acho — no espaço infantil com brinquedos rústicos e casais com mangueiras tentando molhar um ao outro.
   Era tudo tão harmonioso, coisa que eu sentia falta em ver em meio a grande Manhattan, tudo o que se podia enxergar eram estagiários estressados saindo de táxis com uma enxurrada de papéis, cafés para entregar ao chefe e de telefone na mão checando o que estava acontecendo no mundo. Eu era um deles, o trabalho me ocupara tanto que eu não tinha mais tempo para sequer respirar, quanto menos passar um domingo em família ou com amigos me divertindo em qualquer lugar, era algo inalcançável para mim.
 
   Roxanne me pegou novamente olhando para o nada e distraída em outro mundo, então me deu uma estalada com os dedos dando sinal de que eu estava parecendo uma lunática parada no meio a um parque enquanto todos estavam fazendo algo.

— Ei, bobinha, quer jogar frisbee ou vai ficar aí pensando na morte? — Disse ela, segurando o frisbee com uma mão e com a outra a pousava sobre sua cintura com uma cara de "a madame vai vir ou não?" E provavelmente me desafiando para uma pequena competição entre nós duas.
   Naturalmente eu aceitei e tentei ao máximo fazer uma cara de amendrontadora, que sabia muito sobre como jogar.
  Ela me ganhou de 6x2 e passou a tarde inteira se gabando sobre isso, dizendo que iria me fazer pagar um shot de bebidas alcoólicas e caras para ela. Ela era realmente uma boa competidora que sabia se aproveitar de suas vitórias.
 

   Quando o dia já estava ficando escuro, Roxanne me arrastou praticamente pelos cabelos e disse que eu iria pagar a aposta no bar preferido dela, The Scubbers, que tinha uma pegada punk e indie ao mesmo tempo, a perfeita combinação entre estilo e cerveja, duas coisas que a loira adorava de paixão.

  Ficamos sentadas na cadeira de madeira fina do lado de fora enquanto as baterias da placa de néon com os dizeres "apenas divirta-se e fique nu" eram repostas pelo atendente principal do bar, que logo em seguida veio em nossa mesa e deu uma discreta piscadela para Roxanne, paquerando-a.
  Ela pediu a clássica Sex in the City, bebida que quase todos os solteirões da nossa faixa etária adoravam beber, enquanto que eu pedi uma vodka dupla com limão e fui engolida pelo olhar de Roxx, que desaprovou totalmente minha decisão.

   Depois de inúmeras vodkas misturadas com energéticos e outras coisas mais, Roxanne e eu já estávamos em estado de êxtase, quase esquecendo nossos próprios nomes.

— Kay, você está vendo esse carinha lindo do lado da nossa mesa? — disse Roxx, fitando o moreno de cabelos encaracolados e de olhos brilhantes cor de mel, que também a encarara, demonstrando interesse.
— Sim, ele é realmente muito bonito, por que não fala com...
E num brusco movimento, Roxanne dá um suave pulo da cadeira para levantar e para na mesa ao lado. Com postura e ombros esguios, ela diz oi segura e animada com a certeza de que seria respondida com o mesmo entusiasmo.
— Espero que você não seja tão inocente quanto parece com essa carinha. — disse ela, ainda investindo nas piscadelas e nas cantadas ousadas, quase envergonhando o rapaz.
— Não mesmo. — disse, dando um risinho de canto, mostrando indecência no olhar de quem estava sedento por um beijo de Roxanne. Não o culpara, já que a loira era realmente excitante e envolvente, qualquer um conseguiria cair no papo dela.

   E então como já esperava, alguns minutos depois os dois "pombinhos" já estavam se amassando no corredor do banheiro feminino, literalmente. As mãos de Roxx iam até lugares que não davam para ver a olho nu, uma vez que as mãos deles também iam além do permitido pela lei dos solteirões: Não passar da cintura.

  Eu estava sentada de costas para os dois mas sabia que era melhor se eu fosse embora. Quando fui dar meia-volta e ir, senti uma mão quente ser sobreposta sobre meu antebraço.
— Ei, senhorita furacão, aonde pensa que vai?— disse Roxanne, com a voz um pouco alterada e estridente.
— Vou embora...Mas por que senhorita furacão? — perguntei confusa querendo saber a origem do apelido, já que nunca fui chamada assim por ela.
— Primeiro, você vai ficar aqui! Segundo, você me lembra um furacão. Parece um vento sereno e inócuo que chega repentinamente e arrasta tudo e todos ao seu redor. Você é uma garota-furacão, conheço o tipo.
— Uau. — disse eu, surpresa com a afirmação clara mas ao mesmo tempo confusa pela comparação antes desconhecida por mim. — É um apelido inteligente.
— Eu sei, eu sou demais. Agora sente-se lá na nossa mesa, Kaya, e aproveite esse passe-livre black de bebidas que eu descolei com o gostoso da mesa cinco. — E então ela foi direto ao bar central e apresentou o cartão para o atendente, apontando o indicador para mim, provavelmente dizendo que eu era a companhia dela.
  
   E em um estalar de dedos, volta Roxx com uma bandeja repleta de bebidas exóticas ao meu ver, que não entendia muito sobre drinques.
— Hoje vai ser um porre e tanto, não acha, Senhorita Furacão? — disse ela, brincalhona, ainda com essa história de me chamar por esse apelido, que após umas duas vezes, me parece familiar.
— E a Senhorita Loirinha não acha que eu já bebi demais em dois dias e só me trouxe tragédia?

   E então ela permaneceu em silêncio e me olhou com aqueles olhos castanhos claros, que por incrível que pareça, me acalmavam em meio à tanta confusão em minha mente, como se nada tivesse acontecido, como se não houvesse trabalho, estresse, família e nem ninguém me pressionando a nada. Éramos apenas amigas nos divertindo sem rumo em um bar de estilo.
— Eu estou muito fora de mim, é o que as bebidas fazem, mas dessa vez eu acho que exagerei um pouco. — disse Roxx, que após algumas doses de Jack Daniel's Black Edition, afirmara estar alterada. E estava.
— Sabe, Furacão, você está sendo a única companhia que eu realmente me sinto confortável e que não me faz muitas perguntas.
— Digo o mesmo sobre você, Loirinha. Eu me sinto solta quando eu estou com você, não preciso me preocupar com mais nada.
— Isso está soando tão meloso, vamos parar. — disse ela, acompanhando meus risos escandalosos. Chegamos mais perto uma da outra para rirmos mais intensamente, como velhas amigas que não se viam há muito tempo.
— Você sente falta da sua casa, não é?
— Não muito, tudo o que me espera lá fora são papeladas não mexidas e gritos não ouvidos do meu chefe. Nada melhor que estar aqui tomando uísques que eu nunca ouvira falar com você.

  Roxanne parou e me encarou fixamente, provando que não havia nada melhor a fazer do que me olhar como se me devorasse por horas.
— Cara, as pessoas costumam falar que você é muito atraente? — disse ela, com uma pitada aparente de dúvida.
— Sinceramente não, mas te digo o mesmo. Você é realmente muito sedutora. — Tentei a encarar mas tudo o que eu conseguia era rir, cada vez mais, mostrando que tentar ser instigante não era minha especialidade.
— Agradeço o elogio, Senhora Furacão. — disse ela, com um sorriso que ofuscava todas as luzes do bar.
— Aproveitando a hora de elogios, preciso te dizer que seus olhos castanhos são os mais...

   E ali, sob luzes fracas de néon arroxeadas, ela chegou ainda mais perto de uma maneira não convencional a apenas amigos, interrompendo minha frase e simplesmente compelindo bruscamente e sem avisos seus lábios aos meus. Fechei meus olhos em um ato de costume, sentindo suas mãos frias na minha nuca. Em desespero me levantei rapidamente.
— Me dê licença, por favor.

  Corri para o banheiro feminino e me depus sobre a pia para lavar o rosto, dando pequenos tapinhas para tentar cair em si sobre o que acabara de acontecer. Não podia acreditar que as coisas soaram para este caminho e se tornaram tão confusas.
   Nunca havia beijado uma garota antes, mas mais do que nunca tinha a certeza que não era o que eu queria, não por agora. Não com a única pessoa que eu confiara desde que chegara em um lugar que eu não conhecia. Eu não queria que ela confundisse as coisas.

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poυr eɴ ѕαvòιr

  | notas da autora

Querido leitor, curtindo a história? Não esqueça de votar e comentar quando quiser.
Eu amo todos vocês.

Shippando muito? Não se esqueça que nem tudo é o que parece.
Até a próxima sexta com um capítulo digamos que...repleto de emoções.

— au revoir.

                

Trancada a Nove ChavesOnde histórias criam vida. Descubra agora