Adeus Vonking. Adeus Naid.

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Na manhã do dia seguinte, a gigante cabeça faminta e cansada que era a mansão dos Vonking se tornou um monte de destroços à céu aberto.


Todos os membros do Comitê da Boa-Convivência, alguns soldados e os dois ex-espiões, M'kang e Mirya estavam lá. Os tremores e relampagos esverdeados que vieram daquela região parece ter sido resultada pela mansão em pedaços. Os soldados foram mandados para buscarem o doutor Ivan Vonking — ou o que achassem de seu corpo — mas, depois de muito procurarem, não encontraram nenhuma pista de seu paradeiro. A única coisa que encontraram que parecia lhes dar um norte eram manchas de sangue no chão de seu laboratório, mas este não levou-os à lugar nenhum.


Enquanto a maioria dos membros do comitê olhava para o que sobrou do laboratório — o cômodo mais misterioso de toda a construção, conhecido apenas por M'kang —, o jovem ex-aprendiz olhava para um brinquedo de cordinha com aparência de um camundongo com tristeza. Foi uma das primeiras máquinas feitas pelo jovem sem a ajuda do doutor.


—Eu sinto muito, M'kang. — Disse Mirya, que sentia mais por ele do que pelo doutor.


—NÃO TOQUE NISSO!


O grito veio de um dos membros do comitê, que impedia Kartly de mexer em um aparelho segurando seu braço mecânico.


—Eu só ia ver...


—Ficou louca?! Não sabemos o que pode ser isso!


Ignorando os gritos, M'kang se aproximou do aparato e, antes que alguém pudesse fazer algo para impedí-lo, ele apertou um botão. O disco preto que girava parou.


—É um gravador. — Disse o jovem. — Parece ter ficado ligado até agora.


E sem pedir licença ou ao menos ligar para a opinião de algum deles, M'kang colocou a palheta do aparelho no centro do disco.


—"M'kang" — Perguntou a voz de Ivan Vonking, que parecia cansada e um pouco triste. — "Oi... sou eu. Eu sei que tivemos... um dia difícil. No calor do momento, eu acabei dizendo coisas que eu não queria dizer. Eu fiquei furioso, sim, quando percebi que você estava trabalhando pro Comitê, mas depois de pensar bem, duvido que você tivesse tido algum opção. Então eu... eu não te culpo... e peço desculpas. Também peço desculpas por não ter te falado nada. Eu não queria que você se metesse em problemas.


"M'kang... você já ouviu falar da história de como meu pai chegou em Julgan? Todos dizem que ele apareceu numa noite de raios verdes e trovões que mais pareciam trombetas. Ninguém soube de onde ele veio ou o que fazia antes de vir pra cá. Bom, ele me contou a verdade. Disse que veio 'de outro mundo' e que o trovão verde o trouxe. O mundo que ele me descreveu era bem diferente do nosso. Na época eu não acreditei, óbvio, mas ele me mostrou suas pesquisas e, logo, eu comecei a entender um pouco melhor o nosso universo.


"Ou melhor, o nosso Multiverso.


"Depois de anos de pesquisa, eu finalmente descobri um jeito de interagir com os outros mundos. Aquele arco que você viu, M'kang. A minha 'Máquina de Raios'."


O rapaz olhou para onde estava o arco no pódio, mas tudo o que viu foi uma massa metálica amálgama, como se tivesse sido derretida e virado uma poça de metais antes de endurecer.


—"Ah, desculpe pela criatura de ontem. Eu à trouxe de um mundo aleatório e planejava dar fim nela, contudo fiquei intrigado e decidi estudá-la. Descobri da pior forma que a tranca da porta estava quebrada.


"Infelizmente, chegou a hora de eu partir. Consegui encontrar as coordenadas do universo-natal de meu pai. Quero saber como é lá. E eu não posso mais ficar aqui. Mesmo que você não conte nada pra ninguém, sua namorada — se é que era mesmo e não só uma desculpa pra você trazê-la — com certeza vai falar tudo para a Mallany. Então eu não tenho escolha se..."


Antes dele terminar sua frase, algo o fez se calar. Ouvindo com atenção, M'kang conseguia ouvir passos descalços no chão de madeira.


—"Quem é você?"


Ele ouviu um som estranhamente familiar, mecânico e rápido como o som de...


—"'Ivan Vonking, certo?'"


M'kang e Mirya tiveram um sobressalto. Embora aquela voz mecânica feminina fosse padrão para todas as máquinas de vozes no modo feminino, ambos sabiam que era a voz da máquina da misteriosa garota na tenda, Naid.


—"'Você transgrediu as leis de Granetho, usando os raios verdes sem ter comido O Fruto Sagrado. Sendo assim, eu terei que matá-lo.'"


O que se ouviu depois foram sons similares à chamas, tiros, esfaqueamentos e outros tipos de agressões físicas.


—"C-Como?" — Disse Vonking, perplexo. — "Como você ainda está viva? Que tipo de monstro é você?"


—"'Infelizmente, pra você, o pior. Lamento, mas já estou atrasada, então serei rápida'."


—"... o-o seu braço!... V-Você...!


Antes que terminasse, um alto som de mastigação de carne surgiu, seguido de um excruciante grito do doutor, enquanto dizia "MEU BRAÇO! MEU BRAÇO!" e depois, mais mastigação...


Silêncio.


E depois, sons de destruição e outros que lembravam labaredas sendo lançadas como jatos. Uma enorme cacofonia.


E silêncio outra vez.


Aquela foi a última vez que se ouviu falar na misteriosa Naid e no doutor Ivan Vonking. 

Nº de palavras: 870

A Máquina de Raios de Ivan VonkingWhere stories live. Discover now