Capítulo 52: O Jogo Mudou.

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Passado o choque inicial, Davi começa a se levantar, mas sente o corpo dolorido e desaba novamente no chão. Suas roupas estão imundas, bem como sua pele e cabelos, saturados por um pó acinzentado. Tenta limpar o rosto com as mãos, levantando no ar uma pequena nuvem de poeira, que logo lhe invade as narinas e a boca, ele tosse, sentindo a garganta seca e dolorida, percebe, então, que está morrendo de sede.

Amanda o ignora. Ela continua com o cristal de dados nas mãos, observando minuciosamente o dispositivo. 

Após tossir mais algumas vezes, Davi finalmente consegue sentar-se. Lembra-se dos últimos eventos: Maestro apontando a arma para eles, o estrondo, e a muralha caindo sobre ele e sobre Bel. Olha ao redor e reconhece o lugar, ainda está no Ninho do Gavião, mas a imponente fortaleza foi reduzida a um amontoado de pedras e metal. O que realmente aconteceu? Onde está Bel? E Maestro? E por que Amanda não o matou e não está usando armadura?

A cabeça de Davi volta a latejar, ele fecha os olhos e esfrega a testa, tentando fazer a dor passar. Abre os olhos e foca em Amanda, que agora o está encarando. Ele se assusta, afastando-se rente ao chão e sem tirar os olhos da inimiga. Então a observa melhor, notando que ela tem muitas avarias e machucados nos braços e pernas. Suas partes cromadas estão chamuscadas, o cabelo, cortado curto, também está impregnado com o mesmo pó cinzento. Ela veste apenas uma espécie de collant, rasgado em várias partes, e está descalça. Não lembra, nem de longe, a ciborgue letal que os caçou ferozmente desde Vix, porém, continua com mesma expressão ameaçadora de antes. Davi se recorda que o pátio estava cheio de soldados, e eles tinham muitas armas. Olha ao redor, mas nem sinal de corpos ou de alguma arma. Olha para trás, calculando o quanto vai precisar correr para escapar de Amanda.

-  Não precisa fugir, Vampiro. Não tenho motivos para lhe fazer mal, mas se tentar algo contra mim, não vou hesitar em neutralizá-lo.

Surpreso, Davi arregala os olhos.

- Co-como assim, não vai me fazer mal? 

- Minha missão acabou, e como pode ver, fui descartada pela VNR. 

Todos os eventos que aconteceram até aquele momento voltam a mente de Davi. A perseguição em Vix, o Templo, a fuga pelo deserto. Amanda sempre estava lá, implacável, uma máquina assassina que só iria parar quando capturasse Bel. É difícil acreditar que ela simplesmente desistiu. Ele olha para cada detalhe do corpo da ciborgue, tentando entender.

- O que aconteceu com você? Foi ...  foi aquela explosão?

- Sim. Mas isso é passado, não é relevante. 

- Mas você desistiu de nos matar? Desistiu de capturar Bel? Eu não entendo...

- Vou repetir, Vampiro, minha missão acabou. Para seu registro, fui traída pela VNR e eles pagaram muito caro por isso.

- A explosão? Foi você?

- Isso não é relevante. Escute. O cristal contém as coordenadas, as senhas e os esquemas de engenharia de uma base secreta. Não sei como você o conseguiu, mas é nossa única esperança de sobrevivência.

"Ela conseguiu acessar os dados, eu contava com a Bel para isso, mas o que ele quer dizer com..." 

- Nossa sobrevivência? Você pretende me levar junto? Não vou sair daqui sem antes encontrar Bel, o que você fez com ela?

Amanda franze a testa, irritada. Após alguns segundos, ela respira fundo e volta a falar:

- Captei o sinal do seu Datacrys. Rastreei o sinal até aqui e, quando estava me aproximando, uma nave saiu das nuvens e aterrissou. Muitos soldados, fortemente armados, eu não teria chance contra eles, não nesse estado em que estou. Os homens tiraram você e Bel dos escombros. O terrorista estava no meio do pátio, não foi atingido pela muralha, mas estava desmaiado e não pude ver se ainda respirava. Os soldados levaram os dois para a nave, e deixaram você em meio aos escombros. Por sorte, não te revistaram.

Davi começa a respirar de maneira ofegante, seu rosto se fecha, externalizando raiva. "Desgraçados, filhos da puta, traidores! Como puderam me deixar aqui nesse inferno!"

- Entendo sua ira. Como vê, estamos na mesma situação. O jogo mudou, mas ainda estamos jogando.

- Eu... eu tinha um contrato! Porra, eu tinha um maldito contrato!

- Agora, você só tem a mim. 

Perplexo, Davi olha para  Amanda. 

- O que você quer dizer com isso? Eu jamais imaginei que um dia teríamos uma conversa dessas...Você enlouqueceu? E aqueles porcos me traíram! Maestro foi um filho da puta...

- Vampiro, escute! Temos que cruzar a cidade e chagar até a garagem. Captei fontes de energia por lá, há boas chances de ainda existirem veículos funcionando. Temos que chegar até a garagem o mais rápido possível. Porém, minhas células de energia foram danificadas e estão no fim, e sem elas minhas partes cibernéticas vão parar de funcionar. Terei apenas mais alguns dias de vida,  e se eu morrer sua única chance de chegar ao abrigo morre também.

Davi respira ofegante, tenta recuperar a calma, então, após processar as palavras de Amanda, volta a falar:

- Ok. Mas o que eu posso fazer? Onde você vai conseguir células de energia? Isso aqui já era um inferno, e agora é um inferno em ruínas!

- Acalma-se. A minha nave, o Fantasma, possui uma carga de peças de reposição. Infelizmente ela foi derrubada pelo exército de Nova Esperança, porém, os contêineres de carga são extremamente resistentes, e devem estar intactos. A nave caiu nas proximidades da garagem. Vai ser nossa primeira parada. 

- De novo: E eu? Onde eu entro nisso? 

- Você terá que substituir as células. Não posso fazer isso sozinha. Em troca, protegerei você até chegarmos ao abrigo. Lá poderemos descansar. De acordo com os esquemas, existe uma antena de comunicação bem potente. Talvez possamos adaptá-la e pedir ajuda. Talvez você possa voltar para Vix ou outro lugar civilizado, mas primeiro precisamos chegar ao abrigo, e para isso precisamos de um veículo e de minhas células de energia. Como pode ver, você só tem uma escolha.

Davi respira fundo, processando as palavras de Amanda. Tenta pensar em alguma outra possibilidade, desconfiado dos planos da ciborgue, mas chega a conclusão de que ela está certa. Enfim, ele começa a se levantar, sentindo a perna doer.

- Eu preciso de água. Como você faz? Não sente sede?

Amanda se coloca de pé rapidamente. As engrenagens nas pernas dela produzem um som arranhado, como se as peças estivessem enferrujadas. Davi repara que , mesmo descalça, ela é bem mais alta do que ele, talvez mais de um palmo de diferença.

- Vamos, temos um longo caminho pela frente. Entre o Ninho do Gavião e Nova Esperança existe um campo de batalha e, com sorte, vamos encontrar armas, roupas e talvez comida por lá, temos que procurar nos blindados que resistiram à explosão, são poucos, mas creio que vamos dar sorte.

- Se você diz - responde Davi desconfiado. Então ele começa a seguir Amanda.






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