• Capítulo um •

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Alemanha
Interior de Sarre

1914

  Me sinto um bobo sentado aqui com as outras pessoas da minha idade, eles são tão chatos e crianças, enquanto eu sou tão inteligente e grande. Essas freiras são outras bobonas, como as outras crianças não gostam de mim elas sempre comem comigo ou brincam comigo, mas eu não quero brincar ou comer, eu quero ficar sozinho. 

Sozinho assim como vim parar aqui. Faz um mês que estou sozinho e meu corpo parece funcionar sem precisar que eu pense ou sinta. As freiras dizem que vou conseguir seguir em frente, mas elas também dizem que vou conseguir comer direito ou que vou fazer amigos. Bom, todos aqui me odeiam e a comida é péssima, enfim, essas freiras mentem bastante.

  Estava sentado no gramado bem verde do orfanato. Aqui é bem bonito parando para reparar, e bem simples também. Não é como se essa cidade tivesse muitas crianças sem pais, então as freiras cuidam muito bem do jardim e da casa, que tem só um andar. 

Elas pintam, consertam, constroem, fazem de tudo! Lembro que meu pai sempre me falou o quanto as mulheres são meio naturalmente burras, talvez as freiras são assim porque Deus deve ter mandado algum dom... Sinto falta do meu pai, ele era forte como um herói, ele não parecia gostar tanto da minha mãe mas sempre fez tanto por nós...

  E ele também dizia que só os pobres e fracos choram, então logo quando uma lágrima escorrega eu já limpo. Sou um homem agora, minha mãe não consegue mais me dar colo. As vezes me sinto sozinho por isso, também sinto que estou sempre pelado, sem nenhuma proteção. Mas a última coisa que ouvi do meu pai foi:

  - Se esconda filho, não fale seu nome para ninguém mas também nunca se esqueça dele! Quando isso acabar vá para a cidade e pergunte pelo O Lar da Criança Henrique Liebich. Agora você é um homem, aja como um! - lembro como se fosse ontem.

Não lembro qual foi a última coisa que ouvi de mamãe, acho que foi nada já que ela chorava bastante.

Afasto meus pensamentos quando as crianças gritam de espanto por conta de algo que aconteceu nessa peça com fantoches feitos de meias que as freiras estavam fazendo, como não prestava atenção, ignoro. 

Espero essa peça acabar e quando todas os meus colegas se levantam eu me levanto também, mas decido entrar no grande matagal que fica ao lado do jardim sem que as irmãs vejam. Estou ficando entediado. 

E ando bastante, depois de levar algumas galhadas na cara e quase cair no chão umas três vezes, finalmente vejo algo interessante. Uma casinha, tão pequena feita de madeira que acharia impossível ter mais que uma cama e uma mesa, mas o que verdadeiramente me chama é a garotinha sentada na porta. 

Parecia ser mais nova que eu, mas não parecia ser idiota igual meus colegas de orfanato. Suas sobrancelhas entregavam seu olhar preocupado, e de uma distância grande eu conseguia ver a profundidade dos seus olhos pretos, pretos iguais carvão que eram um contraste com o seu cabelo branco igual a de uma velha, mas não ficava bizarro, ficava lindo. Ela vestia uma roupa que parecia um saco de batata, mas isso não tirava sua graciosidade.

Mas o que me chamou a atenção foi sua pele, ela era anormalmente branca, e branca igual uma pérola. E também brilhava igual uma pérola, literalmente brilhava. 

- Quem é você? - Disse do meio do mato. 

E acho que assustei a garota, já que ela levanta na defensiva e agora parece mais brava. Me sinto culpado, mas afasto. 

- Eu que deveria dizer isso. - Ela diz olhando para aonde eu estava, mas ela não conseguia me ver, então seu olhar estava perdido. 

- Eu moro aqui, esse lugar pertence a mim, então gostaria de saber como uma pobre igual você esta fazendo aqui e não em casa. - Digo, levantando o queixo, embora ela não esteja vendo.

Ela abre a boca, claramente ofendida, e me arrependo depois, porém não demonstro. 

- Seu imbecil! Eu que moro aqui! Essa é a minha casa! - Ela grita, brava.

Nunca ouvi uma moça dizer essas palavras, muito menos criança, então me espanto. 

- Meninas não podem falar desse jeito. - digo saindo do meio do mato, enquanto faço minha expressão mais carrancuda possível. 

Mas ela faz o contrário, ao me ver sua expressão se suaviza, e ela olha curiosa. Me analisa durante muitos segundos antes de me responder. 

- Eu sou menina - ela passa as mãos pelo seu vestido-saco-de-batata, mas não envergonhada dele, somente o arrumando para a visita. - e eu falo desse jeito. 

- Você não tem medo de ter uma chuva forte e a sua casa cair? - pergunto, reparando o quanto a casa é delicada. 

- Tenho, quando venta ela mexe bastante, mas eu rezo todas as noites, sei que vai acontecer nada. - ela bate na parede da sua casa e sorri, corajosa. 

Fica um silêncio durante muito tempo, eu olhando ela e ela me olhando. A menina parecia complemente fascinada com minha presença, talvez seja porque eu sou um menino muito bonito, deve estar apaixonada. Mas antes de a questionar sobre isso decido fazer outra pergunta. 

- Por que sua pele brilha? 

Ela arregala seus olhos e fica triste, me sinto culpado por fazer uma pergunta como essa mesmo não vendo problema nenhum nela. Mas logo sua expressão fica brava novamente. 

- Porque ela é assim. - ela responde. - Eu pergunto o por que sua careca é tão redonda? 

Esfrego minhas mãos na minha cabeça, minha careca não é tão redonda assim. Mas antes de contestar ela me pergunta. 

- Qual é seu nome menino? 

- Elieser, mas me chama de Eli. - chego mais perto dela. - e você?

- Magda, mas me chama de Meg. 

O sorriso de Meg aparece novamente, mas ele se esconde depois de eu estender minha mão, que ela não aperta. Que menina mais mal-educada!

- Elieser! - ouço gritarem meu nome no meio do mato, era uma das irmãs. 

- Acho que tenho que ir. - coço minha orelha para esconder o constrangimento da menina não apertar minha mão. - Tchau Meg, venho te ver outro dia. - aceno. 

E ela acena de volta. 

Mas eu não volto outro dia, já que na manhã do dia seguinte o casal americano, Jack e Claire Willson, decidem ir adotar uma criança no Lar da Criança Henrique Liebich, decidem me adotar. Uma semana depois vou para a América. 

As irmãs diziam que era Deus me chamando, elas contaram que uma onda de destruição vinha para a Europa e que eu fui um dos sortudos poupados. Mas e Meg? 

Na hora nem dei importância, mas com o passar dos anos fui sentindo uma culpa tão grande até eu chegar a questionar se Meg foi realmente real ou somente uma alucinação de uma criança. 

E assim Meg se tornou um sonho, uma musa. 

Meg virou uma obra de arte.

Pellis ※Onde histórias criam vida. Descubra agora