Araguaína, julho de 2005
Já vai fazer uma semana que estou presa nessa cama. Estou a meia hora olhando para essa parede e me perguntando quem foi que teve a brilhante ideia de pintá-la com esse verde cor de vômito. Isso sem falar que não aguento mais ver um prato de sopa diante dos meus olhos.Estou desanimada e frustrada por estar perdendo minhas férias e toda a diversão. Sinto tanta falta da minha casa, da minha cama, da comida da mamãe...até de Luana eu sinto falta!
E de Vitória.
Minha melhor amiga não estava comigo quando comecei a passar mal, com dores perto do meu umbigo, ou quando comecei a vomitar, e nem quando tive que passar pela cirurgia de remoção de apêndice. Mesmo agora que estou em recuperação ainda não pude vê-la, ganhar um dos seus abraços que costumam me curar instantaneamente de qualquer coisa, ou pelo menos, me confortam um pouco. Queria a sua voz rouca perto de mim, contando mais uma de suas histórias infinitas, em que eu só ria por causa de sua empolgação em contá-las. Meu coração se aperta de saudades só de pensar no seu sorriso, e nos cachinhos brilhando no sol. Quase posso enxergá-la bem ali, olhando pela janela e dizendo "Olha Ninha, aquele passarim veio te ver!"
Balanço a cabeça para afastar esses pensamentos. Vitória só vai ficar longe por mais uma semana ou duas, tenho que parar de fazer drama. Já aguentei o mês quase todo sem ela, posso aguentar mais um pouco. Ela deve estar se divertindo tanto, passando esse tempo na fazenda dos seus tios, numa cidadezinha que eu sempre esqueço o nome e que fica do outro lado do Tocantins. Imagina só ela rodeada de um tanto de bichinhos, correndo no mato e nadando no rio? É a felicidade na forma mais pura.
Sorrio imaginando a cena. Por mais que esteja sendo insuportável passar tanto tempo sem ela ao meu lado, não tem como não sentir um pouquinho de alegria sabendo o quanto Vi deve estar se divertindo.
Me remexo com cuidado na cama, evitando fazer pressão sobre os pontos. Puxo o lençol azul até os ombros e fecho os olhos. O melhor que eu tenho a fazer nesses dias é dormir, então é exatamente isso que faço. Já estou quase pegando no sono quando ouço alguém bater à porta. Peço baixinho pra que não seja outro médico.
-Aninha, posso entrar?
Me empolgo ao reconhecer aquela voz. Me sento apressadamente ma cama, gemendo com a dor que esse movimento brusco me causa, e digo que pode entrar sim. Tia Isabel entra devagar no quarto, olhando para os lados até seus olhos repousarem em mim. Seu sorriso se abre bem largo, do jeitinho que costuma ser. Sorrio também, procurando esperançosa por alguém atrás dela. Mas não vejo Vitória, então imagino que talvez elas estejam fazendo uma surpresa pra mim, e minha melhor amiga vai aparecer a qualquer segundo pulando em mim e me abraçando, até que eu me sufoque. É tão a cara da Vi tentar me surpreender a qualquer custo que fico ansiosa para que ela entre de uma vez.
-Como cê tá se sentindo, Aninha?
Tia Isabel se senta ao meu lado na cama. Seu olhar carinhoso percorre o meu rosto, num gesto silencioso repleto de cuidados. Conto para ela detalhadamente como foram os últimos dias, da dor que eu senti até os médicos descobrirem do que se tratava. Disse que meus pais estavam sempre no hospital comigo, e minha mãe logo voltaria para passar a noite . Tia Isabel só assentia a cada palavra minha, e dava para perceber o quanto ela se preocupava comigo somente pela forma como seu rosto se contorceu e seus olhos se encheram d'água quando mostrei a cicatriz na parte inferior do meu abdômen. Era incrível como todos da família Falcão eram sensíveis e empáticos, fazia parecer fácil se colocar no lugar do outro. Minha amiga tinha esse dom. Não importava se era uma coisa simples como ralar um joelho caindo de bicicleta ou a morte do meu avô, Vitória sempre parecia sentir junto comigo, e ao mesmo tempo, era a única capaz de me sarar das dores.
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Com amor, Vitória
Fanfiction"Não importa quanto tempo passe, Ninha. Eu sempre vou te amar com toda a minha alma."