Capítulo 2.

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Uma coisa que devo esclarecer é que essa história não é sobre mim, e sim sobre a Lauren. Pode parecer estranho, já que contarei tudo sobre o meu ponto de vista, mas acredito que não seria justo eu lhe falar que essa história é sobre mim, porque ela não é. Por isso, irei compartilhar agora como nós nos conhecemos formalmente, e isso foi no meu aniversário de dezesseis anos.

Em datas especiais, o grupo não ia se encontrar na praia. A praia de sexta era suspensa e nós nos encontrávamos geralmente em alguma balada, porque a escolha era do aniversariante. Não era, é claro, limitado a aniversários. Uma vez, um dos nossos amigos conseguiu passar pra uma faculdade e nós decidimos comemorar. Como éramos muito novos, isso era um grande objetivo. Acredito que até hoje é, mas meio que nós extrapolamos um pouco. Passamos a noite inteira chamando-o de universitário, e dizendo que ele iria nos trocar pelo povo da faculdade. Ele passava a noite inteira, meio bêbado e meio sóbrio, garantindo à gente que ele nunca faria isso. E nós acreditamos, porque não pensávamos que algo poderia nos afastar, mas eventualmente as aulas começaram. Ele teve que crescer, não podia mais passar a noite conosco. Primeiro foi uma semana, depois a outra. Ele de vez em quando aparecia, quando tinha tempo, mas era raro. Eventualmente ele nunca mais voltou. Nós nunca mais nos vimos. Eu nem faço ideia de como ele está, muito menos lembro o curso que ele passou.

De todo jeito, devo voltar ao assunto. Meu aniversário. Nada de baladas, infelizmente, apesar de que uma hora o pessoal acabou indo. Sem mim. Eu escolhi passar o dia na casa de uma das nossas amigas que morava sozinha. Não sei como ela fazia isso, ela nem trabalhava, mas nós não falávamos sobre essas coisas. Dinheiro não era importante pra mim, principalmente. Lá, eu decidi que iria perder a virgindade enfim. A de alcool, quero dizer. Eu iria beber.

Perto das sete horas, todo mundo se juntou lá na casa dela. Acho que era Clarissa o nome dela. Nós nos juntamos na casa de Clarissa e começamos a conversar, jogar papo fora, algumas pessoas bebendo, outras fumando. Tinha até maconha, mas pedi pra pararem porque o cheiro era muito irritante pra mim. Nós estávamos nos divertindo, como sempre e eu passei a maior parte do tempo criando coragem para tomar aquele copo de vodka barata que estava em minha frente. O pessoal nem ao menos tinha condição de comprar uma vodka boa pra mim, mas para mim não me importava.

Eventualmente consegui. Com muita força de vontade, eu levantei do sofá em que eu e minhas duas amigas estávamos e caminhei em direção ao balcão da cozinha, onde a vodca estava. Peguei a garrafa e virei ela até encher o copo. Meu coração batia a mil por hora. Todo mundo olhava para mim com uma expressão que, mesmo eles estando calados, eu podia ouvir suas vozes gritando "bebe, bebe, bebe". Tomei um ar fundo e levei o copo até a minha boca, virando-o e sentindo aquela água quente descendo pela minha garganta e arranhando-a conforme descia. Eu tomei mais do que eu podia e por causa disso, assim que tirei o copo dos lábios, meu rosto provavelmente era a tradução fácil de arrependimento. A boca encolheu, os olhos também e tive que engolir fundo, sem saliva alguma, enquanto tentava me recompor e, ao mesmo tempo, todo mundo rindo de mim.

Enquanto eu estava levantando o copo, no entanto, eu pude ver, de relance, a Lauren. Ela não estava como todo mundo. Na verdade, a expressão dela mais parecia de confusão do que qualquer outra coisa. As sobrancelhas franzidas e segurava um copo, que estava em sua boca, mas parado, como se seu corpo todo tivesse parado para observar aquele espetáculo que estava prestes a acontecer.

Quando enfim terminei de engolir e meu rosto voltou a ser apresentável, Lauren não estava mais me olhando. Nem sei direito onde ela estava. Não prestei atenção, pois estava ocupada demais sentindo o líquido descendo pela minha barriga. Era uma sensação quente e estranha. Me perguntei naquele momento como alguém poderia beber. Como alguém poderia gostar de beber.

O problema é que era minha primeira bebida e mesmo com um gole, eu me senti um tanto, por falta de palavra melhor, solta. Lembro de ficar rindo de tudo e me sentir um pouco tonta depois de um tempo. Eu não tinha comido nada há muito tempo, então o efeito do álcool apenas piorou em meu corpo, deixando-me com um efeito de uma semi-bebada. Com um copo. Não foi um momento que me orgulho.

Com o tempo, o pessoal começou a sair. Um depois do outro, eles iam embora e eu comecei a me incomodar com isso. Era meu aniversário. Era meu aniversário...

Mas não comentei nada. Achava que seria indiscreto eu falar qualquer coisa, então apenas continuei com as minhas amigas, até que uma saiu e a outra foi junta. Do nada, eu estava sozinha. Haviam pessoas ao redor de mim, mas sentia que eu não conhecia ninguém. Eu me senti, mesmo que só um pouco, traída. Como se eu não fosse mais importante que um canto escuro e quente, com um monte de pessoas suadas e bêbadas se esfregando e passando herpes uma para a outra.

Okay, talvez até hoje eu guarde algum pouco de rancor disso.

Só que foi nesse dia que Lauren também ficou sozinha. Seus amigos haviam saído e ela não foi. Simplesmente não quis ir. Nunca entendi essa decisão dela, até porque eu não a conhecia nem tinha muito valor pra ela, mas ela continuou lá na festa até o último minuto, ou ao menos até eu ir embora. Até hoje eu acho que ela fez isso por educação, ou respeito, ou os dois. E por eu estar tão brava com todo mundo, isso me fez gostar um pouco mais dela.

Ela sentou ao meu lado, espontaneamente e pela primeira vez eu notei que seus olhos eram verdes. Ela sorriu e perguntou o meu nome, mesmo já sabendo.

"Camila", eu respondi, sorrindo de volta.

Crepúsculo das memóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora