Início da Busca

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Olho fixamente para o relógio. Observo cada movimento do ponteiro e eles parecem cada vez mais lentos, até que adormeço. Minha intenção era que, a partir das 00:00 hrs, minha vida zerasse junto com o relógio, e que a partir dos primeiros segundos renascesse em mim uma nova "eu". Não aconteceu, e só vim me dar conta ao ouvir minha mãe em seus gritos altos ao pé de meu ouvido, falando rapidamente e desesperadamente o quão eu estava atrasada para a preparação da busca, mas ao mesmo tempo me enchia de carícias e dizia o quão eu estava "crescida" e  quantas saudades iria sentir de mim. Depois desse meu despetar agoniado e aconchegante, olhei-me no espelho. Nunca me senti assim. Era meu aniversário, mas para mim, a visão que eu tinha de vida havia mudado. Não era "meu aniversário", era o começo da minha vida, a partir dali, daquele momento, de agora em diante. Meus pensamentos eram altos, mas eu tinha que me manter firme, afinal, eu já estava atrasada para tantas coisas que ainda tinha por fazer. A mala já estava pronta há dias, minha ansiedade não à deixou para última hora, então fui resolver outras pendências. Eu venho de uma família com uma boa condição financeira e, com a morte do meu pai, me ficou uma herança significativa. Ah...a morte do meu Pai! Mas não quero entrar em detalhes agora. Retornando ao assunto, eu tomei toda minha herança e mais alguns trocados que minha mãe generosamente me dera, separei para que assim, pudesse ter uma viagem "aconchegante". Viajarei por 20 países, o primeiro será a Alemanha, onde me hospedarei em Berlim.
Meu voo será as 18:00 hrs, chegarei as 17:00, para me poupar de qualquer situação de atraso. Está quase chegando a hora, minha mãe entra em meu quarto e desaba em lágrimas. Como conheço seu lado sentimental, eu a consolo e digo que em breve estarei de volta e que não há motivos para tantas lágrimas. Ela, porém, olhando em meus olhos, olhos esses que se enchem de tristeza e alegria, põe-se a falar o motivo de tantas lágrimas e, ao pegar em minha mão, mãos frias, diz o medo de perder tudo que lhe resta, pois o que a resta, sou eu. Eu sabia que ela falava da morte de meu pai, pois depois do acontecido, só restou nós duas, eu por ela e ela por mim, sempre. E eu entendi cada lágrima: era o medo da solidão e da perca que tomavam conta daquele coração em pedaços e por ironia o mais lindo coração que conheço. Tudo isso devastava seu interior e me devastou naquele momento. Mesmo com todo o amor que sinto pela minha mãe, eu tinha que ser forte. Ela me fez forte ao se reconstituir e falar que o que a consolava era minha coragem e que mesmo tão nova, eu era tomada de decisões; então me comparou a meu Pai.
Me despedi de minha mãe, e ela me acompanhou para as demais despedidas. Eu não tinha muito de quem me despedir. Comecei pelo carteiro sempre paciente, que vinha pegar e enviar todas as minhas cartas, todo bendito mês, a ele toda minha admiração (risos). Antes mesmo de sair de casa, ele já me esperava na porta. Com os olhos azuis de um garoto de 19 anos que trabalha desde os 10, repletos de lágrimas e uns chocolates na mão, veio em minha direção e me abraçou, abraço de quem sabia toda minha trajetória e desejava sorte, abraço de quem iria sentir saudades. Meu coração palpitou, o soltei e segui, com o adeus de Joaquim. Logo depois fui me despedir de dona Elza, mulher que cuidou de mim toda a minha infância e adolescência. Mulher cheia de virtudes a quem serei eternamente grata. Quando eu a vi me senti uma criança, como no dia que ela chegara, e hoje eu estou partindo. Dona Elza me abraçou e chorou em meu ombro, assim como eu chorava nos dela, a troca de personagens me tocou e me senti pequena, nos braços da grande Elza.
As últimas despedidas foram de minhas amigas de escola, eu não tive muitos sentimentos pois nunca fui uma adolescente convencional, apenas disse um Adeus, alguns abraços e fui.
Eu e minha mãe chegamos ao aeroporto justamente as 17:01, depois de um adeus, um beijo na testa e um "eu te amo" recíproco, eu senti que definitivamente eu seguiria sozinha e a solidão nunca me pôs tanto medo.
59 minutos apenas para mudar o destino de 20 anos. Lá vamos nós

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