Berlim

152 5 0
                                    

Ouvi a última chamada para o embarque, meus pés pareciam ter vontade própria enquanto me guiavam em destino ao avião, e meu coração seguia o mesmo embalo. Entrei, sentei. Eu olhava fixamente para o corredor enquanto as pessoas passavam, e ali, naquele momento, tudo transcendia. Não mais eram pessoas para mim, meus olhos extasiados as enxergavam como uma caixinha de sonhos ambulante, todas carregadas de propósitos. Tudo aquilo parecia ser maior do que todos, maior do que eu.
Ao meu lado, ninguém. A solidão dava sinais em cada momento até ali e eu os captava solenemente, sem qualquer temor ou ruído interno que por ventura viesse a escancarar o medo que eu tinha dela. Após alguns minutos, com o avião prestes a partir, a minha solitude inicial foi interrompida por uma senhora, que respirava fundo enquanto compartilhava com todos do voo que quase se atrasara. Sentou ao meu lado. Sua energia era contagiante e recarregou a minha quando, mesmo sem me conhecer, quis compartilhar um pouco de sua jornada até ali, naquele momento em que chegou. Ela me dizia -- com voz trêmula que entregava cansaço e saudade -- que seu marido estava implorando para que ela ficasse um pouco mais, e com ar de risos disse que ele era muito insistente porque o amor causa isso nas pessoas. Eu parei e refleti naquela história. Ela percebeu que eu não estava mais ali, que eu comecei a levantar voo antes mesmo do avião, perdida e embarcada em sua história. É que ela falava do amor com muita propriedade, como quem o conhece por completo, enquanto eu o busco no mínimo. Perguntou-me, então, por que eu fiquei tão pensativa, e eu contei toda a história a ela, desde o início até o presente momento que eu me indaguei sobre os efeitos do amor. Quando terminei, com os repletos de lágrimas, me falou:
- "Você está indo em busca de uma terra desconhecida, moça, mas não se assuste. O amor pode causar efeitos inimagináveis nas pessoas, sejam eles bons ou ruins. O amor se trata de sentir em excesso tudo que o outro te traz: seja paz, beleza, autoestima, descobertas e as famosas borboletas no estômago a cada encontro. Apenas deixe que o próprio amor te ensine o que é amor."
Eu senti todas essas palavras fixarem meu coração, como quando se escuta os passos da chegada de uma pessoa amada no corredor de casa. Aprendi com aquela então desconhecida as primeiras coincidências do amor.
Depois desse turbilhão de pensamentos, e de uma longa viagem, eu finalmente cheguei em Berlim. Assim que desci do avião e pus meus pés no chão, dei a mim mesma, o grito de largada. Enquanto chamava um táxi, eu observava a beleza que ali havia, em tudo e todos. Sentia nesse primeiro destino, a chegada de uma primeira versão de mim.

Todas as cartas que te escrevi.Onde histórias criam vida. Descubra agora