8 | O Corcunda

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NUMA NOITE DE VERÃO, alguns meses após meu casamento, eu estava sentado ao pé da minha lareira, fumando um último cachimbo e cabeceando sobre um romance, pois tivera um dia de trabalho exaustivo. Minha mulher já subira, e o ruído da tranca da porta do vestíbulo, algum tempo antes, me dissera que os empregados também já haviam se recolhido. Eu me levantara da poltrona e batia as cinzas do meu cachimbo quando ouvi de repente o toque da campainha.

Olhei o relógio. Faltava um quarto para meia-noite. Não podia ser uma visita em hora tão tardia. Um paciente, é claro, e talvez um que passaria a noite toda no meu consultório. Com uma careta, fui ao vestíbulo e abri a porta. Para meu espanto, dei com Sherlock Holmes no patamar.

"Ah, Watson", disse ele, "estava com a esperança de que não seria tarde demais para pegá-lo acordado."

"Meu caro amigo, entre, por favor."

"Parece surpreso, e não é de admirar! Aliviado, também, suponho! Hum! Então ainda fuma a mistura Arcadia dos seus tempos de solteiro? Essa cinza fofa no seu paletó é inconfundível. É fácil perceber que você teve o costume de usar uma farda, Watson; nunca passará por um civil puro-sangue enquanto conservar o hábito de manter seu lenço na manga. Pode me hospedar por esta noite?"

"Com prazer."

"Você me disse que tinha aposentos de solteiro para um, e vejo que não está recebendo a visita de nenhum cavalheiro no momento. Pelo menos é o que diz sua chapeleira."

"Vou me sentir encantado se ficar."

"Muito obrigado. Então vou ocupar um gancho vazio. Lamento ver que você teve um operário britânico em casa. Nenhum entupimento, espero?"

"Não, o gás."

"Ah! Ele deixou duas marcas de tachas das suas botas no seu linóleo, exatamente onde a luz bate. Não, obrigado, comi alguma coisa em Waterloo, mas fumarei um cachimbo com você com prazer."

Passei-lhe minha tabaqueira, ele se sentou em frente a mim e fumou durante algum tempo em silêncio. Sabendo que só um assunto de importância o teria levado a me procurar àquela hora, esperei pacientemente até que se decidisse a abordá-lo.

"Vejo que, profissionalmente, você tem andado bastante ocupado", disse, lançando-me um olhar arguto.

"É verdade, tive um dia agitado", respondi. "Posso parecer muito tolo a seus olhos", acrescentei, "mas realmente não sei como deduziu isso."

Holmes deu uma risadinha consigo mesmo.

"Tenho a vantagem de conhecer seus hábitos, meu caro Watson", disse. "Quando sua ronda é curta você vai a pé, e quando é longa, usa um hansom. Como noto que suas botas, embora usadas, não estão de maneira alguma sujas, não posso duvidar de que você anda agora ocupado o suficiente para justificar o hansom."

"Excelente!" exclamei.

"Elementar", disse ele. "É um desses casos em que a pessoa que raciocina pode produzir um efeito que parece notável aos olhos do vizinho porque este deixou de perceber o pequeno detalhe que foi a base da dedução. O mesmo pode ser dito, meu caro amigo, do efeito de algumas dessas suas pequenas narrativas, que é inteiramente falso, uma vez que depende do fato de você nunca revelar ao leitor alguns fatores do problema. Mas no momento estou na posição desses leitores, pois detenho nesta mão vários fios de um dos mais estranhos casos que alguma vez desnortearam o cérebro de um homem; no entanto, faltam-me mais um ou dois, indispensáveis para que minha teoria se complete. Mas eu os terei, Watson, eu os terei!" Seus olhos se iluminaram e um leve rubor brotou em suas faces magras. Por um instante suspendera-se o véu que encobria sua natureza ardente, intensa; mas só por um instante. Quando o olhei novamente, seu rosto reassumira a impassibilidade de um pele-vermelha, que levava tantos a considerá-lo uma máquina e não um ser humano.

As Memórias de Sherlock Holmes (1894)Onde histórias criam vida. Descubra agora