3 | A Face Amarela

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AO PUBLICAR ESTES breves relatos baseados nos muitos casos em que os singulares dons de meu companheiro transformaram-me no ouvinte de dramas estranhos, e até no ator de alguns deles, é mais do que natural que me detenha mais em seus sucessos que em seus fracassos. E isso não tanto no interesse de sua reputação — porque, na realidade, era quando Sherlock Holmes estava numa situação desesperada que sua energia e versatilidade pareciam mais admiráveis —, mas porque, com muita frequência, nos casos em que fracassou ninguém mais teve êxito, e a história ficou para sempre sem uma conclusão. Vez por outra, contudo, ocorreu que, mesmo ali onde ele errou, a verdade acabou sendo descoberta. Tenho anotações de uma meia dúzia de casos desse tipo; a história da segunda mancha e esta que passo a narrar são as duas que apresentam as características de maior interesse.

Sherlock Holmes era uma pessoa que raramente praticava exercício por amor ao exercício. Conheci poucos homens capazes de maior esforço muscular, e ele foi sem dúvida um dos mais excelentes boxeadores de seu peso que já vi; mas o esforço físico sem objetivo parecia-lhe perda de energia, e raramente se agitava a menos que isso servisse a algum objetivo profissional. Nesse caso, era absolutamente incansável e diligente. Diante disso, é notável que se mantivesse em forma, mas sua dieta era geralmente a mais frugal e seus hábitos, simples no limiar da austeridade. Exceto pelo uso de cocaína, não tinha vícios, e só recorria à droga como um protesto contra a monotonia da existência quando os casos eram escassos e os jornais desinteressantes.

Um dia, no início da primavera, mostrou-se relaxado a ponto de ir dar uma caminhada comigo no Parque, onde os primeiros brotos de um verde pálido despontavam nos olmos e as folhas quíntuplas dos castanheiros mal começavam a eclodir de seus ramos úmidos. Perambulamos juntos por ali umas duas horas, a maior parte do tempo em silêncio, como convém a dois homens que se conhecem intimamente. Eram quase cinco horas quando regressamos a Baker Street.

"Com licença, senhor", disse nosso mensageiro, ao abrir a porta. "Esteve aqui um cavalheiro perguntando pelo senhor."

Holmes lançou-me um olhar de censura. "É no que dão seus passeios à tarde!" disse. "Então esse cavalheiro foi embora?"

"Sim, senhor."

"Não o convidou para entrar?"

"Convidei, senhor. Ele entrou."

"Quanto tempo esperou?"

"Meia hora, senhor. Era um homem muito inquieto, não parou de andar de um lado para outro o tempo todo que passou aqui. Como eu estava esperando do lado de fora, junto à porta, podia ouvi-lo. Finalmente ele saiu pelo corredor, gritando: 'Esse homem não vai chegar nunca?' Usou estas palavras mesmo, senhor. 'Espere só um pouco mais', respondi. 'Então vou esperar ao ar livre, porque estou me sentindo meio sufocado', disse ele. 'Voltarei logo.' E lá se foi, de repente; nada do que eu disse foi capaz de segurá-lo."

"Bem, você fez o que podia", disse Holmes, enquanto entrávamos em nossa sala. "Mas isso é muito desagradável, Watson. Estou precisadíssimo de um caso, e, a julgar pela impaciência do homem, parece que esse era importante. Olhe só! Esse cachimbo sobre a mesa não é o seu. Ele deve tê-lo esquecido. Um bom e velho cachimbo de raiz de urze-branca, com um tubo longo do que os donos de tabacaria chamam de âmbar. Quantas boquilhas de âmbar verdadeiro haverá em Londres? Há quem ache que a presença de uma mosca no âmbar prova que é genuíno. Ora, introduzir moscas falsas em âmbar falso chega a ser um ramo especial de negócio. Bem, o homem devia estar muito perturbado para esquecer um cachimbo que evidentemente estima tanto."

"Como sabe que o estima muito?"

"Bem, eu calcularia o custo original do cachimbo em sete xelins e seis pence. Agora veja, ele foi consertado duas vezes, uma vez no tubo de madeira e uma vez no âmbar. Esses dois consertos, feitos, como pode observar, com ligaduras de prata, devem ter custado mais que o próprio cachimbo. O sujeito só pode estimar muito este cachimbo, se prefere remendá-lo a comprar um novo com o mesmo dinheiro."

As Memórias de Sherlock Holmes (1894)Onde histórias criam vida. Descubra agora