Acordou cedo, colocou o café na caneca... Pegou o jornal; observou que não havia nenhuma manchete, só as chamadas cheias de sangue, morte, drogas e um pouco do desenvolvimento da cidade. A cada página folheada, um gole de café compunha o automatismo de todas as manhãs. Resolveu parar na folha de desenvolvimento, para a sua surpresa os avanços expostos eram surpreendentes. Tão surpreendentes, que ele logo fez uma lista:
Virada Cultural;reforma da Lagoa do Paulino;reforma do Parque Náutico da Lagoa da Bela Vista;"reforma" de algumas praças;novas sinalizações de transito e radares;recapeamento de algumas vias públicas;obras de reforma da margem do Córrego do Diego;captação das águas do Rio das Anciãs;Após terminar a lista, ficou em uma postura tão pensativa que fazia jus a uma das obras de Auguste Rodin, cena que só foi quebrada por um discurso cheio de vigor e esperança não vista há muito tempo naquela figura.
– Até que fim o progresso chegou! E vou me esbaldar nele depois do serviço, #PARTIUPRAVER!
...
Final do expediente... A labuta do dia já resolvida. Pegou o smartphone, ligou o pacote de dados e foi direto para o Zap Zap. Entrou em contato com seu amigo Saulo, um músico de renome na cidade.
Após a breve conversa, ticou o primeiro item da lista e ficou de prontidão para ver os outros. Um de oito não faz mal, pensou rapidamente, pior sete de oito! Um breve e quase imperceptível sorriso saiu de seu rosto. Ainda na internet, pesquisou os jornais da cidade no banco de dados do Calaméo. Pois teve uma lembrança sobre a reforma da Lagoa do Paulino, a obra ficou parada por meses.
A lembrança foi tiro e queda, e a pesquisa lhe rendeu o final daquele quebra-cabeça, a reforma não foi feita, pois a empresa que venceu a licitação não conseguiu terminar a obra por falta de verbas próprias e após meses outra empresa tomou-lhe o lugar. O empreito realizado quase que por ambas consistiu em: esvaziar um pouco a lagoa e trocar os bancos que só necessitavam de uma reforma de alvenaria. Infeliz com o resultado desligou o pacote de dados e seguiu para o estacionamento.
Pagou o estacionamento, pegou as chaves do carro e foi tomar um sorvete no Parque Náutico da Lagoa da Bela Vista. Já com o sorvete na mão tomou um susto, o piso do palco central foi trocado pela segunda. Andou um pouco e observou que as únicas mudanças reais eram: o fim do Mini Zoológico que se transformou em área de prática de esportes radicais, a duas trocas de piso do palco central, a falta de "uns" bancos, uma nova mão de tinta e a feira popular no domingo.
Terminou o sorvete, a única coisa que era doce no amargo que sentia ao perceber o roubo. Entrou dentro do carro e resolver voltar por um caminho diferente do habitual, refletiu: mudanças fazem bem pra mente. Girou a chave, prosseguiu viajem. A primeira coisa que achou no novo caminho, foi um senhor quebra-molas; que se não fosse um pouquinho mais baixo daria para um caminhão passar sem relar o eixo. Mais à frente pode observar que as placas de sinalização prevista para a Copa do Mundo foram instaladas, percebendo o Padrão FIFA da coisa!
Em um momento de distração quase tomou uma multa por excesso de velocidade, já que, não sabia do novo radar instalado no final da ladeira. Chegou em casa!
...
Desnorteado...
Pegou sua bicicleta e resolveu dar uma volta pelo bairro, notou que algumas ruas foram recapeadas e outras não. Lembrou-se que poucas das principais vias tiveram urgência no serviço e que nas demais possivelmente residia alguém "importante".
Seguiu em direção à praça, cruzou as margens em reforma do Córrego do Diego. Observou que vários caminhões de terra eram retirados, um pouco mais a frente viu as obras de captação de água do Rio das Anciãs e seu único pensamento foi: será mesmo rio vai dar conta da demanda de água, já que a fabricante de cerveja estava consumindo 60% de água do município, ocasionando a seca da Lagoa Crescida e o desabastecimento em vários bairros.
Chegou à praça, não encontrou nenhum amigo. E o que pode perceber foi que a dita reforma não passou de uma mão de tinta, gramado novo e a reforma da tela da quadra. Nenhum serviço na parte de alvenaria, objeto essencial da reforma de uma praça velha e cheia de buracos. Seguiu para outra pracinha sem quadra e notou as mesmas coisas. Desistiu do passeio, voltou para a casa. Em meio a isso percebeu um outdoor com o título "Obras no Grotão do Bairro Israel", falou em voz alta consigo mesmo e qualquer um que o visse o episódio pensaria seriamente em loucura ou telecomunicações.
– Não faço a mínima ideia de on..., – interrompido pela cena de um dos caminhões do Córrego do Diego que descarregava terra contaminada em um lote vago em sua rua. Ficou calado por um tempo, depois começou a fazer várias perguntas em voz alta para o vazio ou qualquer força superior que o pudesse responder.
– Onde está todo aquele desenvolvimento? Em qual mundo eles estão por dizer A e fazer B? As melhorias? ... ou será que eles vivem em uma Cidade Virtual?
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Cidade Virtual
RandomA vida moderna é cheia de problemas e desilusões que muito fingem não existir, por capricho, por inveja, ou por pura maldade. Com isso o mundo real deixa de existir e esses problemas só ocorrem no "mundo virtual". Os textos desta publicação tem a fi...