Julho, 2006
- Eu e você, Amy. Nós somos uma coisa só. - a voz macabra eriçava a pele pálida da garota, causando tremores involuntários.
Amy estava atônita, sua visão embaçada pelas lágrimas não conseguia focar em nada que estivesse na sua frente. Sentia as extremidades do corpo formigando pela ojeriza que invadia seus sentimentos.
- Pequena criança não chore..
Os ventos percorriam por entre as árvores -agora não possuíam mais vida, deixando um tom de morte por todo o local - aumentando o ar gélido que a presença maligna provocava. O dedo esquelético tocava suavemente na garganta da menina, analisando as marcas deixadas pelo estrangulamento.
- Era a única forma de romper o selo.- o mau cheiro deixava o estômago da criancinha embrulhado e a mesma relutava arduamente contra a vontade de vomitar. - E poder finalmente me aproximar..
Amy fechava os olhos com força, desejando arduamente ver sua irmã como nunca tinha feito antes. Sabia que ela estava com a mesma cobiça, podia escutar seus berros penosos dentro da sua cabeça.
- Se aproximar ? - Quase como um murmúrio saiu a voz dela. Apenas em pensar na sua irmã deu a ela uma coragem inexistente até alguns minutos atrás.
- Me parece que sua vida é banhada em mentiras, pequena Amy Morgan. - O olhar dele queimava sob a herdeira protegida por mais algum selo difícil de desfazer.
A expressão de desentendimento dominou o rosto da menina que agora olhava para ele com uma falsa coragem. Seu lábio inferior tremia levemente, contrariando o sentimento que ela tentava demonstrar.
- Eu não sou o único inimigo que rodeia sua vida. - se afastou, levando consigo a curiosidade infantil da menina.- E ele pode estar mais perto do que imagina.
A máscara em seu rosto obscurecia seus olhares profanos, que transbordavam ódio e loucura. Sua pele, cinzenta e decomposta, exalava um cheiro de podridão. Era possível ver alguns vermes rastejando por debaixo de alguns lugares mais conservados. A capa em farrapos que vestia fazia com que parecesse ser parte da noite ao soprar do vento.
E apesar de tudo, sua presença ainda assim aterrorizava bem mais que sua aparência.
A lua cheia iluminava o céu por entre as árvores numerosas que rodeavam a criança. Seus galhos retorcidos mais pareciam complementos do demônio que estava ali, fundido nas sombras que também os cercava.
- Posso ver o que irá acontecer durante sua jornada até o dia da sua morte - pronunciou com hostilidade, fazendo o único coração presente no lugar errar uma batida. - Dê para mim sua alma pela eternidade.
A garganta de Amy secara. Visto o terror que lhe assombrava de forma material. Seus olhos esquadrinhavam o cenário mórbido a sua volta, procurando uma fuga daquela diabólica realidade. Seu nervosismo estava em demasia, mas mesmo secando suas mãos na roupa seu desassossego discordava da ação, fazendo-a suar e tremular diante ao horror maldito em sua frente.
- Eu.. não..- balbuciou, sentindo a coragem morrendo em sua garganta, a deixando engasgada pelas palavras não ditas.
- Não ? Será que a Nina me daria ? - perguntou provocante.
Amy fechou a mão com força, sentindo as unhas ferindo a palma de sua mão. Os nós dos dedos brancos por tamanha intensidade que fazia. O ódio tomava conta de seu coração manchado desde o nascimento.
- Não toque na minha irmã ou eu termino de acabar com você. - Dizia entre dentes, notando a adrenalina correndo em suas veias.
- Está fora da sua capacidade fazer isso. Vocês irão se encontrar de novo? - indagou despretensioso, sabendo que deixara a menina curiosa mesmo ainda notando todo sua ira emanando.
Mas antes que Amy pudesse cuspir a fúria que sentia, a voz embargada de sua irmã gritando seu nome a deixou desestabilizada, esquecendo totalmente da presença satânica.
- NINA ! - gritou para o vento, olhando para os lados atormentada, tentando encontrar de onde vinha a voz que a salvava de todos os males. Até dela própria.
- AMY - recebeu a resposta assim que viu sua irmã correndo na direção que estava. Os olhos azuis marejados estavam envoltos pela vermelhidão e inchaço.
Amy correu até sua salvadora, segurando seu corpo contra o dela com firmeza, desabando totalmente no chão enquanto escutava os batimentos cardíacos tão acelerados. Sua irmã apertava sua blusa com força, molhando a mesma com as lágrimas tão necessitadas no momento.
- Não chore, meu amor.- Doloroso. Essa é a palavra que descrevia o que Amy sentia ao ver sua irmã chorando tão desesperadamente por achar que a mesma estava morta.
Os olhos negros como a noite seguiram a entidade maligna que rodeava as irmãs Morgan como abutres rodeavam carcaças de animais mortos.
- Enquanto ela começar a ficar fria, pela última vez você vai tremer, até que se entregue. Vai lembrar de tudo. - Disse de forma ameaçadora antes de sumir na escuridão que o engoliu.
Sentiu um arrepio percorrer por toda sua coluna, a deixando com um gosto amargo na boca. Amy sabia que ninguém mais além dela poderia escutar a voz melancólica que invadia sua mente sem permissão. As perguntas apareciam aos montes, porém, sem nenhuma resposta.
Um suspiro de alívio chamou atenção da mais velha que olhou para trás, encontrando seus pais e avó que fitavam as duas com a culpa transbordando.
- Graças a Deus vocês estão bem.- Nossa mãe foi a primeira que falou algo. Meu semblante não era tão agradável e a minha atenção estava totalmente voltada na garotinha indefesa protegida entre meus braços.
Seguro minha irmã aninhada ao meu corpo ao mesmo tempo que levanto. Nossa vó tocou meu rosto, incerta se deveria ter ou não tomado essa atitude.
- Nós sabemos que devemos explicações, mas queríamos deixar claro que fizemos tudo apenas querendo o melhor para você. - disse baixo, como se contasse um segredo. - Não guarde rancor por isso.
Não respondo, apenas me afasto deles sem hesitar em nenhum momento, deixando claro pela minha fisionomia que eu não sentia rancor por eles nesse momento. Mágoa, raiva, era o que sentia.
Já longe deles o bastante para não ser incomodada , deixo as lágrimas lavarem meu rosto durante a caminhada para casa com a metade da minha alma nos braços.
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O problema de Morgan.
RandomNascida no interior da Itália, em uma pequena aldeia de agricultores, Amy Morgan não imaginava que sua vida iria mudar totalmente a partir de 1998. Fruto de um amor mantido desde a adolescência, Amy cresceu tendo sua irmã mais nova como sua preciosi...