Capítulo Dois

11 1 0
                                    


     - Oi, Emma.


Esfreguei os olhos duas vezes na esperança de não ter visto ele ali. Mas lá estava ele, ainda me observando, medindo minhas ações. Minha reação. Como se sondasse se devesse ou não fazer o que tinha vindo fazer, seja lá o que for. Mas meu cérebro não processou direito a presença de Marcus, de modo que nem mesmo eu sabia o faria nos próximos segundos.


- Esse remédio está me fazendo ver coisas...


Ou talvez estivesse perdendo o efeito.


Embora eu quisesse estar certa, eu sabia que ele estava ali e eu não podia fazer nada para expulsa-lo. Ele estava de volta e eu temia o que mais voltaria. Mas não queria acreditar que tudo voltaria a ser como antes. Não. Justo quando eu havia tido uma melhora considerável.

Não! Eu me recuso acreditar no que estou vendo.


- Eu não sou uma alucinação, Emma. E você sabe disso.


Eu sabia. Claro que eu sabia. Ele estava longe de ser uma alucinação. Finalmente tomei coragem para encarar seu olhos. Eram os mesmos desde a última vez que os vi. Mas expressavam outra coisa. Algo similar à compaixão. Pena. O cabelo estava do mesmo jeito: curto e bem aparado. Ainda usava a mesma roupa de sempre. A mesma que usava no dia em que foi assassinado.


Suspirei profundamente. Olhei ao redor, na tentativa de encontrar alguma câmera ou algo que entregasse o fato de eu estar, para todos os efeitos, falando sozinha.

Nada.


- Marcus... Você... - dei uma pausa, escolhendo as palavras. Não achei muitas - Você sumiu. Você... - voltei a encará-lo, com um quê acusatório - Você foi embora.


Ele me deu um sorriso amarelo, curvando os cantos da boca. Suavizando o olhar. Parecendo não se atingir por julga-lo.


- Eu não fui embora, Emma. E eu fiz o que era melhor para você. Sabe que não tem ninguém mais com que eu me importe além de você.


A confissão me fez engolir em seco e um nó se formou em minha garganta. De repente, era impossível sustentar o seu olhar e eu fiquei apenas encarando o chão. Mas não fazia sentido. Nada fazia sentido. Eu não tinha minhas lembranças nítidas na minha cabeça e já havia perdido a noção do tempo.


- Emma, - ele prosseguiu, vacilante - Você passou dois meses em coma depois do acidente. Quando acordou começou a surtar. - ele deixou os ombros cairem com pesar e deixou o corpo afundar na poltrona. - Nem mesmo eu pude acalmá-la. - disse, com uma certa culpa na voz, como se ele ainda se culpasse por isso.

Permaneci imóvel. Dois meses... Tanto tempo.

- Quando todos acharam que você sairia logo do hospital bem melhor... Você tentou fugir, dizendo que se não saisse de lá iria matar todo mundo. Depois de duas semanas...


A cada palavra que ele dizia minhas feições mudavam de desdenhosa para assustada. Aquilo era verdade. Foram os piores meses da minha vida. Eu já estava me recordando do que havia acontecido, tanto que Marcus nem precisou terminar a frase.


- Meus pais me internaram aqui. - completei.


Desde criança, eu tinha visões de aparições paranormais e ouvia vozes vindas da minha cabeça. Bom, que eu achava que estavam na minha cabeça. Depois que conheci Marcus, ele tentava me manter sã em relação a elas. Todas eram almas perdidas, almas que não encontraram o caminho para o outro plano. Eu nunca entendi isso. Agora, menos. Quando despertei, dois meses depois de um incêndio que me levou ao coma pela inalação de fumaça, comecei a ouvir gritos desesperados. Gritos que eu jamais tinha escutado. Gritos me incentivando a cometer suicídio e assassinatos. Me culpavam pelo acidente. Me culpavam pela morte da minha irmã.


Suportei cada pedido, sufoquei cada ordem. E enlouqueci. Eu era como uma porta de entrada para este plano para aqueles que não habitavam mais seus corpos. Mas só soube disso muito tempo depois, com a ajuda de Marcus.


Ele se levantou e se aproximou de mim à passos lentos, parou mantendo uma distancia segura. Ele não queria me assustar, só queria me fazer entender o que realmente tinha acontecido comigo. Me ajudar.


- Tentei aparecer em outros momentos, mas mesmo assim você não me via. Ainda não entendo porque você não conseguia me ouvir... E quanto mais alto eu falasse, pior você ficava, por isso resolvi me afastar por um tempo, até ter certeza de que você estaria melhor.

Fiquei calada. Desviei o olhar absorvendo tudo aquilo. Parecia mentira. Mas ele sabia o que me aconteceu. Viu. Minha cabeça doeu. Cocei a testa tentando afastar a dor.


Minha respiração ficou entrecortada. Senti o coração acelerar o ritmo. Eu não me sabia se era um delírio, ou se era real. Mas finalmente senti o peso de sua reaparição.


- E por que você voltou agora?

Ele me encarou intensamente. Ele até parecia estar vivo. Me senti presa ao seu olhar, que acompanhei enquanto ele voltava a se aproximar de mim. Ele ficou rígido, tenso. Inclinou a cabeça para lado e desviou o olhar. Fiz o mesmo. Fechei os olhos, sentindo as lágrimas se formarem por detrás de minha pálpebras.


- Por que eu te amo.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jul 07, 2018 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

O que você vê, Emma?Onde histórias criam vida. Descubra agora