O segredo de Anny

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     Ela saiu correndo para um pouco longe de mim e fez uma bolha com seu cabelo ao redor de si mesma, com certeza para chorar. Me senti horrível! Havia feito duas meninas chorar numa noite só. "Parabéns T- ... Cinzento, nota 10 em babaquice" pensei. Senti raiva e vergonha de mim mesmo – mais do que quando Anny descobriu, a pouquíssimo tempo atrás, que eu tinha sardas. Tomei uma decisão, possivelmente uma das mais importantes de toda a minha vida.

     Andei até a bolha azul-Royale ... hesitei por uns mínimos segundos. Se eu fizesse o que estava prestes a fazer, não tinha volta; suspirei de cansaço e frustração, porque estava sendo muito egoísta e ... insensível, e podem não acreditar em mim, mas sou muito sensível! Respirei fundo para falar com a voz mais calma, gentil e reconfortante que eu tinha:

— Anny ... por favor, saia daí.

— N-NÃ-O!! ME D-EI-XA EM P-P-PA-Z!!! — soluçou enquanto chorava rios e mais rios

— Por favor ... está totalmente certa! Não posso falar assim com ninguém ... independentemente de quem seja.

— PARA DE FINGIR!! — fungou, respirando pesadamente enquanto chorava mais e mais — Deve estar ADORANDO me ver assim!! Vai contar pra todo mundo o segredo da mais nova, idiota e desesperada!! PARE DE FINGIR SER LEGAL!!

     Aquelas palavras doeram em mim de uma forma horrível. Era assim que ela mesma se enxergava?! Era assim que ela pensava que eu agiria!? "Você quis que pensassem assim, tonto! Quis protegê-los!? Esse era o preço" pensei com meus botões, frustrado e melancólico:

— ... Eu nunca fui ... TÃO sincero em anos ... como estou sendo contigo agora ... — suspirei pesarosamente — Por favor ... saia daí, Anny ...

Muito lentamente, foi recolhendo seu cabelo. Estava em posição fetal, tentando parar de chorar, não escondendo o leve vermelho que cobria suas orelhas. Hesitante, sentei ao seu lado, mas não olhou para mim — mesmo sabendo da minha presença. Tentando ser legal, tive uma ideia; olhei para o céu e apontei para uma constelação:

— Olha que linda, essa é a do Cão. Será que eu acho as duas Ursas? Ganha quem achar primeiro!

— Por que está fingindo ser legal!!? — perguntou, ainda sem olhar para mim

— Não estou fingindo! Esse sou eu de verdade; que não aguentou ver como aquela porcaria de personalidade falsa te tratou e quer que se sinta melhor! — falei sendo muito sincero, tanto que até a minha voz parecia diferente

     Olhou para o céu, ainda não para mim. Tinha melancolia, culpa e medo na íris. Limpou algumas últimas lágrimas e sorriu muito fracamente:

— ... Esqueci que nem tudo foi tão ruim aqui ... o céu era a minha parte favorita ... me dava esperança de, um dia, voltar pra casa ... — confessou nostálgica

— ... Como foi que ... você caiu pela primeira vez?

     Fitou os dedos dos pés, muito borocoxô:

— ... É um segredo enorme ... não precisa guardar - ...

— Não preciso, mas posso e quero! Prometo não contar pra ninguém ... só se você quiser.

     Finalmente olhou para mim; seus olhos verde-gramado ainda brilhavam pelas lágrimas derramadas, mas ela sorria:

— ... Quando alguém da turma quer que guardemos algum segredo, passamos o indicador de uma extremidade à outra da boca e dizemos "morre aqui" ... pode- ...

— Nesse caso ... — passei o indicador, sorrindo — ... morre aqui, senhorita!

     Consegui arrancar uma risada dela. Suspirou enquanto fechava os olhos, com certeza tentando se controlar:

— ... Eu estava me abraçando muito fortemente com a Mamá ... a pochete da Chef balançava muito ... e Papá havia conseguido abrir uma frestinha do zíper ...

     Começou a ofegar, com certeza lembrando das cenas ditas. Só de imaginar ... me dava nos nervos, e não de raiva ... senão desespero:

— ... Só eu consegui escapar ... e caí ... aqui no ... a-a-bi-s-m-m-moo!!!

     Tapou o rosto com suas mãozinhas. Acariciei solidariamente seu ombro, mas ela logo me puxou para um abraço, e dos bem apertados. Suas lágrimas escorriam e molhavam as costas da minha camiseta cinza, mas isso não importava. Estava se abrindo comigo, e sobre uma coisa que não confessou com ninguém da turma do arco-íris, seus melhores amigos; sem dúvida, era um enorme voto de confiança:

— Eu passei ... DOIS ANOS ... aqui ... sozinha ... sem amigos ... sem os meus pais ... lutando comigo e eu mesma ao meu lado ... pra não morrer de fome ... só com 4 anos!!

     Comecei a ir levemente para a esquerda e direita, numa tentativa de que se acalmasse. Eu devia isso pelos anos de insultos e deboches. Se acalmou e afastou-se de mim, tentando secar as lágrimas que ainda escorriam por todo o seu rosto:

— ... Cheguei a tempo de ver a segunda Troll-e-bração ... e a turma do arco-íris indo até a zona norte da floresta ... — respirou fundo — Poppy e Tronco eram os únicos para quem contei ... me aceitaram e cuidaram de mim como todos os outros ... que acreditaram que uma menina chamada Anany que nunca viram na vila- ...

— O seu nome é Anany!?

     Desviou o olhar e corou, assentindo com a cabeça:

— Por que todos te chamam de Anny, então?

— ... Acho que o meu primeiro nome é estranho ... e é o mesmo nome que a minha mãe, então ... não me traz muito boas lembranças ...! — desenhava algo no chão, encabulada

— ... Pra ser bem sincero ... eu acho um nome muito bonito ... — confessei, coçando a nuca nervoso

     Levantou apenas a vista, me olhando com aqueles grandes globos verdes que eu nunca admitiria em voz alta, mas ... são muito bonitos. O jeito envergonhado com que me olhou pareceu muito kawaii, como naqueles desenhos animados infantis. Sorriu timidamente, coisa que correspondi inconscientemente. Recobrou a compostura e riu um pouco:

— ... Olha que ironia, o cara que nem sequer o verdadeiro nome fala, gosta do meu de verdade ... considerando que sou "sua pior inimiga", coisa e tal ... — se admirou, apoiando a cabeça em uma das mãos para me ver melhor

— ... Tony.

— Legal ... — disse, logo depois balançou a cabeça, percebendo o quão importante era o que acabou de escutar — Espera, o que!?

— ... Anos atrás, você me perguntou qual o meu nome ... — olhei para cima, tentando evitar olhá-la diretamente — ... então ... eu me chamo Tony.

— ... Valeu pelo voto de confiança ...

     Nos encaramos, quase como se fosse automático. Ao invés de intimidar, aqueles globos verdes-gramado só fizeram me sentir acolhido ... ouso dizer ... que me senti, pela primeira vez em anos ... querido. Apartou o olhar de mim, meio sem jeito. "Ai, como ela é fofa ..." pensava com meus botões, ainda olhando-a:

— Tony? — chamou

     "Parece até a Flor, a coelhinha dela ... só que mais bonitinha ...":

— Oii ... Tony? — estalava os dedos

     "E se ela fosse uma pelúcia!?":

Hey! — passava a mão na frente do meu rosto — ... Terra chamando Tony, bip-bip!

— ... Iria querer aperta-la até cair no sono de noite, de tão fofa que a Anny é ... — terminei meu pensamento acordando — Foi mal, do que você estava falando?

     A expressão dela era de total e absoluta confusão. "O que deu nela!?" questionei mentalmente. Ela chacoalhou a cabeça, tentando se recompor:

— ... Primeira pergunta ... por que não canta mais?

     Sorri melancólico:

— ... Sempre que eu canto ... alguma coisa dá muito errado!

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