One, Two, Three...

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“Não há um pingo de beleza aqui

Residindo na carne humana

Só há tristeza e confusão

E o fedor de merda e morte.”

(Children of the corn/ Sopor Aeternus)

 

 

Ele sentia se totalmente vazio, uma tristeza imensurável se fazia presente naquele momento... Ninguém mais iria aparecer tão cedo, pois havia se livrado do maldito homem queimado que o vigiava. Tinha absoluta certeza de que aquilo era o certo a se fazer, não tinha mais nada a perder, então não adiantava ficar preso em pensamentos e por quês, pois tudo em que acreditou cegamente se quebrou em mil pedaços bem diante dos seus olhos... Aquele a quem tanto admirava e idolatrava o usou como algo sem valor, porém mesmo tendo ciência disso ainda o adorava, aquele homem sem face foi o único que veio salva lo, o único a dar lhe algo que se aproximava de afeto e se havia feito tudo aquilo, certamente ele teve os seus motivos... Não existiam esperanças, apenas dor e sofrimento, ele sentia que seu coração havia sido atado à melancolia e aos poucos afogava se em um mar de escuridão. O buraco que ali havia era preenchido com a lama viscosa de suas lamurias e tormentos. Não havia mais nenhum ideal pelo qual lutar, não havia mais nada que deveria perseguir, o chão sob seus pés havia desaparecido completamente. 

Um, Dois, Três, a lâmina fria e afiada passou rápida e precisa em seu antebraço pálido fazendo cortes horizontais fundos, ali não existia piedade ou arrependimento. Ele observou as linhas tornarem se tornarem vermelhas e sentiu o líquido quente, rubro e um  pouco expeço começar a escorrer, sentiu as pesadas lágrimas que há muito tempo aprisionava começarem a cair como uma abundante cascata, elas faziam o seu caminho escorrendo sobre o seu rosto traçando uma linha translúcida, passando por suas maçãs, seguindo até o seu queixo formando gotas grossas, caindo sem esperança. Algumas morriam na gola de sua camisa negra e outras jaziam em seus lábios ressecados e mordidos. Ele observou totalmente opaco aquele líquido que saía aos borbotões, ali se esvaia toda sua vida, toda sua história, todos os seus anos de abusos sofridos silenciosamente em uma casa insalubre e também os posteriores a esses, aonde adquiriu uma cega devoção ao seu "salvador", todos  perdidos...

Ele respirava fundo talvez buscando por ar, embora soubesse que sua vida se esvaía naquele momento, mesmo assim a sensação de estar sendo sufocado não lhe abandonava, mesmo tentando ignorar os por quês ressurgiam. Tantas perguntas as quais ele morreria sem ter encontrado as respostas, talvez tenha sido melhor assim, talvez esse fosse o seu destino. Morrer como o indigente que era. 

Olhou para o alto encarando o teto branco e voltou a olhar para frente, o cheiro metálico já impregnava o pequeno e abafado local, começava a sentir os efeitos daquilo, sentia seus lábios frios, sentia seu corpo frio, sentia a ponta de seus longos dedos ficarem dormentes, sentia seu corpo amolecer e um sono incontrolável o envolver. 

Por um breve momento um fragmento de seu passado desagradável preencheu sua mente enevoada, O teto encardido e de pintura desgastada, os murros, os urros, os vergões... A maldita mão sobre seu rosto. 

- Maldito seja!...

Sussurrou mais para si do que para o cômodo. Se aquilo era o famoso “filme” que se passa diante dos olhos de quem está à beira da morte, ele preferia que sua mente fosse preenchida com a escuridão de seus últimos dias, ele não queria recordar os infortúnios de sua infância perdida. 

Olhou para o "pai" em sua coxa direita, lembrou se vagamente da importância daquele objeto, mas logo  arrependeu se de tê lo feito, voltou seu olhar para uma de suas mãos já coberta pelo líquido rubicundo, mãos estas que foram consideradas perigosas e amaldiçoadas por muitos, mas que agora não mais incomodariam.

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