Mirror (Especial)

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"Eu não tinha esse rosto de hoje
Assim tão calmo, assim triste
Nem estes olhos tão vazios
Nem o lábio amargo"

    Um segundo. A pressa é minha maior inimiga.
    Meus passos apressados fazem "tum-tum" na rua barulhenta, cujo para mim, estava mais silenciosa do que nunca. Era como se meus ouvidos quisessem se tornar surdos por vontade própria. Porém, independente de minha surdez momentânea inexplicável, continuava a me apressar, sem medo, sem calma.
    Dois segundos. A ausência.
    Carregava em minha bolsa um simples presente, que havia me tomado horas naquela madrugada. Um mero CD, onde criei uma playlist cujo o nome das músicas formavam algo qur eu sempre escondi. Junto com ele, uma carta escrita á mão, com os mesmos sentimentos descritos nela, pois eu sabia que Sehun não iria captar minha mensagem através do CD, devido a sua lerdeza. Faltavam poucos segundos para que essa pressa toda causada pela sua ausência se transformasse em uma esperança verdadeira.
    Três segundos. Sonhos não realizados.
    Percebo que apesar dos segundos passarem rapidamente, minha mente é lenta, pensando cuidadosamente em cada palavra que eu deveria dizer quando nossos olhares finalmente se cruzassem.
    Dou um passo a frente, e sinto meu celular vibrar em meu bolso, pela terceira vez. Desta vez, deixaria o anseio de fazer uma surpresa, e iria parar de ignorar suas chamadas.
    Quatro segundos. Destino.
    Minhas mãos geladas e suadas de nervoso pegam o celular em meu bolso jeans, e logo após atendê-lo,  um sorriso cresce em meu rosto ao ouvir sua voz, que se preocupava em perguntar se eu estava chegando no local marcado, pois tanto ele quanto os outros já me esperavam fazia um bom tempo.
   Minhas mãos continuavam a suar, e o celular escorregava enquanto eu tentava o segurar. O sorriso em meu rosto deixava claro que eu estava felizm
    Cinco segundos. Descolorir.
    Uma explosão monocromática.
    Logo, todas as cores, o sol amarelo que queimava minha pele, as árvores verdes na calçada, até mesmo a parede vermelha de uma loja logo atrás de mim, explodiram. Agora, todas elas estavam em um preto e branco desfocado, como se elas estivessem sumindo do mapa. Como se eu estivesse sumindo do mapa.
    Sinto mãos desconhecidas me tocarem. Vozes abafadas aos prantos, gritos perdidos de socorro. Buzinas apressadas, assim como os passos que eu dava antes. Era tudo uma questão de tempo.
    Uma lágrima fria pinga em minha testa, logo escorrendo para os meus cabelos castanhos, que estavam encharcados por algum líquido quente, cujo eu não sabia o que era. Sentia que o dono da lágrima gritava algo sem interrupção, talvez o meu nome. Porém, sua voz ficava cada vez mais distante, como se um trem estivesse o levando para bem longe dali.
    As cores pálidas daquela rua quente agora eram transformadas em um tom de preto que eu nunva havia visto antes. Tudo se calou lentamente, até o zunido que eu tinha desde criança quando tapava os meus ouvidos com meus dedinhos infantis.
    Sem som algum, nem mesmo o de minha respiração ou de meus batimentos cardíacos, sinto que meu corpo flutua, naquela vasta escuridão, e então, resolvo dormir um pouco. Me sentia extremamente exausto. Fecho minha pálpebras pesadas e deixo-me levar pelo instinto.
    Não consigo achar o motivo e muito menos tentar descrevê-lo, mas em momento algum eu senti medo. Enquanto dormia, tudo se passava pela minha cabeça. Todos os momentos bons que tive em minha vida, os  que eu estava tendo em tal época, e utopias de como os mesmos seriam caso aquilo não tivesse acontecido.
    Então, levanto-me instantaneamente, onde a primeira mudança rápida que pude notar era de que a escuridão agora havia se transformado em um completo branco, que agora possuía um chão, da mesma cor.
    Tentei olhar para minhas mãos e para meu corpo, mas não conseguia vê-lo, o que foi a primeira coisa a me deixar levemente com uma sensação negativa e estranha. Ando sem rumo, procurando algo ou alguém que pudesse me explicar o que estava acontecendo.
    - Essa é a bolsa dele, fique com você por enquanto. Você tem o número de telefone dos pais dele?
   Esta tal voz desconhecida ecoou pelo lugar branco em que eu estava. Virei rapidamente meu rosto invisível para todos as direções possíveis em busca de onde a mesma havia surgido - e nada. Começo a correr em uma euforia depressiva e desesperadora, que impressionantemente não me tirava o fôlego.
    Um impacto contra mim me faz parar a minha maratona, e me deparo com um vidro embaçado, gigantesco e sem fim, que focava lentamente a imagem que mostrava.
    Pude finalmente ver seus olhos.
    A última coisa que eu gostaria de ver nesse mundo são os olhos de Sehun, Kyungsoo e Jongin derramando lágimas de tristeza.
    Sehun, no canto do que parecia ser uma ambulância, remexia uma bolsa idêntica á que eu carregava naquele dia. E, após começar a retirar as coisas de dentro dela, pude ter mais do que certeza de que era minha bolsa. Pensava se aquela imagem vista através do vidro era simplesmente um sonho mais parecido com um pesadelo, ou algo feito para me assustar naquele momento.
    Vejo que Sehun abre o envelope da carta que eu havia preparado, e, ao começar a ler as palavras que eu reescrevi tantas vezes por medo de parecer clichê ou tosco demais, sinto meu mundo desmoronar com as lágrimas que ele derramava.
    Ele apertava a carta em seu peito, olhando para algo em sua frente. Então, o ângulo que o vidro mostrava decide mudar por conta própria, revelando o "algo" que Sehun tanto olhava. E, para o meu maior espanto, eu nunca acharia que esse "algo" não seria um objeto, e sim, um "alguém". No caso, eu.
    Sehun se ajoelha na ambulância ainda em movimento, beijando a bochecha esquerda de meu corpo deitado na maca, levemente. Ouço sua voz sussurrar algo, como se seus lábios estivessem próximos ao meu ouvido.
    - É claro que eu aceito, seu idiota. - Disse, em meio á suas lágrimas. - Idiota, trate de se recuperar logo. Tem tantas coisas que eu ainda quero te dizer...
    Sinto uma lágrima deslizar pelo meu rosto, agora invisível, e foco meu olhar nas outras pessoas.
    Kyungsoo segurava as mãos de Jongin, que afundava seu rosto no ombro do mesmo. Tinha o olhar distante, e observava o meu corpo estendido e inconsciente com uma tristeza tão grande, que chegava até a afetar a energia do local.
    Então, olho para mim.
    Um fato curioso que vi em algum ponto de minha vida é que, se pararmos para pensar, nós nunca vimos o nosso rosto de verdade. Sempre o observamos através de reflexos, fotos e gravações, mas nunca de verdade. Eu nunca havia visto o meu rosto, e não gostava que a primeira vez fosse desse jeito.
    Me olhava na maca. O líquido quente e antes desconhecido era simplesmente o meu próprio sangue, que havia coberto meus cabelos catanhos de um tom vermelho-escuro. Meu rosto estava pálido, mais branco qur o natural, e eu logo senti um frio inesperado ir tomando conta de mim. Todo o frio que meu corpo se encontrava na maca estava presente no meu outro "eu" atual. Uma dor massacrante comecoua surgir na parte inferior e traseira de minha cabeça, e em uma região de meu abdômen. Olhei para Sehun pela última vez, ao perceber que o vidro se apagava lentamente. Bati com minhas mãos invisíveis na maldita parede transparente,  que agora levava embora as três coisas mais preciosas dr minha vida. Gritava para que trouxesse-me de volta o que era meu, e jurava que, por desespero, não aceitava um "não" como resposta.
    Fechei meus olhos enquanto esmurrava aquele muro do inferno. Queria simplesmente me teletransportar para o outro lado do muro, para que eu pudesse viver normalmente de novo. Para que eu pudesse acordar todos os dias com aqueles que eu amava. Para poder olhar em seus olhos e dizer o quanto é especial para mim, todos os dias.
    Abri meus olhos novamente, em esperanças falsas de acordar no meio da ambulancia e abraçar a todos. Obviamente, isso não aconteceu. Porém, o que aconteceu foi que, após meus olhos se abrirem, o grande muro havia se transformado em um gigantesco espelho, limpo e claro, onde pela primeira vez eu consegui ver meu corpo e meu rosto.
    Haviam arranhões espalhados pelo meu rosto e pescoço, e eu ainda estava com a mesma roupa escura do último dia em que eu havia acordado vivo. Em meu abdômen, havia um furo que se encontrava atrás de um rasgo em minha jaqueta e blusa, onde sangrava, assim como eu sentia gotas de sangue frio escorrerem pela minha nuca.
    Por um ato automático e espontâneo de minha parte, toquei o espelho com meu dedo indicador direito, e o espelho tremeu, como um lago tem suas águas tremidas quando alguém arremessa uma pedra em sua superfície, e a mesma afunda em seguida.
    Senti meu corpo, ligado no automático, atravessar lentamente o espelho, que agora era mais como uma água sob o meu corpo, lavando e levando embora todas aquelas feridas e sangue impregnados em meu corpo morto e frio. Senti aquilo como um banho que renovava minha alma, e que, aos poucos, me levava embora.
    Faltaram tantas palavras a serem ditas. Tantos caminhos a serem seguidos, tantos sonhos a serem realizados. Espero que, se houver uma outra chance de viver novamente, eu possa realizar tudo isso de verdade. E, espero que eu tenha a felicidade de os reencontrar novamente.
    Essas são minhas últimas palavras. E eu espero que tudo se torne mais claro e leve.

    " (...)
     Eu não tinha essas mãos, sem força
     Tão paradas e frias, mortas
     Eu nao tinha este coração,
     que nem se mostra.
  
     Eu não dei por esta mudança,
     tão simples, tão certa,
     tão fácil.
   
     - Em que espelho ficou perdida a minha face?"


***

Créditos ao poema: Retrato - Cecília de Meireles

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