Narcissus

353 35 27
                                    

Tord

Vejo a luz do sol, ouço as enfermeiras andando de um lado para o outro - o cheiro de seu previamente fumado cigarro ainda fresco, elas chegavam pontualmente; Essas não são coisas pequenas, coisinhas a serem ignoradas, para mim são grandes coisas que posso ter em minha condição.

Vê-las, senti-las, cheirar elas - estou vivo, estou aqui pra ver mais um dia, para mais uma conversa chata de check up, para ver meu novo colega de quarto.

Há quatorze peixes estampados no fundo azul do material semi invisível.

Há quatorze peixes e uma sombra, ambos estampados no fundo azul do material.

Tenho vontade de arrancar-lhe de seu suporte, não aguento mais os quatorze peixes - seus olhares fixos me dão medo, esse medo eu nunca confessarei,- eles me excluem, são um lembrete de que estou separado e que não posso ir até lá, é diferente das grandes coisas que parecem pequenas; Não posso senti-los em minha face como o sol, não posso ouvi-los como os passos, não posso o cheirar! Só posso ficar imaginando quem em sã consciência achou que isso seria algo bom para por em um lugar com possíveis crianças.

Olho para o relógio fixo na parede, a enfermeira chegaria aqui a qualquer momento; enfim, eu poderia ver quem estava por trás daquela cortina.

És um garoto? E se for uma garota, eu me sentirei tentado a beija-la como em todas aquelas revistas... 'interessantes' que um garoto asiático deixou aqui uma vez?

Gostaria que alguém tivesse me ensinado o que deveria fazer, e por que deveria ser atraído por garotas? Elas são lindas, muitas delas tem sorrisos encantadores e sua pele parece macia; pequenos narcisos que desabrocham em uma fase de rebeldia inevitável aos dezoito, onde trazem para casa o pesadelo de todos os pais.

Mas se ao invés elas trouxessem outra garota? Estariam seus pais com medo? E se eu, que só beijei uma garota na vida, ao invés trouxesse um garoto para casa? Os meus pais se importariam? Não muito, suponho, seria hipocrisia.

Olho o calendário; dia de visita, eles não se importariam.

O relógio se move para marcar sete horas, espero alguns minutos e vejo a enfermeira, ela me fez a mesma pergunta 'Está pronto para mais uma transfusão, querido?"' não estou.

Finalmente ela passa pela cortina, a encostando na parede -gostaria de ter sido mais discreto ao espiar a pessoa misteriosa, mas já é tarde para isso; pareço uma girafa esticando seu pescoço.

Era um garoto, suspeito que sejamos próximos em idade-porém, diferente de mim ele aparenta ter uma puberdade normal-Seus cabelos castanhos vão para cima fazendo um topete tão ridículo quanto o meu, porém são seus olhos que eu admiro; Costumo ver olhos claros, no máximo castanhos; Mas os dele eram negros, posso ver todo o espaço neles, se prestar atenção o brilho nos mesmos é um satélite.

Noto seus machucados, diversos hematomas percorrem seus braços e, pelo que pude ver, algumas partes de sua coxa; o que mais me chamou atenção, porém, foi o roxo destacado no olho o qual criei tamanha apreciação.

O que teria sido? Acidente? Briga de escola? Estaria ele buscando por um novo começo depois de sobreviver bravamente á uma briga de rua na tentativa de salvar crianças? Ou seria ele um daqueles bobalhões que tropeçou escada a baixo e teve de parar no hospital?

Então lembro-me do calendário, dia de visita, onde estariam seus pais? Sua mãe teria acabado por dormir na sala de espera? E seu pai? Correndo do trabalho para esperar o filho sair de sua cirurgia?

Não há passos, me dou conta, não há pais.

A enfermeira passa pelo garoto de olhos negros, nos deixando sozinhos.

Me levanto da cama, estou tonto; me sinto mal, mas continuo,preciso disso- quero saber de sua história, para que possa contá-la, e para que ele faça o mesmo com a minha.-

Agora é somente eu, a cortina, e o garoto de belos olhos.

Poderia contar-lhe sobre como ele era um ótimo cara, sobre como era extrovertido e como viramos amigos imediatamente.

Mas estaria contando uma mentira.

"O que quer?" Disse ele quebrando o contato visual com o chão para olhar em minha direção, eu estava pronto para dar-lhe uma lição- sobre como você não deveria ser tão raivoso quando conhece alguém- porém percebi; o que havia em sua voz não era ódio, muito menos incomodo por ter lhe tirado de seus pensamentos.

Ele estava se protegendo.

====

Adivinha quem tá escrevendo fanfic de onze horas quando tem aula amanhã cedo?!

Euzinha ._.

Mas espero que tenham gostado desse capítulo! Me diverti muito o fazendo, e juro que terão seus momentos fofinhos logo logo ;)

Aliás, o significado das palavras em negrito será relevado no último capítulo dessa história!

Chauzinho!

CamelliaOnde histórias criam vida. Descubra agora