Cookies

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Mamãe pediu-me para ir ao supermercado comprar um pacote do cookies de chocolate que ela tanto adora e me deu vinte dólares.

- "Ah Aust, não se esqueça de trazer também alguns pêssegos para a torta. Mas escolha os melhores." - Gritou da cozinha.

Revirei os olhos e fui. Eu ficava estressado quando mamãe me pedia para eu comprar algo mas esquecia de alguma outra coisa, em seguida relembrava e pedia para que eu voltasse ao mercado. Custava lembrar de tudo e me avisar antes?

Assim que ela me deu o dinheiro e disse o que deveria trazer, saí em disparada, pois mamãe tinha pressa e odiava esperar.

Enquanto estava a caminho do supermercado, passei na banca do Sr. Marcos - chamava-o de tio Marcos por ser como um tio para mim -, e torci para que tivesse a última revista em quadrinhos da turma da Mônica que faltava para completar minha coleção.

- "Oi tio Marcos, como você está?" Perguntei, esboçando um sorriso.

- "Oi Aust, que surpresa. Estou bem, e você garotão?" Ele respondeu, cumprimentando-me com um aperto de mão.

- "Bem também. Passei aqui para saber se já chegou a última HQ da turma da Mônica. Por favor, diz que sim" - Disse, torcendo os dedos.

- "Hmm.. eu não me lembro -Ele disse, pensativo - preciso olhar no estoque, pois não me lembro de ter visto a caixa de revistas infantis. Afinal, turma da Mônica é para crianças, né Austin?" Ele disse rindo de forma sarcástica.

-"Isso não é verdade tio. Você está me chamando de criança? Saiba você que turma da Mônica é legal e não é para crianças!" Respondi bravo.

Ele olha para mim transparecendo uma humildade e tranquilidade em seu olhar e logo em seguida diz:

-"Tudo bem, vou olhar lá nos fundos dar uma olhada! Com certeza deve ter chegado sim, mas não prometo nada hein?"

-"Okay, tio. Mas tenta ir rapidinho porque eu preciso ir no mercado para a mamãe. Sabe como é, ela odeia atrasos, e se eu demorar.. ficará furiosa."

-"Pode deixar, ja volto." Ele caminha até os fundos da banca e desce uma escadinha, onde fica o sótão.

O senhor Marcos por trás de um vendedor de jornais, possui um passado incrível e um coração imenso. Quando eu era criança, e haviam festas em casa, meus pais insistiam em chamá-lo, mas ele dizia não gostar muito de festas.

Eu sempre o convencia, dizendo que se ele não fosse, todos ficariam tristes e sentiriam sua falta. Mas como nas festas só haviam adultos, eu ficava sozinho brincando com meu cavalo de pelúcia, porém o tio Marcos sempre vinha e conversava comigo sobre suas viagens e aventuras.

Me contava histórias como o dia em que ele e papai atearam fogo na árvore de natal da vizinha, ou quando jogaram rolos de papéis higiênicos na casa do vizinho rabugento.

Me surpreendia saber que papai foi tão rebelde assim. Mas dentre todas as histórias das quais tio Marcos havia me contado, a que mais me surpreendera fora a que contou em um aniversário de tia Marta.

Em 1957, ele trabalhava como ator. Ficou conhecido por interpretar major Tom, personagem do filme "O autoritário Fajuto" do qual atuou.

Depois de anos, - com a falência de sua carreira -, foi chamado para fazer um comercial como garoto propaganda de pneus.
Devido a morte de sua filha e esposa em um acidente de carro, o Sr Marcos largou o meio artístico, passou a beber, e se tornou um alcoólatra.

Sua família toda lhe largou após a tragédia, deixando-o completamente sozinho à mercê de uma vida monótona.

Papai, que era um grande amigo de infância dele, encontrou-o deitado no centro da cidade em meio a sujeira: transpirando um odor de solidão e tristeza.

Minha familia decidiu convencê-lo a ir para uma clínica de reabilitação por alguns anos, e com todo o apoio fornecido, ele conseguiu recuperar-se.
Desde então, pelo o que eu sei ele mora em uma simples e aconchegante casa do bairro, próxima a nossa casa em Everett, Massachusetts.

Enquanto eu folheava algumas revistas de culinária, O Sr. Marcos retorna do porão, trazendo em suas mãos uma caixa aparentemente pesada e empoeirada, com cheiro de móveis velhos.

-"Provavelmente deve estar por aqui, faz tempo que ninguém procura por revistas em quadrinhos." - Disse, fazendo um alongamento e relaxando os ombros devido ao excesso de peso que carregara.

Ele abre a caixa usando um estilete, e milagrosamente, como um troféu, lá estava. O último gibi que faltava para preencher a minha coleção.

-"Meu Deus, ainda bem!" - Eu disse, aliviado.

-"Você tem sorte, é o último gibi que mandaram." - Ele responde, sorrindo.

Devolvo o sorriso educadamente e pergunto:

-"Quanto custa?"

-"Sabe que não cobro de você Aust. Só dê um abraço apertado nos seus pais por mim, e se cuide, hein?"

-"Poxa tio, obrigado. Pode deixar, mas agora preciso ir mesmo, se não a mamãe vai me matar. Já era para eu ter voltado."

-"Sem problemas! Vai lá meu querido, e tenha um ótimo dia."

-Bom dia, até!"  Despedi-me dele e fui.

No caminho, olhei em meu celular, e percebi que o supermercado estava prestes a fechar, pois era feriado. Acelerei os passos e subi a escada de um beco de dois em dois degraus.

Cheguei lá e ainda estava aberto. Fui até a prateleira de biscoitos e peguei os cookies. Depois, fui até a sessão de frutas e peguei os pêssegos que mamãe também tinha pedido. Em seguida, me dirigi ao caixa, e esperei na fila, mas haviam praticamente cinco pessoas à minha frente.

-"Droga!" Ouvi uma voz atrás de mim.

Virei-me para ver quem havia dito aquilo, e vi Gus pela primeira vez.

-"Realmente, odeio filas." -Respondi

-"Poxa cara, eu também detesto. Só venho mesmo porque sou obrigado pelo meu pai".

Ele disse, dando um sorriso meio forçado.

-"Que coincidência - eu disse, retribuindo o sorriso, - minha mãe adora cookies de chocolate. Ela me faz sair de casa só para comprar os malditos cookies, então também sou forçado a encarar essa fila.

-"Sei como é.." Gus diz, coçando a cabeça.

Me virei novamente e permaneci parado, quando ele me cutucou e disse:

-"Desculpa, como você se chama?" Perguntou, apontando o dedo para cima e franzindo a testa.

-"Me chamo Austin." respondi rapidamente.

-"Prazer, meu nome é August, mas todos me chamam de Gus".

De repente, um senhor grita do fundo da fila, aparentemente estressado:

-"Será que é possível os dois rapazes pararem de bater papo e andarem?"

O Gus me olhou e soltou uma risada sarcástica e disse em seguida:

-"Parece que alguém acordou de mau humor hoje, hein?"

Virando-me novamente, caminhei, e finalmente era minha vez. Paguei os cookies e os pêssegos e quando estava saindo, Gus grita do caixa carregando duas sacolas:

-"Ei, garoto dos cookies. Espere!"
                 Foi aí onde tudo começou.








Gus e AustinOnde histórias criam vida. Descubra agora