Estrela Cadente

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Um dia a vida me colocou a prova, mas eu não sabia, não sabia por que não achei que fosse possível depois de você. De repente me vi diante de uma forma estranha, de um brilho que era capaz de iluminar todo o céu acima de nós. Mas era um brilho diferente. A cor era diferente, uma cor escura e brilhante, assim como o céu acima de nós.

O brilho não tinha um sorriso largo, ele era contido e um pouco amarelado, mas ainda assim fazia meus olhos se fecharem um pouco, o brilho tinha um olhar concentrado, como se estivesse lendo o livro mais complexo e interessante do mundo, mas que mesmo assim conseguia me abrir e me contar como um discurso incansável, as expressões eram bem mais fáceis de decifrar do que as suas, como se tivesse vindo com um manual e fosse apenas ler e desvendar tudo sobre ele.

O brilho usava roupas estranhas, camisetas largas e calças de moletom, coisas que você nunca usaria e eu nunca ousaria gostar, mas era confortável, e quando me dei conta, também me enfurecia não poder arrancá-las ali mesmo. O brilho tinha cabelos curtos e escuros, lembro-me de me perguntar diversas vezes por que era tão bom acaricia-los, não fazia sentido, não eram os seus cabelos, nem chegavam a parecer, não tinham mexas mais claras ou se quer um cacho mal definido, mas era bom, era lindo.

Ele também não era muito bom com palavras, mas se esforçava muito para que tudo que eu pudesse ouvir fosse bonito, se dobrava para que quando eu o desdobrasse, descobrisse as surpresas que podiam sair daquela boca diferente. A boca dele, tão pequena, delicada e sensível, tão cuidadosa e calma para divagar sobre cada estrela no céu, para dar nome a cada sensação que estávamos dividindo, não sentia mais o medo, como costumava sentir em nossas conversas, sabia que havia confiança na língua dele, tão mais fácil de aprender, uma língua tão diferente da sua, que ainda luto contra verbos e preposições que você não quer que eu aprenda.

Estranhei quando todo aquele brilho forte começou a se aproximar, em milésimos de um segundo consegui fazer uma lista de possibilidades que poderiam acontecer no próximo segundo em que ele me tocasse, qual seria o tamanho do poder contido em toda aquela luz? Então todos os meus pensamentos se dissiparam na palma da minha mão quando ele decidiu que ali seria um lugar ideal para me dar uma pequena amostra da eletricidade que ele possuía. E eu a senti. Meus olhos se arregalaram e senti um pequeno choque percorrer os meus braços, mas logo desapareceu. Senti uma necessidade enorme de disfarçar o que ele estava me causando, então no terceiro segundo bloqueei qualquer onda de luz que ele me lançasse. O que eu nunca consegui com você, eu nunca tive esse poder em mãos, suas ondas sempre conseguiram derrubar as minhas barreiras.

Depois de um tempo, ele já havia me tocado diversas vezes, já havíamos dado nome as estrelas, já havíamos fechado os olhos, eu já havia sentido a risada dele no meu pescoço, já havia contado muitas histórias e ouvido muitas outras, e foi quando a primeira brincadeira surgiu. Não pude deixar de pensar em você, eu finalmente entendi como era estar do seu lado do muro. Eu cheguei bem pertinho dele, milímetros minha boca da dele, meus olhos não desviavam, já os dele não sabiam para onde olhar, podia senti-lo como uma marionete em minhas mãos, senti todo aquele brilho se diminuir perante os meus olhos, não importava o que eu fizesse, seria aceito. E foi com todo esse poder em mãos, que ao invés de apenas inclinar minha cabeça um pouco à frente e transformar aquele momento em algo nunca mais esquecido e não me tornar uma egoísta como você, eu decidi entender como era quando você decidia fazer isso comigo, e quando eu percebi minha boca se abriu em um sorriso malicioso, minhas mãos se levantaram ao rosto dele, tudo para que aquele momento se concretizasse apenas na mente dele, soltei uma risada e me afastei.

A minha parte preferida foi poder conhecer o brilho melhor, seus gostos e manias, seus trejeitos e reações. Descobri que o brilho não se importava em beber cerveja ruim, ou comer comidas que caíram do prato, também descobri que ele é muito bom no truco e que adora quando eu estou lá para assisti-lo. Descobri que ele ouve as mesmas músicas que você, mas aquelas letras faziam sentido para ele, ele vivia a música com todo o corpo. O brilho não sabia dançar como você, mas quando eu dancei, ele me engoliu com os olhos. Ele não se importava em dormir tarde, 4:00 da manhã ainda é cedo para ele, o brilho passava a noite assistindo filmes de terror enquanto me observava dormir em seu colo. Antes de dormir ele me aconchegou, me acariciou e me abraçou, fechou os olhos e dormiu. Ali mesmo, do nada, sem nenhum ritual maluco ou problemas para dormir. Fechei os olhos, mas demorei um pouco pensando que aquilo nunca teria sido tão rápido se fosse com você, então adormeci.

Eu não tive que pedir. O brilho era sincero sempre, sem eu precisar implorar por respostas, ele abria o jogo, e eu entrava no jogo dele com todas as minhas cartas, valia a pena arriscar tudo por ele, havia confiança nas suas regras, e eu queria jogar, queria vencer a todo o custo, queria que ele fosse meu, e ele estava jogando no meu time.  O brilho, assim como todos os outros, não conseguia escapar do medo de ser enganado, e assim como você, usava como garantia promessas feitas da boca pra fora, mas que nunca seriam esquecidas. Diversas promessas e juramentos foram feitos, mas não era preciso. No fundo eu e ele sabíamos que era verdade, sabíamos que estávamos do mesmo lado do jogo e que todas as cartas estavam postas bem na nossa frente, não precisávamos duvidar de nada. Havia me esquecido como era bom não jogar contra você, um adversário tão forte que me fazia preparar todo o território para qualquer que fosse o ataque, colocar meus melhores soldados em posição de defesa e mesmo assim voltar com todos muito feridos. Havia me esquecido como era gratificante o empate, o amistoso, a diversão em jogar esse jogo que sempre fui muito boa, até você chegar.

Aquele brilho que chegou tão estranho e misterioso e que era tão aberto a coisas novas, tão disposto a tentar, tão fácil de convencer, tão pronto para mudar, preparado para fugir a qualquer momento e me levar com ele. Ele era capaz de largar tudo, pegar todo o dinheiro que tinha, me pegar pela mão e sumir, viver viagens que imaginamos, ou que nunca pensamos em fazer, viver novas experiências tão internas que nenhuma droga seria capaz de proporcionar, tentar novas posições para me fazer gritar, conhecer desde os lugares mais conhecidos, até aqueles que precisaríamos de vários dias para encontrar. Ele viveria por mim, ele viveria por um sonho, ele viveria por algo que faça sentido, ele não precisaria de muito para mudar, se adaptar e seguir um caminho diferente. Você nunca mudou, mesmo quando decidimos que era isso que você deveria fazer, você não troca nem de pijama, você gosta de viajar sempre para os mesmos lugares, coisas novas te assustam e você, não querendo demonstrar fraqueza, diz que não esta afim, ou que não vale a pena, minhas sugestões são sempre ruins e você gosta de viver experiências internas sozinho. Então ai está você, sozinho. Fico feliz que está feliz assim, agradeço todos os dias ao brilho por ter me mostrado tantas coisas que a sua luz não me deixava enxergar, que a sua claridade fosca ofuscava todo o brilho e escuridão que estavam em volta, precisaram chegar de mansinho, precisaram usar contra mim, tudo aquilo que achei que já sabia, precisaram bolar um plano quase de impossível para ganhar espaço no meu campo de visão. Obrigada pela luta.

Então eu estava ali, diante de uma luz escura e brilhante, um brilho perfeito, que me mostrou que a perfeição tem outras versões, outros modelos, outros gostos, ela pode ser sincera, pode dormir tarde, pode beber cerveja ruim e pode me observar dormir às 4:00 da manhã. Mas aqui estou eu, mesmo depois de ter vivenciado a luz escura e brilhante, estou escrevendo mais um texto para você. Quase como um bilhete antes do suicídio da sua claridade radiante que vive em mim, o tão esperado estrangulamento do nó que você deu na minha garganta quando tentei gritar seu nome e a voz não saiu, por que sabia que você não estava ali para escutar.

O brilho já se foi, como a sua claridade, ele se foi rápido e quase imperceptível em um céu com tantos outros pontos de luz, em um piscar de olhos ele desapareceu, com um piscar de olhos na hora errada, quase o perdi. Começou com a calda de um cometa, acabou com a chama de um meteoro, passou pelos meus olhos, me fez soltar um ar de encanto, me deslumbrou e se guardou com carinho na minha memória. Estrela cadente escute o meu pedido para você: mate todos os resquícios dele que habitam o meu ser, me marque com o seu brilho e não me deixe esquecer as coisas que aprendi contigo. Faça-me mais visitas, o meu céu está pronto para o seu brilho.

Raios De TintaOnde histórias criam vida. Descubra agora