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...Enrolado dentro do barril, o pequeno demônio escutava atentamente o primeiro diálogo da menina e a Morte.

A menina arregalou os olhos claros.

Então ele, era a Morte? Viera finalmente ceifá-la depois de tantas tentativas? Tinha poder para tal?

- Não. – ele respondeu calmamente – Vim somente para conversar.

E ainda por cima lia sua mente, óbvio.

Morte analisou a menina da cabeça aos pés: cabelos ruivos bagunçados e encharcados, pele salgada e seu rosto levemente sardento corando ao sol, bochechas rosadas, achou engraçado que ela trajasse calças e seus olhos reluziram ao notar um punhal escondido na parte posterior de seu cinto.

"Ele" não só via ela como era, como também através dela, todos os seus pensamentos e temores, e gostou de ver mais dúvida do que medo nela.

- Você é bem corajosa. – Ele disse quebrando o silêncio.

- Acho que é o efeito colateral de se morrer tantas vezes. – Ela respondeu.

Ele ainda encarava fixamente a seriedade da ruiva e sua piada sarcástica oculta.

- O que quer comigo? – Ela não aguentava mais aquele silêncio analítico.

Morte riu baixinho.

- O que você acha? – Ele perguntou.

Ela cerrou os dentes:

- Você disse que veio para conversar, mas não faço ideia do quê, afinal, não sei de nada que possa te ajudar. – Ela suspirou – Não sei nem o porquê de "viver" nessa condição.

- Então me deixe ajudá-la com isso. – Ele falou seriamente – Sua história recomeça quando sua mãe faz um pacto com um pequeno demônio pela sua vida, mas devido à situação desesperadora e da pressa do demônio em realizar o pacto você acaba conseguindo a imortalidade, coisa que nem o demônio deveria lhe dar, pois causa um desequilíbrio de grandes consequências cósmicas e naturais.

O pequeno demônio no barril rosna baixinho lembrando que não devia ter estalado os dedos antes de a mãe fazer o pedido, depois dessa situação complicada ele aprendeu a lição.

- Aliás, - continua Morte – pare de escutar a conversa dos outros, você está dispensado desse cargo.

Morte faz um gesto com a mão e o demônio é exorcizado com um simples som de fósforo riscado.

A menina morde os lábios se perguntando onde essa conversa ia dar.

- Aquele dia foi a primeira vez que eu te vi. – Morte passou a mão ajeitando os cabelos e perdido em lembranças. – Não foi nada normal para eu saber que eu ia buscar uma pessoa e de repente levar outra. Eeeh... bem, sua mãe pediu-me uma coisa.

O olhar da menina tornou-se uma curiosidade ardente.

- Que eu cuidasse de você.

- Irônico. – Ela disse sarcástica.

Morte suspirou outra vez:

- Imaginei que pensaria isso. Veja bem, eu só transporto pessoas a outro plano, eu não mato ninguém. Quem faz "o pó retornar ao pó" é a natureza e não eu. Quem tenta te matar todas às vezes é a natureza porque ela sente que você é um ponto de desequilíbrio, já que nem devia estar aqui.

- Então isso não vai parar? – A menina perguntou cabisbaixa.

- Então, - Morte sorriu – por que você acha que depois de tantos anos eu vim falar com você pessoalmente?

Ela o encarou com o olhar esperançoso.

- Estou aqui para cumprir o que prometi a sua mãe. – Ele sorriu.

Ele estendeu as mãos:

- Por favor, senhorita.

A menina pousou suas mãos nas dele e diferente do que ela havia imaginado, eram surpreendentemente quentes e macias, era bastante confortável.

- Alvedrio perecimento, alvedrio perecimento. Tomar conjuntura, fito! – Ele recitou de olhos fechados.

O vento soprou os cabelos da menina enquanto parecia também recitar as mesmas palavras de Morte.

A menina abriu os olhos e sorriu se sentindo mais leve:

- Obrigada.

Ele olhou bem nos olhos dela e disse:

- Ainda há mais um motivo para tudo.

A menina olhou interessada.

Morte olhou para as águas salgadas desviando o olhar da menina pela primeira vez.

- É que em ti me enamorei.

Ele falou de modo tão direto que a menina ruborizou rapidamente.

- Sei que é de repente, – Ele continuou – mas só gostaria de lhe dizer, que, se quiser me ver... um dia, é só chamar.

Ele aproximou o rosto dela fazendo seu coração acelerar loucamente, e quando seus lábios estavam próximos de sua orelha ele lhe cochichou um segredo.

E desapareceu.

...

A Menina E A MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora