Capítulo 01

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Liguei pela terceira vez para a mãe da Julia, ela entendeu a situação, mas o pai dela estava irredutível. Eu tinha então uma noção do estrago que havia causado. A casa estava uma bagunça, havia tido uma festa há alguns dias. Sim, uma festa daquelas em que eu bebi demais, dei muito e não me lembro de nada. Sempre a mesma coisa. Isso foi antes, antes de eu fazer os malditos testes de farmácia, e antes de todos os seis testes me castigarem.

Não tentei ligar para a Julia, nem para o Erick. Sabia que eles estavam bem, era o que importava. As marcas dos tapas que a Julia deu no meu rosto estavam praticamente desaparecidas. Então me restava arrumar a bagunça e tentar seguir em frente. Não ia ficar chorando pelos cantos por ter sido tão burra. Eu não sou uma boa pessoa, e pessoas como eu sempre recebem seu castigo antes do fim.

Meu telefone tocou pela sexta vez, vi que era o Pedro, mas não queria atendê-lo. Ele estava querendo saber quem era o pai do meu bebê, o que era hilário. Deveria ser ele, ele é um imbecil, mas pelo menos é mais responsável que o verdadeiro pai dessa criança. A criança. Eu era uma péssima influencia para uma criança. Como Deus pôde me escolher para ser mãe? Mas, no momento em que decidi que teria aquele filho, decidi que não seria mais a péssima pessoa que eu era. Não queria mais ser como a Julia, nunca seria tão boa quanto ela. Mas queria ser melhor. Mudar pelo menos as coisas que estavam ao meu alcance, tipo as bebidas, drogas e o sexo. Eu não fazia essas coisas porque gostava, fazia porque era o que jovens da minha idade faziam. Eu sempre gostei de sexo, muito, mas nunca ficava satisfeita. Com nenhum tipo de sexo. No começo, com o Erick, era especial, mas logo perdeu o encanto e nunca mais foi a mesma coisa. Esse era um dos motivos de eu ser tão obcecada por ele, ele foi o único que me deu algo que eu buscava desesperadamente com outros e não encontrava. Deixar as drogas e o álcool seria fácil, difícil seria encarar as coisas que eu já havia feito. Essa marca eu nunca conseguiria apagar de mim.

Me joguei no sofá e fechei os olhos. Caía uma chuva lá fora, eu tinha que arrumar aquela casa, mas nada mais seria como antes.

O som da campainha me fez resmungar, eu não queria ver ninguém. Estava rolando uma reunião na casa do Ryan e eu não fui, todos deviam estar estranhando, mas eu não podia mais fazer aquilo, não é? O que diriam para a criança quando ela nascesse? Não importava, eu precisaria ir embora dali depois de um tempo, ou essa criança teria nojo de mim, como eu tive da minha mãe. O barulho da campainha persistiu, e como estava chovendo muito, tive que ir atender.

Me levantei como estava, os olhos inchados, o cabelo bagunçado e aquela blusa enorme que era do Erick. Assim que abri a porta, quase tive um ataque. Ele estava ali.

Quando eu era criança e morava na fazenda, passei por algumas coisas desagradáveis, e os pais da Julia me deixavam ficar mais na casa dela que na minha. Julia tinha um irmão mais velho, o Fred. Na época, eu tinha meus doze anos e ele dezesseis, era lindo, o atleta da região e vivia rodeado de meninas, e eu era perdidamente apaixonada por ele. Claro que ele nunca me correspondeu. Quando fiz quatorze anos, ele me deu um beijo de aniversário. Foi um choquinho, mas me fez ficar ainda mais apaixonada por ele. Eu sonhava com ele, escrevia cartas e mais cartas, cheguei a escrever um diário inteiro sobre ele. Era ridículo. Foi o único amor inocente que tive na vida. Quando fiz dezesseis anos, ele prometeu me levar ao baile da escola. Eu estava nas nuvens, iria com o garoto mais lindo da cidade, mais velho que eu e que eu amava loucamente. Porém, quando ele passou na minha casa para me pegar, eu nem gosto de lembrar disso. Minha mãe estava bêbada para variar, e o que ela fez, me deu tanta vergonha, que fugi. Não fui ao baile, não dei notícias, voltei a minha casa dias depois em um horário em que eu sabia que ela não estaria lá e peguei minhas coisas. Fiquei um tempo na casa da Julia, e depois vim para a cidade grande, sozinha, sem nada e me virei aqui.

Nunca mais tinha visto Fred desde esse dia, e vê-lo ali, na minha porta, fez meu coração despertar de uma maneira quase doente. Os mesmos olhos azuis me olhavam, o mesmo cabelo castanho claro espetado. A barba estava por fazer, a roupa colada em seu corpo largo por causa da chuva. As tatuagens cobrindo seu braço. Não era mais o garoto lindo por quem eu fui tão apaixonada, era um homem, um homem lindo.

-Você não vai me deixar entrar? – ele reclamou.

Dei espaço para que ele entrasse, mas não disse nada.

Ele sacudiu a água da roupa e jogou a bolsa que trazia no chão. Olhou em volta a casa bagunçada e assoviou.

-Passou um terremoto na sua casa, pequena. – falou ele pegando um envelope de camisinha. – Ou uma orgia das bravas.

Tirei o envelope da mão dele e guardei.

-Não me chame de pequena. O que você quer, Fred?

Ele fez uma careta.

-Um lugar para passar a noite. Isso é, se houver algum lugar nessa casa que dê pra alguém dormir.

-Os quartos ficam lá em cima, pode ficar com qualquer um. Deve ter comida na geladeira e o banheiro também é lá em cima.

Ele ficou me olhando. Esse era um defeito muito chato dele, tinha mania de reparar. Reparou do meu dedão do pé ao meu cabelo.

-Boa noite, Fred. – disse saindo e o deixando ali.

 Sempre que eu me deitava, um botão era acionado. O botão das coisas que eu não deveria ter feito. Meu maior medo, era saber que arrependimento não impedia alguém de pagar pelos seus erros. Eu achava que perder a amizade da Julia e estar grávida já eram castigos o suficiente, mas estava errada. Tudo pode piorar quando se ama alguém.

 Ouvi os passos de Fred pela casa, ouvi que ligou o chuveiro e ouvi quando saiu do banheiro. Apertei os olhos tentando dormir. De repente a porta do meu quarto abriu. Me sentei na cama para encontrar um Fred molhado, recém saído do banho, apenas com a toalha enrolada da cintura para baixo.

-Opa! Quarto errado – ele disse, mas não se moveu para sair do meu quarto.

Fiquei um tempo tentando ver direito seu corpo, mas estava escuro. Ia pedir que ele acendesse a luz quando me dei conta do que estava fazendo. Ao invés disso, disse:

-Procure qualquer outro quarto, Fred.

Ele me deu boa noite e saiu. E eu demorei ainda mais para dormir, imaginando a parte do corpo dele que eu não havia visto.

Acordei tarde, com os olhos inchados. Eu não conseguia parar de chorar e nunca fui uma garota chorona. Sou forte, sempre fui. Mas andava muito emotiva. Desci para tomar café e Fred já estava na cozinha. Ele havia revirado o armário e a geladeira. Assim que me viu, comentou:

-Não tem nada que não esteja batizado nessa casa?

Me senti congelar.

-Eu... acho que...

-Era essas porcarias que você dava para a Julia comer? – ele me olhou com acusação – Você drogava a Julia, Diana?

-Não era nada forte! Ela nunca percebeu.

Ele jogou a caixa de leite na pia e saiu da cozinha resmungando. Eu voltei para a sala e desisti de comer, não ia achar nada que não estivesse batizado, e não ia comer essas coisas enquanto a criança estivesse na minha barriga. Assim que liguei a televisão, meu celular apitou, era uma mensagem dele:

Vc já fez o que te pedi? Diana, tira essa criança enquanto é tempo, vou resolver tudo. Vamos dar um jeito.

Não respondi. Desliguei o celular e fechei os olhos.

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