Espero sempre o ano inteiro pelo meu aniversário e ele sempre passa voando. Quando percebi, com pesar e ao mesmo tempo empolgação, já estávamos em Outubro e meu estágio começaria em breve. Acordei nervosa com a novidade e a iminência do desconhecido. Cheguei ao escritório de advocacia em São Conrado e após falar com a secretária, fui instruída a esperar.
Enquanto eu estava sentada no sofá, meu nervosismo ia e voltava. Eu não queria mexer no celular para me distrair para não parecer que eu sou viciada em telefone e que em qualquer tempo livre é a única coisa que eu faço. O que é totalmente verdade, mas não quero que já criem má impressão de mim.
Enquanto eu balançava minha perna em um tique nervoso, ouvi vozes alteradas dentro da sala onde eu deveria entrar e por uns minutos meu nervosismo deu uma trégua. Fiquei curiosa e tentava fingir que não prestava atenção enquanto a secretária me dava um sorriso amarelo. A porta abriu e eu quase caí da cadeira. Tanto pelo susto da ação quanto pela pessoa que vi saindo. Eu já tinha me achado uma estúpida não reconhecendo o cara doido três vezes seguidas, mas agora não dava mais. Ele estava impresso na minha retina e dessa vez, muito mais arrumado.
Tive muito pouco tempo para notar que o terno caía perfeitamente e dessa vez tanto o colarinho quanto a gravata estavam milimetricamente alinhados. Minha concentração acabou ficando no rosto, já que quando ele bateu os olhos em mim, não conseguimos desviar. Ele pareceu desconcertado pela minha presença e imagino que fosse a última pessoa que ele esperava ver ali. E devo dizer que sentia o mesmo. Eu não podia acreditar que estávamos nos esbarrando pela quarta vez em quatro meses. Seu rosto estava muito mais sóbrio e harmonioso do que nas últimas três vezes e seu olhar muito mais triste também. Mas embora eu não pudesse ver as tatuagens cobertas pela manga do terno, eu sabia que elas estavam ali e isso, mais o conjunto da obra, ainda o deixavam com ar de perigoso. Eu estava torcendo para ele ser um cliente e eu não vê-lo nunca mais, porém algo me dizia que eu não tinha tanta sorte. Ele ainda sustentou o olhar por alguns segundos antes de balançar a cabeça e sair do recinto.
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Como eu havia previsto ele realmente trabalhava no escritório onde eu agora estagiava. Eu não sabia seu nome, nem qual posição ele exercia por ali, mas sua presença era constante pelos corredores e eu já mal conseguia desviar o olhar. Ele sempre me observava de longe, algumas vezes acho que nem ele percebia o quanto parecia intimidador e selvagem me olhando daquela maneira. Mas ele nunca dirigiu uma palavra sequer à mim, como fazia sempre que estava bêbado ou medicado.
Ele agora me parecia uma incógnita e por mais que eu quisesse manter distância, estava muito curiosa. Ele claramente não era um paciente do hospício, embora estivesse internado na ala psiquiátrica. Ele não era um bêbado sem teto, já que seus ternos pareciam mais caros que toda a decoração da minha casa. Mas ele continuava me passando a impressão de briguento, encrenqueiro e perigoso. Principalmente pela frequência com que parecia raivoso. Quando não dava essa impressão, ele só parecia muito triste.
Consegui permanecer distante por mais de um mês, mantendo minha descrição e profissionalismo como estagiária. Era uma vaga importante para que eu me formasse no futuro e eu não podia perder. Mas a distância que eu queria, não consegui manter por muito tempo.
Em uma tarde excepcionalmente fresca de Novembro, pediram que eu fosse até a garagem para pegar uns documentos no carro do meu chefe. Quando eu estava chegando perto do carro, escutei um barulho muito alto de vidro estilhaçado e levei um susto enorme. Mais ainda ao ver o tatuado, com a mão toda cheia de sangue, na cena do crime. Quis sair correndo e gritar. Desejei mais do que tudo que houvesse mais alguém naquela garagem para me acudir, mas estávamos sozinhos. Minha primeira reação foi frear o passo e evitar chegar perto, estava convencida que o louco estava tentando roubar aquele carro, mais ainda quando percebi que era o carro do meu chefe, o qual eu deveria abrir cuidadosamente e pegar os documentos sem deixar marcas de dedo na lataria do lindo Audi prateado. Eu rezei para ele não ter me ouvido, mas ele ouviu. Claro! Seu olhar de raiva, deu lugar ao de tristeza e então a raiva voltou a prevalecer.
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Quais segredos ele esconde? [CONTO COMPLETO]
Teen FictionNa primeira vez que Joana o viu, ela achou que fosse louco. Na segunda, um embriagado. Na terceira, ficou preocupada com a frequência dos encontros inusitados. Mas quando a quarta vez chegou e ela passou a ver André quase todo dia, a curiosidade foi...