Prólogo

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Numa manhã comum, aos quinze anos de idade, a maioria dos adolescentes está na escola. Reúnem-se em suas salas de aula, sonolentos, e tentam absorver o conteúdo passado pelos seus professores. Se não estudam, podem estar no trabalho, ou cuidando dos irmãos mais novos em casa. Porém, onde, com certeza, não costumam estar são salas de concreto, sem janelas, pendurados pelos pulsos e com os pés atados. Infelizmente, assim estava Etta.

Estar presa já era ruim. Porém, acabou se acostumando a este fato pelos anos passados sob o poder daquela corporação. V apenas a deixava assim quando ele tinha visitas. Para ela, o pior era a tremenda solidão. Mesmo que não fosse envolta de muitas pessoas no dia a dia, no passado Billie estava consigo. Agora, depois de sua morte... “Morta não, desaparecida.” afirmou, tentando enganar a si mesma. A esperança de sua “mãe adotiva” estar viva após um ano desaparecida era irreal demais. Era a única pessoa que havia lhe mostrado amor.

Saiu de seus devaneios com os sons de passos a aproximar-se. Eram passos leves, assim como uma respiração controlada. Parecia tentar camuflar a sua chegada e a surpreender, mas era ilógico. Sabia que apenas Kurt ainda duvidava de suas capacidades.

— Entra logo, Kurt. — murmurou ela, amargurada.

Pode ouvi-lo suspirar, e em seguida ele estava dentro do cômodo. Apertou um botão cinza num pequeno controle e as algemas soltaram-se, levando a jovem ao chão. Etta conseguiu evitar com que sua cabeça batesse no chão, e logo estava de pé.

Levantou-se, e foi levada despreocupadamente entre os corredores. Kurt poderia eletrecuta-la quando quisesse caso a moça desafiasse sua autoridade e tentasse fugir. Quando percebeu onde estava indo, parou instintivamente, nervosa.

— Já passamos por esta fase, Etta. — murmurou o homem atrás de si, e continuaram andando até a sala de interrogatório.

Assim que adentraram, analisou o ambiente em que se encontrava. Um homem magro, branco, alto e de cabelos curtos e loiros estava de pé perto de uma mesa. Os olhos azuis gélidos a encararam e logo ele deu um sorriso, seu rosto fino e angulado parecia esforçar-se para esboçar algo tão natural para a maioria. Usava roupas pretas, terno abotoado; calça de linho; camisa de linho; sapato e gravata.

— Aqui está Etta, caro Tobias. Sente-se, querida. — chamou-a em voz suave, mas ainda sim precisa.

Obedeceu, encarando o tal Tobias que estava do outro lado da mesa de madeira. Ele aparentava calma em seus olhos claros e arredondados, usava jeans escuros; uma camisa comum branca e um blazer escuro, além de um chapéu preto próximo ao estilo Panamá. Tinha uma barba por fazer e portava uma expressão simpática.

— Olá, Etta. Sou Dr. Tobias Curtis. V me falou bastante sobre você. — cumprimentou-a, esticando sua mão.

Assim que tocou a mão de Tobias, tratou de passar a mensagem necessária para o doutor, utilizando seu dedão. Três toques fracos, três toques mais fortes e outros três toques fracos. Tinha certeza de que ele entendera a mensagem, pois sorriu levemente para ela.

Era sua chance. Ele não era como os homens e mulheres que iam negociar com V e eram testados por ela. Além disso, conseguia ouvir uma voz feminina e suave, mesmo que forte, vinda do comunicador que Tobias usava e não foi interceptado pelos bloqueadores de sinal. Não conseguiu distinguir muito bem o quê ela dizia, mas sabia que nenhum inimigo criminoso de V usaria um comunicador. Ele tinha que ser ligado ao governo. E como falava o inglês americano como um nativo, Dr. Curtis provavelmente era de lá.

Soltaram as mãos, ainda mantendo o contato visual. Os dedos de Etta entrelaçaram-se em cima da mesa, mesmo que ela tivesse a vontade de brincar com a barra de sua camisa pelo nervosismo. Ela poderia ser livre.

— O que o senhor quer com a corporação Kondra? — questionou ela, a voz suave preenchendo a sala.

— Ouvi dizer que fabricam produtos psicoativos bastante interessantes. Como disse anteriormente a V, trabalho numa organização que faz alguns contratos governamentais e estamos interessados em utilizar em nossos casos. E também, abrir uma franquia não seria nada mal. — comentou, o dedo indicador esquerdo batendo em sua própria mão.

Uma batida rápida, uma lenta e duas rápidas. Duas batidas rápidas. Uma batida rápida. LIE. (Mentira) Etta assentiu levemente, sem tirar os olhos de Tobias. Entendera sua mensagem, mesmo que conseguisse descobrir, com mais esforço do que o normal, que ele estava a enganando. Aquele homem entendia de sinais.

— Ele está dizendo a verdade. — respondeu ela, ao olhar para V.—Gostaria de perguntar mais alguma coisa?

— O senhor será leal ao que conversamos anteriormente? — perguntou V, ao colocar sua mão num dos ombros de Etta.

A garota afastou-se levemente ao sentir o toque de sua mão, claramente incomodada. Tobias percebeu isto, e encarou novamente a garota, tentando a tranquilizar com o olhar. Parecia dizer “Está tudo bem.”

— Sim, V. Não teria o porquê de mentir sendo que Etta pode descobrir minhas mentiras. — afirmou Tobias, e a menina assentiu.

— Ele está falando a verdade. — confirmou Etta, ainda desconfortável.

— Espero que esteja sendo sincera, Etta. Não gostaria de repetir o seu... corretivo, como da última vez que ajudou um federal.—ameaçou V, ainda sem seu tom suave. — Sabe, Tobias, Etta é uma menina boazinha. Mas, ainda assim, às vezes ela me desobedece. — comentou ele, ao puxar um pequeno disco prateado de seu bolso e apertar o centro.

Assim que o fez, Etta praticamente saltou de sua cadeira e foi ao chão pela grande descarga elétrica que recebeu, graças ao dispositivo implantado em seu pescoço, brilhando sob a pele. Seu corpo contraiu-se involuntariamente e assim que o choque acabou, o som de sua respiração ofegante foi o único presente na sala.

— Apenas um aviso, querida. Kurt, leve-a daqui. — pediu V, e Etta foi arrastada para fora, sob o olhar preocupado de Curtis, quase como uma promessa de enfim ser livre.

Cobaia 37Onde histórias criam vida. Descubra agora