Após se recompor, Tito conseguiu se levantar apoiando sua mão na parede, avistou em um canto do salão Laninho encolhido, sua feição deixava evidente o quanto estava apavorado. O homem que acabara de fechar a porta avançou em sua direção, ele levantou o braço e tocando em seu peito o empurrou pressionado-o contra a parede.
– Morderam você? – perguntou o homem de pele pálida e cabelo bagunçado.
– Q-que? – gaguejou Tito de forma quase inaudível.
– Porra! Não escutou? Eu perguntei se te m-o-r-d-e-r-a-m – ele falou novamente um pouco mais de vagar, porém sua voz soara tão aterrorizante quanto da vez anterior.
Ele possuía braços musculosos, duas ou até três vezes maior que os braços de Tito, a blusa regata, que estava completamente suja de sangue e terra, deixava a vista as veias saltando do braço na medida em que ele o pressionava contra a parede. Na mão esquerda ele carregava um pedaço grande de ferro com a ponta melecada de sangue. Seu corpo exalava um forte cheiro de suor misturado com um odor, quase imperceptível, que se comparava as criaturas do lado de fora da oficina. As criaturas, Tito se lembrou delas, não paravam de esmurrar a porta de ferro e produziam um grunhido incomum.
– Fala logo! Que merda de sangue é esse no seu braço? – ele vociferou com raiva.
– O sangue é de uma mulher que pulou nele – respondeu Laninho.
O homem recuou o braço liberando o garoto que imediatamente se moveu para se aproximar do irmão. Neste momento a feição do garoto se transformou sutilmente, abandonando o completo pavor para projetar um olhar enraivecido ou confiante, era difícil distinguir.
– Vamos, Guilherme, temos de nos apressar – falou o homem pálido se dirigindo para uma porta no fundo salão.
O homem chamado Guilherme era um moreno alto de cabelo crespo, não aparentava tão sujo quanto o outro, mas as suas grossas sobrancelhas contraídas uma contra a outra e a testa franzida revelavam um cara tão irritado quanto o outro, além disso, seu rosto lhe parecia familiar, como se já o tivesse visto antes.
Tito e Laninho trocaram olhares diversas vezes por pequenos períodos de tempo e ao mesmo tempo tentavam acompanhar os movimentos dos homens pelo salão empoeirado. Guilherme seguiu o outro até a porta do fundo e começaram a cochichar alguma coisa, foi possível captar alguns pronomes femininos. Talvez estivessem falando de uma mulher.
– O que está acontecendo? – interviu Laninho.
Embora Tito também estivesse desesperado para saber o que estava acontecendo ele não conseguia se manifestar, seu coração ainda pulsava acelerado dentro do peito, ele não entendia como que seu irmão mais novo não aparentava tão aterrorizado como ele, Laninho nunca foi bom de esconder seus sentimentos, isso significava que estava sendo autêntico. Era impossível acreditar que ver um homem partindo a cabeça de outras duas pessoas não o afetara tanto assim.
– Vocês dois, moleques, fiquem atrás de mim, caso se distanciem, eu deixarei vocês morrerem – o homem de camiseta suja falou ignorando completamente a pergunta do pirralho.
– Eu quero saber o que está aconte...
– Guilherme, pegue o da esquerda, eu vou no da direita.
O homem abriu a porta sem se importar com o que Laninho estava dizendo. Do lado de fora a chuva desabava incessantemente, Tito reparou que estivera tão atormentado ao ponto de não ter percebido o barulho dos pingos ecoando sobre o telhado.
Havia duas criaturas do lado de fora, uma à esquerda e outra à direita, o homem de pele pálida saiu correndo em direção ao senhor de idade avançada que possuía a gola da blusa encharcada de sangue. Suspendendo o pedaço de ferro com as duas mãos perfurou o crânio do velho sem hesitar. Tito pensou em permanecer no local sem se mover e deixar ele seguir sozinho, mas após ver o seu irmão avançar sem medo ele decidiu acompanha-lo. A mulher que vinha a sua direita esteve perto de tocá-lo, ao menos teria conseguido se não fosse por Guilherme em sua cola manejando o machado que acertara a boca dela, fazendo os dentes saltarem pelo ar enquanto o corpo desmoronava no chão.
Estavam em outro beco, um pouco mais largo que o anterior. A pele pálida daquele homem, refletia na fraca luz do sol que encontrava brechas nas nuvens para realçar ainda mais a baixa pigmentação dele. Ele empurrou uma porta no fim do beco que cedeu facilmente, desabou no chão produzindo um forte eco dentro da casa, ele continuou correndo atravessando aquele cômodo em direção a uma escada do outro lado, Laninho o seguia sempre bem de perto e Tito o acompanhava logo atrás, Guilherme estava sempre um pouco recuado não permitindo nenhuma daquelas pessoas se aproximarem deles. Atravessaram o cômodo e subiram as escadas.
O piso superior era uma laje, na beirada ao sul passaram com cuidado por uma tábua que dava acesso a superfície de outra casa. O branquelo se suspendeu na sacada do sobrado ao lado, depois abriu uma porta e entrou no segundo piso da casa, Laninho o seguiu com facilidade, diferentemente de Tito que precisou da ajuda de Guilherme para conseguir se pendurar na sacada. Após descer as escadas seguindo para o piso inferior viu o homem parado em frente a porta da sala de estar e Laninho ao lado dele, mas dessa vez o branquelo carregava uma mochila nas costas e não fazia ideia de onde aquilo saiu. Olhando para trás percebeu que o Guilherme saia de dentro de um quarto carregando uma mochila parecida com a do outro rapaz. Os quatro se amontoaram em frente a porta da frente.
– Eu e o Guilherme vamos na frente para liberar espaço. Não se afastem – dessa vez o homem sussurrara.
Tito não teve muito tempo para refletir sobre a parte em que ele disse "liberar espaço", a porta foi aberta e os dois saíram correndo pela rua, Laninho não esperou e foi logo atrás, Tito tentou acompanhar, mas assim que saiu por aquela porta ficou paralisado, havia dezenas e dezenas de pessoas, muitas delas em estado decrépito. Naquele momento uma criança que o alcançou precipitadamente o fez despertar da paralisia, seus membros inferiores, em um impulso inédito, moveram-se de forma tão veloz como nunca acontecera antes. O garoto corria intensamente em direção aos outros, mesmo assim, por mais que ele tentasse alcançar o seu grupo, as criaturas eram tantas que já estava ficando difícil enxergá-los na multidão, ele tentava desviar o máximo que podia para não acertar as criaturas, muitas vezes alguns deles o alcançavam ao ponto de tocá-lo.
Tito não tirava os olhos de seu grupo, tentando não perder seus movimentos. Ele percebeu que o grupo entrou em uma casa e deixaram a porta aberta, distraindo-se momentaneamente não viu um homem obeso que veio com tudo em cima dele, tentou desviar mas o seu ombro se chocou contra a criatura fazendo o corpo do garoto girar e desabar com as costas no chão. Incontáveis daquelas coisas avançavam sobre ele enquanto ainda estava caído arrastando-se para trás. Ele soube naquele instante que dessa vez seria impossível fugir.
Uma mão o agarrou por trás, arrastando-o até passar pela porta da casa, Guilherme o salvara mais uma vez, alguém fechou a porta deixando a multidão alvoroçada do lado de fora, porém estava claro que aquela porta velha e enferrujada não aguentaria por muito tempo, correram pela casa até chegar no quintal, escalaram um pequeno muro e pularam na casa ao fundo e seguiram até a parte da frente da outra casa.
Lá fora a rua estava completamente livre de qualquer perigo, as única coisas que haviam lá era uma caminhonete e um velho de cabelo grisalho.
– Vocês demoraram – aquele senhor falava enquanto abria as portas da caminhonete.
– Encontramos esses dois garotos no meio da rua – Guilherme falava enquanto empurrava Tito e seu irmão para dentro do automóvel, jogou as mochilas dentro da caçamba, e por fim entrou no carro e eles partiram para algum lugar.
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A cidade faminta
أدب المراهقينUm jovem abandona sua vida virtual durante as férias para se aventurar em um acampamento com seus amigos. Assim que as férias acabam, na tentativa de regressarem a vida cotidiana, eles enfrentarão uma série de situações perigosas que colocarão suas...