UM

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        ACORDO E OLHO O CELULAR, são 3 da manhã. Tenho papel, mas não tenho caneta então faço um rascunho nas mensagens do smartphone. “NÃO VOU SER CONSUMIDA PELO TÉDIO”, digito . Fito o teto branco do meu quarto por alguns segundos, penso em como seria legal desenhar algo nele. Talvez algumas galáxias com estrelas que não sei o nome. Sempre quis dormir observando as estrelas.  Paro de pensar, decido levantar para tomar um banho frio. Me arrependo de não ter aceitado o convite de sair antes. Isso sempre acontecia comigo, meus amigos me chamam para sair, eu não aceito, mas sempre chego lá durante a madrugada.

        Me troco e desço as escadas com cuidado para não acordar meus pais. Pego minha mochila no hall e vou até o jardim, minha bicicleta está lá. É uma Caloi preta com pintura gasta. A garrafinha com agua do ultimo treino ainda está no apoio da bicicleta. Tiro os sinalizadores da mochila e coloco nela. Tenho capacete, mas prefiro não usar. Deixo-o sobre a poltrona da sala e saio pelo portão lateral. Pedalo alguns metros sob o céu nublado de uma sexta feira calma. Decido ligar para a Lara, para saber onde eles estão. O celular dá dois toques e alguém atende.

“E ai, Miss Beauvoir!” – O celular é da Lara, mas quem atende é seu namorado, Max.

“Oi gato. Onde está a Lara?” – Pergunto.

“Digamos que ela está ocupada.” – Ele diz rindo, uma frase mal montada, com varias mudanças de respiração entre as palavras. Imediatamente imagino que eles estão transando.

“Aff, vocês não dão um tempo! Onde a galera está?” – Continuo pedalando devagar, atenta a rua deserta. Observo o verde do sinal, as luzes vermelhas no topo dos prédios. As pichações na prefeitura, tudo para esquecer o Max e a Lara.

“Estão aqui o Adam, eu, a Larinha e o Chico.” – Ele responde depois de um longo minuto, o silencio da cidade me permite ouvir o som do ar junto com a fumaça saindo de sua boca. -  “O resto da galera saiu, foram para uma festa de ricos.” – Ele diz e a frase sai com nojo.

“Vocês não vão?”

“Sim, logo, logo. Assim que a Larinha terminar o trabalho” – Ele fala e desliga o celular. Guardo o meu na mochila e pedalo o mais rápido que posso  até a casa do Max. Ele mora em um prédio antigo, caindo aos pedaços, que seu pai ainda paga para ele de boa vontade. Com muito esforço subo três lances de escada empurrando a bicicleta e abro sua porta sem bater.

        Na sala estão Adam e Francisco. Eles tentam assistir tevê por trás de uma nuvem de fumaça que inunda o cômodo. Deixo minha bicicleta no hall e caminho até eles que não desviam os olhos da tevê.

“O que vocês estão fazendo?” – pergunto  enquanto procuro um lugar para sentar. Na teve passa comerciais e os dois apenas assistem calados. Fico de pé, sem ter onde sentar e observo pela janela o movimento dos carros na ponte.

 “O que vocês estão fazendo seus retardados?” – Pergunto outra vez e sento sobre o colo do Adam, para que ele preste atenção em mim. Trago um pouco do seu cigarro.

“Aah, hmm... Chico está procurando uma rachadinha.” – diz depois de um tempo. Olho para a tevê mas não entendo. Chico me olha e me dá um sorriso safado.

“É quando a roupa está tão colada que divide a vagina no meio.” – Adam me explica. Olho para a tevê a procura de uma ‘rachadinha’ mas não vejo nenhuma. Chico, está comendo uma macarronada que não parece nada boa. O boné para trás escondendo o corte militar de seu cabelo. E uma camisa regata branca. Me estico para me aproximar do Chico, sem levantar do colo do Adam. Passo a mão na frente de seus olhos, mas ele continua com o olhar fixo na tela.

“Aahm, Mich, acho que você deveria sair do meu colo” – Adam diz enquanto sua mão aperta o couro do sofá. Ele está ficando vermelho, sinto o volume na sua calça e tenho um ataque de riso. Nessa hora Chico nos olha, mas por pouco tempo. Ele não quer perder uma rachadinha.

        Adam era bonitinho. 18 anos, cabelo castanho e um topete um pouco grande demais. Os olhos azuis em contraste direto com alguns fios de cabelo que ousavam repousar sobre a sobrancelha. Adam é o que eu chamaria de um pedaço de mau caminho. Não malhava, mas tinha um corpo bonito. Não tinha namorada, até onde eu sei. Então continuo sentada em seu colo, ele fica cada vez mais envergonhado. Seguro sua mão, e o destino dela é minha perna cruzada sobre seu colo. Me aproximo para beija-lo, mas não o faço. Apenas puxo seu lábio inferior entre meus dentes por alguns segundo e então saio de seu colo.

“AFF, VAMO LOGO LARA!” – Grito me dirigindo até a escada, já eram 03:30. - “Mas que porra de demora é essa? Vocês estão fazendo sexo ou desarmando uma bomba?” – Resmungo.

“RACHADINHA!” – Ouço a voz do chico animada.  - “Cara você viu?? Uma rachadinha na Rede Globo!” - Volto correndo para a sala, não podia perder isso! Mas quando chego lá já acabou. Na verdade nem o Adam viu. Acho que o Chico estava vendo coisas demais.

“Por que vocês não assistem aquele cine que passa nas madrugadas da band?” – Pergunto.

“Seria fácil demais. Teria vagina a cada segundo e nós estamos procurando uma rachadinha” – Chico me responde. - "O Porno explicito tiraria nossa atenção." - Ele diz e parece um professor explicando uma aula chata. Seus olhos desviam da tevê para o prato com macarrão e queijo derretido. Tento entender a logica da coisa e sento entre os dois no sofá.

“Ok, vamos sair daqui” – digo tomando uma decisão logo após sentar. Estar entre os dois foi como uma Epifania.

                                                                                               ***

        A noite lá fora está fria, já são 4 da manhã. Alguns poucos carros transitam pelas ruas, mas nos deparamos com ciclistas malucos que fazem um percurso de 30 horas seguidas. Até tentei pegar carona com um deles mas não deu certo.

“Vocês sabem onde é essa festa?” – Pergunto.

“Perto da praia. Bairro de rico.” – Chico diz enquanto prepara um beck.

“Hmm, e nos estamos em bairro de pobre, o que significa que é do outro lado da cidade.” – Falo triste. Antes de pegar um ônibus compramos dois vinhos baratos em um mercadinho. Quando chegamos na Praia do Futuro já são 5 horas. O céu já está ficando claro.

“Bom, parece que chegamos.” – Falo quando dou de cara com uma grande casa branca com vários carros estacionados e uma cama elástica no gramado.

“É, e só demorou 2 horas, 2 onibus, 3 vinhos, e 5 becks” – Adam ri. 

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