Capítulo Dois: O Sacrifício do Rei

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Os domos da cidade de Torreluz de beleza primaveril margeiam a costa das Colinas do Norte há centenas de ciclos e "nunca cairão seja qual for as intempéries ou temperamentos, seja de Reis ou além Reis, e no fim...", bem, Rampduss não conseguiu finalizar o seu pensamento. Estava pensativo naquele fim de tarde, e talvez um pouco esmorecido pelas decisões que deveria tomar dali em diante. Sua mente insistia em deixa-lo, desprender-se do seu corpo. Estava no lugar preferido do Rei das Brumas, escondido pela relva, afastado dos ruídos do povo.

A manhã surgia aos bocados além dos portais ao redor, via-se a ponta do cais, onde grandes embarcações ondulavam com a maré, estava a uma distância considerável, mas com esforço conseguia escutar os marinheiros entoando canções após uma noite de bebedeira, o comércio local verberando a voz dos pobres. O povo estava abaixo deles, e acima de suas cabeças as estátuas dos três antigos reis de Torreluz os observava com os seus olhos engessados. Além mar a lua que brilha se distanciava.

O Primeiro Domo fora usado como mausoléu da família real durante gerações, algum dia seria a morada de Félios e do seu sucessor. No menor dos domos havia escadaria que perpassavam toda a cidade, rumando sempre para baixo em câmaras mais sepulcrais, mas até mesmo no topo delas, onde a luz ricocheteava estrategicamente, iluminando cada antessala, percebia-se uma atmosfera secreta de mortos em silêncio. Embora o misticismo reinasse absoluto, era a permanência da atmosfera silenciosa que trazia os pensamentos mais temerosos de Félios Heartgrave, ali o rei era um jogador compactuando com igual. Os demais Ádapas, assim como os guardas se ausentavam da pequena sala enquanto os dois jogadores sentavam-se à mesa de Tafl. Ali o rei tirava sua coroa, o Ádapa Mestre retomava seu sobrenome, mesmo que ambos soubessem que até mesmo esta façanha o domo nunca pudesse exercer.

– Está silencioso nesta manhã. – comentou Félios após um breve suspiro.

– Apenas acordando aos poucos, senhor. Peço desculpas. – prosseguiu Rampduss polidamente. O rei o julgou com os olhos, ele sabia que não precisava trata-lo com tanto esmero quando a sós, mas ultimamente pairava em sua mente um desconforto.

O piso ladrilhado refletia os seus corpos. O rei trajava o azul anil de Torreluz com vestes pesadas e cobertas de plumas, cravejadas aqui e ali de joias preciosas que reluziam com os primeiros raios de sol daquela manhã. O Ádapa mestre continuava com o seu manto coral, traçado por linhas de um azul celeste, as vestes cobriam seus pés e seus braços, e o capuz, exigido a qualquer um dos conselheiros, caia as suas costas. Ambos tinham traços da idade avançada, ambos traziam traços dos colonos, tons escuros e febris como se emanasse calor próprio.

– Não me recordo qual foi a última jogada, irmão. Podemos começar do zero?

– Claro. – Rampduss organizou as peças no tabuleiro. "Ele iria ganhar?" sua memória dizia que sim.

Na sala havia um tapete carmim estreito e feito a mão que levava diretamente a entrada desembocando nos corredores e na outra extremidade, eles estavam sentados à mesa onde um tabuleiro complexo jazia com suas peças esculpidas. Jogavam Tafl, presenteado Ciclos anuais atrás pelo Rei além de Úmbria como maneira de agraciar o casamento de Félios Heartgrave com a sua própria filha. Fora forjado habilmente para mostrar peças com semblantes bravios de Elfos e Drows.

– Você irá tomar o rei desta vez?

– Prefiro que você escolha.

– Hora, assim você facilita as minhas escolhas. – Félios organizou as peças e tomou o rei para si no centro. – Pode começar.

– Claro. – Ele fez a primeira jogada, olhando fixamente o semblante do rei. – Por mais que eu me satisfaça com os nossos jogos, fico imaginando qual foi o real motivo pelo qual o levou a me tirar dos meus aposentos tão cedo.

Além das Brumas, Viagem à TorreluzOnde histórias criam vida. Descubra agora