Capítulo Três: Afrente, na Trilha

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Já era noite quando todos o viram atravessar o arco da porta. O sino ressoou na entrada do mercado de abates. Havia dois senhores encapuzados conversando aos sussurros, e quando o gigante homem cruzou seu caminho eles logo se calaram e se voltaram para uma bancada de frias carnes nervadas. A estalagem era pequena e abafada, cercada por ganchos enferrujados sustentando peles e outras quinquilharias. Atrás do balcão empilhado de moedas e livros velhos, provavelmente usados como moeda de troca, Mahko retirou o capuz sem cerimônia, retirando das costas uma bolsa de couro onde a depositou a frente do dono calvo. Algo viscoso escorreu dela, além de um odor pungente nada mais forte do que o habitual daquela espelunca encardida.

Quando alguns fregueses, muitos usando branco cobertos de terra, saíram as pressas, Mahko franziu o cenho tentando imaginar se o faziam por sua presença ou pela carne fresca. Em suas veias corria o sangue dos Bárbaros, das suas feições brutas via-se a peculiaridade daqueles que agora juravam a queda do Reino de Torreluz e de sua guarnição nas Altas Colinas. O caçador pouco tinha a ver com tal disputa, pois cortara vínculo com sua tribo desde o dia de sua nascença, mas as características o mantinham afastado dos dois mundos como um pária. Tinha olhos cinzentos escuros, furos nas orelhas deformadas, uma carranca de mal humor que contorcia os lábios frios para baixo, uma barba curta e castanha, crespa por sua linhagem e pelos longos verões de isolamento. Era extremamente alto, cobrindo altura de dois homens pequenos quase, e quando adentrava a entrada do Povoado do Bosque de Chauntea, sempre era encarado com olhos de repúdio, "ele não deveria perambular numa terra sagrada".

Recentemente os olhares aumentaram na medida em que os trajes funerais cobriam o verde do bosque com pontos de branco reluzente. Uma cantoria melancólica reverberava no fim daquela primavera, e perduraria provavelmente até a próxima estação. A Travessia de Chauntea era um grande evento que abria o outono, mas aquele em particular estava levando alguém importante para tanta movimentação entre os moradores, entretanto não sabia quem homenageavam já que não possuía amigos no Bosque, e os seres mais antigos dos bosques pouco se envolviam com as homenagens e comemorações mundanas.

Neste caso adentrava pelos portões para concluir os seus trabalhos mais essenciais, e o seu negócio com o mercante se sustentava pela quantidade de rações e moedas que conseguia com a sua caçada, e da quantidade de carne de boa qualidade por parte do outro.

Cruzou, portanto os braços, aguardando, e do outro lado do balcão um homenzinho de cabelos ralos imitou-o, entretanto com olhar tenso. O caçador, que tão pouco era tratado como um homem era conhecido como "A Sombra das Brumas" de ombros curvados, "uma besta para o povoado, agindo como um ser civilizado quando na verdade nada mais era do que um bárbaro".

– Tem o suficiente? – Dissera o pequeno mercador. Olhando para dentro da bolsa os seus olhos brilharam. – Havíamos combinado o dobro! Acha que vou pagar por isso?

– Vinte moedas. Em ouro. – Disse A Sombra com uma voz firme. – Está mudando os negócios?

– A época de caça está chegando ao fim. – O homem o fitou. – Mas não vou pagar tudo isso. – O homem fechou a bolsa de couro com força e a empurrou para A Sombra. – Com a recente perda a comida está acabando rapidamente. – disse quase que secretamente.

– E quem fez a travessia, afinal?

– Não lhe diz respeito.

– É a minha última caça da temporada Loofing. – Mahko engoliu o orgulho secamente, fitando-o com severidade.

– A última?! – Disse o homenzinho com os olhos ainda mais arregalados. – Onde acha que vou. – Ele gaguejou e tentou se acalmar diante dos clientes que ainda perambulavam por ali. – Vai me falir desse jeito. Como acha que vou pôr carne na Taverna?

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⏰ Última atualização: Aug 19, 2020 ⏰

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