se ainda há algo de alma em mim, devo à cidade.
devo porque a cidade queima mais do que eu mesmo pretendi uma vez queimar. devo minha alma à toda música que toca às vinte e três; eu devo à isso.
devo quando o flerte é sutil nos olhos daquela garota, e ela me olha nos olhos quando nos esbarramos no terminal leste. somos dois entre centenas.se há algo de alma em mim, devo à cidade, que diariamente me ferve até que restem ossos, e me devolve aos tropeços atrás das obrigações da tarde. devo porque, sem isso, sem essa dor, sem esses sorrisos e sem as luzes laranja iluminando a gente, do rosto aos sapatos, sem isso tudo que tanto se subestima, sem essa imagem toda, pouco restaria para ver nas pálpebras quando eu fechasse os olhos, finalmente (seja para a noite ou para sempre).
se há algo de alma em mim, te garanto, devo à cidade que nunca me quis pela metade, mas me partiu ao meio ainda assim, e eu soube aonde deveria ir logo em seguida.
se ainda há algo de alma em mim, devo à cidade que, tão constante, esteve sempre aberta quando eu mesmo me fechava a tudo. devo porque ela estava aqui quando me abri para a calçada.
devo porque as ruas são diretas e me levarão até você. devo porque as buzinas são incertas e eu sempre posso mandar alguém não se meter nisso aqui, não é verdade? somos fáceis assim.devo porque, quando eu tinha sete ou aos setenta, ainda saberei o caminho.
15 de JUNHO de 2018, 19h.

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AMORAS
Poesíabelas aos olhos, azedas na língua. se quer uma doce, escolha com cuidado. tinta forte, deixa mancha, deixa marca, é impossível de esconder. essa é uma coleção de poesias e textos que escrevi ao longo do tempo, recente ou não. algumas têm destinatári...